Umamificar é importante!

Courgette | Lemon Koji | Chilli Crunch
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Penso que é consensual afirmar que o que comemos desempenha um papel fundamental para atingir um bom nível de saúde e a desejável sustentabilidade ambiental do planeta em que vivemos. É também consensual afirmar que o que comemos está a ameaçar tanto a saúde humana quanto a Terra. Complicado... mesmo muito!
A única conclusão possível é que é necessário, e urgente, fazer uma transformação radical da forma como comemos. Se isto não é fácil a nível individual, fazê-lo a nível global, com uma população crescente, com culturas, hábitos, disponibilidades e necessidades muito diversas, ainda é mais complicado.
A Comissão EAT-Lancet de 2019, que reuniu 37 cientistas, de 16 países, especialistas em áreas relevantes, estudou este assunto e propôs diretivas e metas científicas globais para se alcançar uma dieta saudável proveniente de sistemas alimentares sustentáveis (pode ser consultado AQUI um resumo do relatório final). É aí referido que a humanidade nunca mudou radicalmente o sistema alimentar à escala e velocidade que a comissão julga necessários, e que tal exige trabalho árduo, vontade política e recursos suficientes.
As conclusões indicam que uma dieta saudável e sustentável, deve ser rica em alimentos de origem vegetal e incluir poucos alimentos de origem animal, cereais refinados e açúcares. Indicam mesmo metas a atingir, nomeadamente 300 g de vegetais e 200 g de frutas por dia, valores muito superiores aos habitualmente consumidos.
A grande maioria das pessoas tem dificuldade em aumentar de forma tão significativa o consumo de vegetais e em reduzir o de carne, em consequência de uma variedade de barreiras de natureza psicológica, fisiológica, social e cultural. De facto, a evolução humana foi impulsionada nos últimos dois milénios pelo consumo de carne e pelo desejo pelo gosto umami.
Olle Mouritsen, um químico-físico dinamarquês que, a par com o trabalho no âmbito biofísica molecular, se tem dedicado a estudar a gastrofísica do gosto e das sensações na boca, macroalgas, cefalópodes e vegetais, refletiu sobre estes assunto e publicou algumas destas reflexões. Nomeadamente os artigos The solution to sustainable eating is not a one way street , Design and ‘umamification’ of vegetable dishes for sustainable eating e o livro Plant- Forward: Cuisine basic concepts and practical applications. Curiosamente, durante a preparação deste livro veio a Portugal, e tive o gosto de o acompanhar nas visitas a produtores e chefes.
Nestes trabalhos, Mouritsen considera que o caminho para consumir mais alimentos de origem vegetal está repleto de obstáculos causados pela biologia vegetal e por elementos-chave da evolução humana. Refere que as plantas, por não conseguirem fugir, desenvolveram sistemas de defesa com substâncias amargas e por vezes venenosas, para evitarem ser comidas por animais herbívoros. Por outro lado, os tecidos vegetais (caules, folhas e raízes) não têm um gosto doce, uma vez que os seus açúcares estão ligados entre si, formando hidratos de carbono que não são doces. Para além disto, por não possuírem tecidos musculares, têm também uma menor capacidade de contribuir com o gosto umami. Em contraste, os frutos maduros devem ser consumidos para a reprodução das plantas e, por isso, são macios, doces, com aromas atraentes, e alguns deles, como o tomate, têm o gosto umami.
Ora, os gostos doce e umami, são os que mais agradam aos humanos já que o doce é um sinal de açúcares e, portanto, de calorias, o que é bom para a sobrevivência, e o umami é um sinal de proteínas e de uma boa nutrição. Por outro lado, o amargo é um sinal de toxicidade e de algo que deve ser evitado.
Uma forma de tornar os vegetais mais interessantes, segundo Mouritsen, seria utiliza o conhecimento científico e competências culinárias para conceber e "umamificar" pratos de vegetais, para que fiquem mais deliciosos em termos de sabor e sensação na boca. Ou seja, propõe combinar a ciência e as artes culinárias, na busca de soluções para promover uma transição verde seguindo as recomendações da Comissão EAT-Lancet.
Considera que uma via possível e interessante é enriquecer o sabor dos pratos pela adição a alimentos vegetais crus ou pouco processados de substâncias umami e kokumi (estas são substâncias que modificam os sabores básicos, a complexidade ou a sensação na boca, quando adicionadas aos alimentos, embora não apresentem sabor nas concentrações em que geralmente estão presentes). Isto pode ser feito, por exemplo, utilizando condimentos e molhos. Enquanto que o umami é um gosto básico bem conhecido nos queijos curados, tomate maduro, carnes curadas, fungos e produtos marinhos, as substâncias kokumi surgem no alho, levedura, vieiras, molho de peixe, molho de soja, pasta de camarão, queijo e até cerveja.
Refere que uma das formas mais poderosas de conferir umami e kokumi envolve alimentos marinhos, como macroalgas, peixes, mariscos e cefalópodes, particularmente na forma fermentada. Um benefício desta opção é a sua contribuição com nutrientes essenciais que as plantas não possuem (por exemplo, ácidos gordos super-insaturados e vitamina B12). Outra opção é a fermentação, que permite transformar vegetais de forma a conferir-lhes compostos doces, umami e kokumi, através da decomposição das suas proteínas e hidratos de carbono.

No artigo Design and ‘umamification’ of vegetable dishes for sustainable eating apresenta uma extensa lista de possibilidades para tornar os vegetais mais saborosos e introduzir texturas atraentes, e explica a contribuição de cada um, termina com alguns exemplos de aplicações.


Refere, por exemplo, opções de origem animal que funcionariam como condimentos (entre outros, anchovas, bacon, presunto, polvo, lula, molho de peixe, katsuobushi), de origem vegetal (cebolas, alhos, alcaparras, molho de soja, cogumelos, água de cozer batatas, tomate), de microorganismos (koji, levedura nutricional ou Marmite), assim como o uso de temperos como citrinos, piri-piri, gengibre...



É fundamental desenvolver estratégias para a introdução de mais vegetais na dieta, e todas as contribuições são importantes, porque mesmo sabendo que uma dieta com mais vegetais é mais saudável e sustentável, para que os hábitos mudem e se mantenham a longo prazo, é preciso que os pratos sejam bons e compatíveis com a cultura alimentar e as preferências gustativas dos consumidores.
1ª Foto - Prato do restaurante Land em Birmingham em que estas técnicas foram aplicadas.
