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Assins & Assados

Assins & Assados

08
Set25

Lisboeta - Sabores, Nostalgia e Conforto

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Londres é uma cidade de que gosto muito e aonde, durante muitos anos, ia frequentemente. No período em que a minha filha mais velha lá estudou ia lá duas a três vezes por ano. Nos últimos tempos, apesar de estar grandes períodos no UK, vou lá muito pouco, e quando isso acontece vou de manhã e regresso ao fim do dia, pois a viagem de comboio é pouco mais de uma hora e os hotéis são muito caros.  Mas passar só o dia é diferente de lá estar por um período mais longo, e durante as férias deste ano decidir lá passar três dias. Foi bom, soube-me bem, deu para viver ao meu ritmo e sem grandes planos, e andar um bocado ao sabor do acaso e de decisões de momento, uma coisa de que gostava muito quando lá ia com frequência.

Tinha, contudo, algumas coisas planeadas e uma delas era uma refeição no Lisboeta do Chefe Nuno Mendes onde ainda não tinha ido. Fui a muitos dos outros restaurantes que teve em Londres. Comecei pelo Bacchus em 2007 e 2008, seguiu-se o Viajante em 2010 e 2011, o The Corner Room em 2013 e a Taberna do Mercado em 2015, mas depois disso não aconteceu ir a nenhum dos outros restaurantes de Nuno Mendes, nem em Londres, nem em Portugal. 

Tentei marcar online, mas a marcação não correu bem... Não me dava oportunidade de marcar ao almoço, o que eu preferia, e ao jantar só ao balcão, e eu não gosto nada de balcões. Marcar só para uma pessoa tem destas coisas... quando tentava para duas já conseguia mesa. Não marquei! Decidi que tentaria a minha sorte, e num dos dias passei à hora de almoço. Foi fácil... estavam poucas meses ocupadas quando cheguei, mas durante o almoço a sala no 1º andar foi-se compondo, e ao balcão nem havia ninguém.

Soube-me bem chegar e, logo ao perguntar se teriam mesa, a pessoa que me recebeu ter identificado que eu era portuguesa e a conversa ter passado para português. O empregado que me levou à mesa, e acompanhou de forma muito simpática a minha refeição, também era português. Às vezes sabe bem falar português nestas situações... é necessariamente uma interação diferente.

Os quadros, com fotos a preto e branco, que via da minha mesa também me provocaram uma certa nostalgia. Uma esplanada no Terreiro do Paço, um homem à porta de uma tasca com um saco de caracóis, e a Açucena Veloso que conheci no Peixe em Lisboa.

Pedi muitas coisas, tinha vivido bem com menos, mas estava com fome e apetecia-me provar diversos pratos. Gostei da carta de vinhos, exclusivamente com vinhos portugueses, com exceção de alguns champagnes. Acompanhei a refeição com Niepoort X Lisboeta - Amigos, Branco 2020, um vinho criado por Dirk Niepoort em colaboração com Nuno Mendes.

Comecei com uma entrada, leve, deliciosa e como sabor do mar.

 

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White Crab Tartlet with lemon and tagetes

 

A entrada que se seguiu não considerei ser tão bem conseguida, achei o recheio um pouco pesado e que não deixava transparecer a frescura e sabor característicos do Bulhão Pato.

 

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Empada - ‘bulhão pato’ mushroom and turnip pie

 

Seguiram-se mais dois pratos.

 

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Mushroom Açorda, sourdough broth and a slow cooked egg

 

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Nuno’s Bacalhau à Brás confit cod, caramelised onions, egg and shoestring fries

 

Gostei da interpretação do Bacalhau à Brás, um prato muito rico, um dos elementos cremoso, com sabor a ovo, mas o bacalhau confitado em lascas e as batatas muito estaladiças e finas introduziam um bom contraste de texturas.  Quanto à Açorda... se me falam numa açorda, imediatamente me remetem para o conforto da sua textura cremosa. Ali o pão estava na forma de uma fatia. Era um prato muito bom e saboroso, delicioso mesmo! Mas tinham-me prometido uma açorda... só esta expectativa fez com que não me enchesse completamente as medidas.

Para terminar,  a sobremesa que foi acompanhada com um chá, da  Chá Camélia, produzido em Portugal por Nina Gruntkowski e  Dirk Niepoort.

 

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Abade de Priscos - pork fat custard with a port caramel

 

Mais um vez aqui as expetativas... as texturas... criaram um momento de estranheza. Um Abade de Priscos para mim vive muito daquela textura de um gel muito rico e denso, de o sentir na boca, o esmagar com a língua contra o céu da boca e, de vez em quando, de o fazer passar por entre os dentes. Aqui o pudim era batido, era um creme. Primeiro estranhei, depois abstraí-me da ideia de que era um Abade de Priscos e desfrutei de uma sobremesa muito rica e saborosa.

Mas este assunto das texturas fez-me pensar... pensar sobretudo no que nos marca em cada prato. Isso pode ser diferente de uma pessoa para outra. Fez-me pensar que nestas situações, que envolvem interpretações por quem cria o prato,  por vezes temos que nos abstrair do que nos marca no prato original. Não estamos ali para o comer, mas para conhecer e desfrutar do trabalho e criatividade de um chefe que foi inspirado por esse prato.  É importante, e bom, conseguir fazê-lo, introduz uma nova dimensão, uma nova componente na apreciação e interpretação do prato.

Por tudo o que descrevi, gostei muito do almoço,  não só pelo que comi, mas também porque teve componentes de nostalgia e conforto muito boas.  Infelizmente é uma experiência que não vou poder repetir, pois uns dias depois Nuno Mendes informou que o restaurante em Londres vai fechar. Quem sabe reencontrarei a cozinha de Nuno Mendes agora em Portugal. Mas a cozinha portuguesa vai continuar presente no mesmo espaço que o Lisboeta ocupou, desta vez pelas mão do Chefe Leandro Carreira que ali vai abrir o Luso. Já em tempos visitei um dos seus projetos em Londres e será certamente uma opção para uma refeição numa próxima visita a esta cidade.

 

 

 

06
Ago25

JAZ by Ana Roš - um almoço excelente

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A Chef Ana Roš é conhecida pelo seu trabalho no restaurante Hiša Franko, a cerca de duas horas de Ljubljana, que tem 3 estrelas Michelin e oferece uma cozinha criativa muito característica, baseada em ingredientes e tradições locais e eslovenos. Contudo, no final de 2023 abriu o restaurante JAZ by Ana Roš no centro de Ljubljana, no AS Boutique Hotel, que é chefiado por Alex Iacoviello que anteriormente trabalhou no Hiša Franko. O JAZ não é um restaurante de fine dining, mas um espaço descontraído, próprio para o convívio à mesa, com uma oferta gastronómica simples, mas baseada nos produtos sazonais e da região, em que se revive a tradição. Ao almoço oferece um menu curto e económico. Ao jantar tem um menu mais extenso, e com pratos mais complexos. 

Por razões várias, só foi possível ir almoçar ao JAZ no último dia em que estive em Ljubljana. Entrámos no restaurante através de uma zona pedonal onde existem vários restaurantes. Na entrada, um detalhe engraçado, um xilofone e instruções para tocarmos para chamar a atenção e nos virem receber.

 

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Um espaço amplo, bonito e elegante, onde fomos recebidos com muita simpatia e um sorriso rasgado. Aliás, o serviço foi sempre descontraído, mas muito competente, o que resultou numa interação muito agradável.

 

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O menu no dia em que estivemos no restaurante era:

 

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Escolhi o menu de 4 pratos, como a generalidade das pessoas na mesa. Acompanhámos a refeição com um vinho Esloveno, o Zelèn da adega Pasji Rep no vale de Vipava. Este é um vinho emblemático desta adega que recuperou a casta Zelèn, nativa daquele vale, que quase tinha desaparecido. Um vinho branco, aromático e elegante. 

Estava um dia muito quente, optei por entradas frias. 

 

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Thinly sliced english roast beef with herbs - sunflower seeds coated with tomato powder, sourdough bread from Pekarna Ana 

 

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Chilled green summer soup

 

Dois pratos muito bons. O prato de rosbife, é também um dos pratos da carta do jantar, e é um tributo ao original Hisa Franko, um restaurante popular onde Franko Kramar o  servia. O pão que o acompanhava era de uma padaria de Ana Roš no centro de Ljubljana. A sopa fria, muito saborosa, disseram-nos que com todas as ervas que havia no mercado, e com pequenos cubos de melão.

O prato seguinte era inspirado num prato tradicional da região de Friuli Venezia Giulia no nordeste de Itália, o Toc' in Braide - uma polenta com um molho de queijo. Um prato muitíssimo saboroso e com uma variedade de texturas. Delicioso! 

 

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Toc' in braide, green beans

 

Para terminar, uma tarte de ruibarbo com morangos. Uma massa que se desfazia, um recheio com um bom equilíbrio entre o doce e o ácido. 

 

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Fuit tart

 

Uma excelente refeição. A mais barata das que comi na descoberta da cozinha contemporânea Eslovena, e aquela de que mais gostei. Uma cozinha muito madura e séria, um grande domínio das técnicas, que resulta em pratos muito saborosos e elegantes. Pena só ter podido ir no último dia, senão tinha certamente voltado para um jantar. 

 

 

31
Jul25

À Descoberta da Cozinha Eslovena Contemporânea

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Não tenho nada contra atum com molho ponzu, ou com dashi, no caso até estavam bons. Mas confesso que quando os serviram pensei: "Por favor! Isto não!".

Estava na Eslovénia, em Ljubljana, tinha ido a uma reunião e, com colegas de outros países, ou numa das refeições sozinha, aproveitei para conhecer a cozinha Eslovena criativa. Curiosamente (ou nem tanto, ajuda a selecionar os restaurantes), os 4 restaurantes a que fui eram aconselhados pelo Guia Michelin. Todos muito diferentes, em termos de preço, de espaços e ambientes, e de propostas gastronómicas. Um deles destacou-se e merece uma referência em separado. 

O primeiro, o JB Restavracija, abriu em 1992, pelo chef Janez Bratovž, considerado o pai da cozinha eslovena moderna, sendo o seu filho Tomaž Bratovž quem chefia agora a cozinha. Um espaço grande, elegante e clássico, bom serviço. Mas, a nossa mesa era a única ocupada nessa noite. Talvez por isso, talvez pelas características do espaço, talvez até pelo que comi, fiquei com a sensação que era preciso alguma reformulação, tanto do espaço, como da oferta gastronómica.

Foi-nos servido um menu de 7 momentos (Menu Tomaž - 90 €). Um dos primeiros pratos era:

  

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Tuna - Dashi - Sumac - Wasabi 

 

Estava bom. Mas, para ser sincera, eu não queria aquilo! Era muito fora de contexto... Não tinha nada a ver com o local em que estava. 

Felizmente também nos serviram o prato aconselhado no Guia Michelin: "Don’t miss the iconic JB ravioli, the restaurant’s signature dish, filled with pistachio and cheese and served with foie gras and veal jus."

 

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JB Raviol

 

Se comi bem? Comi. Se fiquei encantada? Não. Achei caro, e que havia alguma falta de coerência nos pratos servidos, particularmente relativamente ao prato principal, a que faltava a delicadeza que caracterizava o resto do menu. 

 

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Codfish - Potatoes - Tomatoes

 

Numa outra refeição fui ao Georgie Bistro, do chef Gregor Jelnikar. Um ambiente muito mais descontraído, uma sala cheia, um serviço menos cuidado e eficiente. Havia a possibilidade de pedir à carta ou um menu, que seria seleccionado no dia pelo chefe, com 5, 7 ou 9 pratos. Escolhi o menu de 5 pratos (59 €).

Quando me trouxeram o primeiro prato, pensei "Outra vez não!". Mas, ele ali estava, um atum com molho ponzu. O trigo sarraceno dava-lhe alguma graça e contexto... mas não chegava.

 

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Tuna Fillet - Buckwheat - Cucumber - Ponzu 

 

Quando me trouxeram o segundo prato. Eu até me contorci, do atum, passei ao borrego com... molho ponzu! Como era possível? Num menu de 5 pratos!!! O chefe não estava a acertar... ou tinha que despachar aquilo...

 

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Lamb Tataki - Wild Garlic - Mushroom 

 

Depois de dois pratos quase iguais e completamente fora de contexto, chegou o prato que tinha visto referido como sendo o mais característico do restaurante. Inspirado no prato italiano Cacio e Pepe (spaghetti com queijo e pimenta preta), neste caso o spaghetti é substituído por tiras de nabo que são desidratadas e depois re-hidratadas. A substituir o Pecorino Romano, o queijo usado, o Jamar, tem um sabor intenso e característico, que resulta de ser maturado em grutas cársticas com um ambiente húmido. É produzido no extremo leste da região italiana de Friuli-Venezia Giulia, junto à fronteira com a Eslovénia, uma região em que é falado tanto o esloveno como o italiano. Estava curiosa, sobretudo tinha alguma originalidade, e achei  um prato interessante.

 

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Turnip "Cacio e Pepe"

 

Chegou o prato principal, de veado e acompanhado de um dumpling de beterraba inspirado nos tradicionais dumplings eslovenos. Era interessante e  bom... mas, o aspeto e textura da carne fez-me lembrar os dois primeiros pratos, dois erros de casting, e os três juntos não faziam sentido. Decididamente um menu muito mal construído.

 

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Venison - Beetroot Dumpling - Blackcurrant

 

Quando fiz o pedido, disse que gostava de beber um copo de vinho branco. Já estava a comer e nada de me darem vinho a escolher. Pedi para escolher um vinho. O empregado de mesa respondeu-me com uma pergunta "Não posso ser eu a escolher?", meio incrédula, disse que sim, que podia... Eu até nem percebo nada de vinhos Eslovenos, porque não? Mas não é simpático... podia ter feito o mesmo perguntando se eu gostaria que me aconselhasse um vinho.

A terceira refeição foi no Gostilna na Gradu, no Castelo de Ljubljana. Foi um jantar de grupo, marcado pela organização da reunião, tinha um menu fechado, mas verifiquei que todos os pratos servidos eram pratos da carta. Propostas saborosas e diversificadas e, sobretudo, nada com ponzu ou dashi...

Ficaram-me na memória duas das entradas.

 

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Octopus - Tomato Salsa - Black Olive Powder - Potato Ice cream - Parsley Oil

 

Uma entrada fria interessante, gostei particularmente do gelado de batata, penso que nunca tinha comido e achei muito bom, com um forte e bem distinto sabor a batata. O prato seguinte era muito bonito e saboroso.

 

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Cuttlefish Pasta filled with Smoked Trout - Fennel Cream - Horseradish Foam - Pickled Dill

 

Refeições interessantes, particularmente os pratos mais influenciados pelos produtos e cozinha local. Não sou defensora do km 0, mas esta obsessão com os sabores asiáticos, quase sem nenhuma adaptação dos pratos, não acho uma via particularmente interessante. Nada contra usar técnicas e até ingredientes, mas num contexto mais local ou mais autoral. Eu gosto de  conseguir relacionar o que como com o local em que estou e a sua cultura gastronómica (a não ser que escolha ir a um restaurante de cozinha de outro país...) e, se possível, com as vivências e personalidade de quem cria os pratos. Estes têm que ter história e alma, têm que fazer sentido no contexto em que estão. Atum cru com dashi ou ponzu não fazem de todo sentido naquele contexto...

 

 

16
Jul25

Os sabores límpidos e bem definidos do Turvo

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Estava em casa, a hora do jantar aproximava-se e não estava com muita vontade de sair, e ainda menos de cozinhar. Pior que isso, apetecia-me algo bom. Entretanto, meio entediada, ia fazendo scrolling no telemóvel e nesse processo, frequentemente inútil e uma perda de tempo, surgiu a solução. Um restaurante novo de que ainda não tinha ouvido falar, o Turvo do Vasco Lello, literalmente a três minutos de minha casa. Nem perdi tempo, saí de casa e fui tentar a minha sorte. Tudo marcado... mas havia uma mesa que só estava reservada para daí a uma hora. Comprometia-me a sair? Claro que sim, se nesse espaço de tempo me dessem de comer. E assim foi!

 

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Gamba rosa, brioche tostado

 

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Escorcioneira braseada, molho de gema

 

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Crudo de lírio, batata doce, alcagoitas

 

Gostei muito do que comi, da simpatia com que me receberam e, ainda mais, de ter o Turvo quase à porta de casa. Tinha combinado um jantar para o dia seguinte, e ainda não tínhamos decidido onde ir. Quando saí deixei marcada uma mesa para duas pessoas.

Repetimos a gamba rosa com o brioche tostado, que me tinha sabido maravilhosamente na véspera.

 

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Escolhemos um conjunto de outros pratos e acompanhámos com um vinho branco da Península de Setúbal, o Serra Mãe Sauvignon Blanc 2023.

 

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Croquetes de pato

 

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Berbigão, beurre blanc, cebolinho

 

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Cachaço de porco confitado, guisado de feijão maduro

 

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Pudim d'ovos

 

Gostei tanto quanto tinha gostado na véspera, ou mesmo mais. Combinações nem sempre óbvias, alguns ingredientes menos comuns. Acho que nunca tinha comido um feijão assim, pelo que entendi do que o Vasco Lello me disse, é um feijão maduro, mas que não foi seco. Compra-o no Mercado de Arroios. Falámos dos mercados e em particular do de Arroios que cada vez tem menos bancas. Lembro-me bem dele cheio de vida... mas o mundo mudou, a vida e os gostos também, e a forma como compramos, e o que compramos, não podia passar ao lado desta mudança. 

O espaço que o Turvo ocupa também era de um pequeno restaurante de bairro, talvez uma taberna, mas nunca tinha subido a rua até ali, nunca lá fui durante as já algumas décadas em que ali vivo. Também neste caso, tal como nos do anterior post, os donos se reformaram e não havia quem desse continuidade. O Vasco Lello ficou com o espaço, fez uma pequena intervenção para o tornar mais adequado para o seu projeto. Ao contrário das duas tascas referidas no post anterior, aqui o objetivo não foi dar continuidade em termos da oferta gastronómica, mas sim oferecer uma cozinha  de autor, uma cozinha criativa com base nos nossos produtos e na nossa gastronomia.

Objetivo atingido, boa comida, um ambiente simpático e descontraído e preços razoáveis. Votarei sempre que estiver em Lisboa.

 

A foto do berbigão foi "roubada", porque me esqueci tirar, mas já não sei de onde.

 

Turvo - R. José Acúrcio das Neves 18a, Lisboa

 

 

12
Jul25

Tabernas adaptadas aos tempos atuais - Tasca Zebras e Vida de Tasca

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Um artigo da Visão sobre sobre as Novas Tascas de Lisboa despertou-me o interesse para conhecer algumas delas. Frequento bastante a Taberna os Papagaios, que tenho a sorte de ser muito perto da minha casa, e também a sorte de conhecer bem o Joaquim Saragga Leal, desde os tempos em que ainda não era taberneiro, mas já estava a planear sê-lo e a amadurecer a ideia do que pretendia fazer. Há quem considere que o Joaquim, com a Taberna Sal Grosso, que abriu há cerca de 10 anos em Santa Apolónia, de certa forma iniciou uma nova tendência, a das novas tascas / tabernas.

O mundo muda, a vida e os gostos também, e a forma como comemos, e o que comemos, não podia passar ao lado desta mudança. Para além disso, os clientes são muito diversos. Sendo uma tasca / taberna um estabelecimento que vende comidas e bebidas a preços acessíveis, popular e onde se pode fazer uma refeição ou petiscar enquanto se convive, tem todo o sentido que surjam novas tabernas, adaptadas aos tempos e aos públicos atuais, que não reproduzam, ou sejam uma continuidade, das que existem há algumas décadas. Contudo, estas são importantes, desempenharam / desempenham um papel relevante na nossa cultura gastronómica, mas os donos de muitas começam a reformar-se e a sua continuidade fica por vezes em causa. Isto é frequentemente visto como uma perda, mas o mundo é feito de mudança... e continuarem no mesmo formato e com as mesmas características pode ser inviável, ou não fazer mesmo sentido para quem vai ocupar o espaço em que existiam, ou para os novos potenciais clientes. Assuntos complicados... 

Li que duas delas, em que os donos se reformaram, foram adquiridas por pessoas que as frequentavam e que decidiram dar-lhes continuidade, sem mudar profundamente as características. Tive curiosidade em ir ver como o fizeram.

Fui almoçar à Tasca Zebra, na Calçada do Combro, em que, segundo tinha lido, o objetivo de Márcio Duarte foi conservar a alma da anterior Zebras do Combro, mas adaptando-a aos novos tempos e públicos. As características principais do espaço,  foram mantidas, mas melhoradas. Os azulejos azuis continuam a revestir as paredes, penso que o balcão e as prateleiras são os originais, mas introduziram um espelho no teto que confere uma perceção diferente do espaço, ventoinhas no teto e alguns detalhes da decoração.

 

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Ao entrar, senti-me num espaço familiar, no ambiente de uma tasca, mas mais atual. Acho que estes objetivos foram atingidos.

Quanto ao que se come, a oferta é de cozinha tradicional portuguesa, sendo até a cozinha liderada por uma pessoa da equipa anterior.

 

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(imagem retirada do Instagram da Tasca Zebras)

 

Os preços, um pouco mais altos, já não acessíveis a todos. Mas, sendo muito perto do Chiado, em que o tipo de pessoas que frequenta a zona mudou muito, e há muitos estrangeiros, acredito que uma refeição na Tasca Zebras permite um contacto com componentes importantes da nossa cultura gastronómica. No dia em que fui quase todas as mesas estavam ocupadas, tanto quanto me apercebi nenhuma das pessoas, exceto eu, era portuguesa. Li que os portuguesas a frequentam principalmente ao jantar.

 

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O menu tinha 15 opções de entradas / petiscos, todas muito atraentes. Mas estava com muitas saudades de uns rissóis, ainda por cima de berbigão... Foi impossível resistir!

 

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No pratos principais, há poucas opções de carne (apenas duas), mas quase uma dúzia de peixe e marisco. Optei por um Arroz de Polvo Malandrinho.

 

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Muito saboroso, com muito polvo. Soube-me muito bem!

Senti-me bem na Tasca Zebras, gostei do que comi, e do que vi no menu e que não comi. Acho que fizeram um excelente trabalho mantendo bem o ambiente, e oferecendo uma cozinha tradicional portuguesa de qualidade. Espero que tenha uma vida longa e que eu tenha oportunidade de voltar.

 

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No dia seguinte o almoço foi na Vida de Tasca. Numa zona da cidade com características muito diferentes, um bairro residencial entre a Avenida de Roma e a Avenida dos EUA, onde dificilmente se passa à porta. Ou se vive ou trabalha por ali, ou as pessoas têm que se deslocar para ir ali almoçar ou jantar. No dia em que fui o restaurante estava completamente cheio e, tanto quanto me apercebi, os clientes eram todos (ou quase todos) portugueses. 

O espaço tinha sido ocupado durante quatro décadas pela Casa Alberto, e Leonor Godinho decidiu dar-lhe continuidade sem fazer grandes alterações. Dá a sensação que os anteriores donos saíram e esta equipa entrou. É uma opção, mas senti a falta de uma "lavagem de cara" e de um pouco mais de cuidado com a decoração do espaço.

 

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A oferta é menos ambiciosa, e diria que mais semelhante à de uma tasca com as características que esta tem. Um conjunto de opções bastante mais curto, meia dúzia de carnes e peixes na grelha, quatro pratos fixos, e mais dois pratos do dia que variam. Para entradas, basicamente o couvert habitual nestes espaços, queijo, chouriço assado e alguns salgadinhos. Aqui, tal como na Tasca Zebras, a ideia não é partilhar pequenos pratos, ambas oferecem refeições no formato tradicional. Os preços são bastante em conta na Vida de Tasca, paguei pouco mais de 20 euros, ou seja quase metade do que tinha pago na véspera por um conjunto de pratos com características semelhantes.

Comecei com um Croquete de Carne e para prato pedi uma Açorda de Garoupa.

 

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Gostei bastante da Açorda, muito saborosa, e gostei também que o croquete chegasse com a mostarda. Já não gostei tanto da Baba de Camelo que pedi para sobremesa, que estava demasiado líquida, é preciso melhorar a técnica...

Acredito que mantiveram uma continuidade relativamente ao espaço anterior, embora tenha curiosidade em saber se atraem os clientes que frequentavam a Casa Alberto. Como referi, senti necessidade de alguma intervenção que melhorasse o espaço, embora tenha havido a preocupação de manter as características, esta equipa vive numa época diferente e tem uma cultura diferente, assim como os clientes que ali vi. É, contudo, de realçar o facto de terem mantido preços muito acessíveis.

Dois espaços com características bem distintas. Dois casos em que se pretende manter o espírito das tascas originais, que possivelmente eram já bem diferentes entre si. Em que as opções a tomar refletem as localizações de ambas e o público alvo.   

Curiosamente dois ou três dias depois fui jantar a um outro restaurante que abriu numa tasca de bairro que fechou, também devido aos donos se terem reformado. Na mesa ao lado da minha estava a jantar a Leonor Godinho da Vida de Tasca. Um restaurante com características bem diferentes das destes dois, mas fica para outro dia...

 

Tasca Zebras - Calçada do Combro, 51 - Lisboa

Vida de Tasca - Rua Moniz Barreto, 7 - Lisboa

 

 

01
Jun25

Boubou's - o menu Florescer que encanta com a diversidade de formas, texturas, aromas e sabores

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Fomos ao Boubou's num jantar de domingo, a sala não estava cheia, mas quase, e acho que todas as pessoas, para além de nós, eram estrangeiras.

Tinha estado no Boubou's quase exatamente seis anos antes (apenas três dias de diferença). Tinha a noção de que a cozinha tinha mudado muito, mas não sabia de facto o que a Chef Louise Bourrat estava a fazer.

Ficámos na sala / pátio cheio de plantas, onde tinha jantado seis anos antes. Dias antes tinha sido lançado um novo menu, o Florescer,  e foi por esse que optámos (7 momentos). Um menu que celebra a Primavera, com a renovação e diversidade que a caracteriza, através dos produtos usados e da variedade de cores, formas, aromas e sabores.

Começou por nos chegar um conjunto de três pequenos pratos.

 

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Atum | Kumquat | Sabugueiro

 

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Mexilhão | Açafrão |Limão Fermentado

 

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Couve-flor | Vadouvan |Caviar

 

A filhós de forma, que apela às nossas memórias e tradições, tem sido servida por vários chefs e é sempre interessante ver como é usada em cada caso, com diferentes ingredientes e sabores. Abordagens que refletem sempre as memórias e percurso de vida de quem cria o prato. Aqui com couve-flor temperada com Vadouvan (uma mistura de temperos da cidade indiana de Pondicherry, que esteve sob domínio francês e onde, ainda hoje, se sente a influência desta cultura) e com a complexidade, riqueza de sabores e luxo do caviar. Foi o último destes pratos que comi, comecei pelo atum, mais suave e delicado. No mexilhão, interessante o detalhe de se comer também a (falsa) casca. Um bom começo!

O pão, feito no restaurante, era delicioso e vinha acompanhado de uma manteiga artesanal fumada e flor de Szechuan.

 

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O prato seguinte era lindíssimo, e delicioso, e as flores estavam presentes de várias formas.

 

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Sapateira | Gerânio | Caviar

 

Gostei muito da frescura e delicadeza do prato de espargos, complementado com um molho muito guloso!

 

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Espargos | Kumquat | Sabugueiro

 

Quando chegou a hora do prato de peixe, como nos foi dito, em Portugal tinha que ser bacalhau.  Este chegou acompanhado de um molho pil-pil e de vegetais que não são as suas companhias habituais, mas que lhe davam elegância e frescura.

 

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Bacalhau | Ervilhas | Alho dos Ursos

 

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Borrego | Flor de Courgette | Alface Iceberg

 

Um excelente prato de carne também. Gostei muito da flor de courgette recheada.

Sugeriram-nos que antes das sobremesas comecemos o queijo de cabra com abóbora, não incluído no menu. Quando chegou à mesa surpreendeu-nos, era bem diferente do que esperávamos. Muito bonito! Penso que vinha de menus anteriores, tinha um ar mais outonal do que primaveril, mas integrava-se bem e valeu mesmo a pena experimentar.

 

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Valençay | Abóbora | Mogno Chinês

 

Chegou então a hora das sobremesas.

 

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Ruibarbo | Flor Azul de Mariposa | Algodão Doce

 

Na mesa era regada com o chá de flor azul de mariposa que, em contacto com os outros elemento da sobremesa, e devido à sua acidez, mudava de cor.

 

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A última sobremesa era inspirada o arroz doce que a Mãe, portuguesa, de Louise Bourrat fazia.

 

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Arroz Doce | Yuzu | Jasmim

 

Terminámos a refeição com um chá acompanhado das mignardises, enquanto púnhamos a conversa em dia. É claro que o que comemos também foi um dos assuntos abordados.

 

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Foi um jantar excelente, uma refeição que, tal como a Primavera, também contribuiu para nos renovar, e nos encantar com a riqueza de formas, texturas, aromas e sabores. Para isso também contribuiu o serviço, muito atento, disponível e simpático.

Para mim foi incrível testemunhar a forma como a cozinha de Louise Bourrat evoluiu nos últimos seis anos. Certamente o resultado de muita reflexão, muito trabalho e uma busca muito ativa da forma como vê e exprime a sua cozinha.

 

Depois de ter visitado uma sequência de bons restaurantes, não pude deixar de pensar na excelente forma da cozinha em Lisboa. A variedade de tipos de restaurantes, as diferentes abordagens dentro de cada um deles, que refletem personalidades e percursos de vida diferentes, resultam numa oferta muito diversa, criativa e de excelente qualidade.

 

Boubou's

Rua do Monte Olivete, 32A,  Lisboa

 

 

 

 

28
Mai25

Um sorriso e um pouco mais de cuidado, e tudo me tinha sabido melhor

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Há em Birmingham um restaurante, 670 Grams, que tinha curiosidade em visitar. Tinha ouvido boas referências, e é recomendado pelo Guia Michelin. Como muitos restaurantes aqui, até com estrelas Michelin, tem menus com preços mais acessíveis ao almoço e, de facto, até preferia ir ao almoço. Neste caso, os pratos servido são alguns dos do menu mais extenso do jantar (optei pelo menu com 5 pratos a 50 £). 

Há umas semanas marquei para uma quinta-feira ao almoço. Como acontece em muitos restaurante por aqui, a marcação envolve o pagamento do valor integral do menu. Vinho e outros extras pagam-se depois da refeição.

Marquei, paguei e cinco minutos depois o meu telefone tocou. Era do restaurante. Lamentavam, mas apesar de terem aceite a marcação não era possível receberem-me na quinta feira. Sugeriram que fosse almoçar no sábado. Tinha compromissos que não podia alterar para sábado, disse que era impossível, perguntei se não poderia ser sexta (em que o restaurante também estava aberto ao almoço). Disseram que me conseguiam acomodar na sexta. Desliguei e comentei com a minha filha que achava que eles não tinham mais marcações na quinta e por isso me estavam a mudar para sábado. Assim evitavam lá ir só por mim. Antes de sair para o almoço disse que tinha a sensação que não ia estar mais ninguém no restaurante na sexta também.

Cheguei um pouco antes da hora marcada e andei por ali a passear. O restaurante é numa antiga zona industrial, em que foram construído alguns edifícios novos ao lado de outros recuperados, ou não, alguns com muitos grafittis.

 

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Há  cafés. lojas e  zonas onde organizam feiras e exposições. Fui lá algumas vezes, em geral ao fim de semana, em que há muita gente. Naquele dia havia muito pouca gente e muitas lojas estavam fechadas. A sensação de que ia estar sozinha no restaurante tornou-se ainda mais forte.

Entrei, e a sensação tornou-se realidade. Tudo bem! Não tenho nenhum problema em estar sozinha num restaurante e não era a primeira vez que acontecia. Receberam-me no bar, em que as paredes estavam decoradas com graffitis, como aliás o resto de restaurante, quase tudo em preto e branco.

 

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Pediram-me que subisse para o primeiro andar.  Sentaram-me numa mesa perto do balcão da cozinha. De facto a mesa que é recomendada no Guia Michelin: ask for a spot on the mezzanine level opposite the open kitchen. A foto seguinte mostra o que via da mesa, e atrás do balcão estava o Chef. O chefe de sala entrava e saía de vez em quando pela porta do Ghost Train. Estávamos apenas os três no restaurante.

 

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Como era logo no topo da escada, nem percebi onde era a outra sala que tinha visto em fotos.

 

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Interroguei-me sobre qual a razão que os levaria a abrir à quinta e sexta ao almoço se não tinham clientes. Perguntei-me se valia a pena estarem ali os dois para me darem um almoço de 50 £. Tive a sensação de que estavam contrariados. O chefe de sala simpático, mas parecia em piloto automático, cara nº X, sorriso e conversa repetidos muitas vezes. Pode até ser que me engane, mas foi o que senti. Do outro lado do balcão, o Chef, que não olhava para mim que estava mesmo em frente dele. Era como se estivesse ali sozinho. Fui olhando à volta e questionando-me se aquela era a decoração ideal para um restaurante deste (e eu até gosto destas coisas), se criava um ambiente acolhedor. Tive dúvidas.

A comida foi chegando...

 

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The Brummie Welcome - soup & cake

 

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Wye Valley Aspargus - grapes, wild garlic burnt crust

 

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BBQ Hispi - togarashi, smoked butter, capers

 

e levantando a couve...

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Só faltavam dois pratos e o chef ainda não tinha sequer olhado para a mesa em que eu estava, a menos de dois metro dele, muito menos sorrido. O chefe de sala entrava e saía do comboio fantasma quando era necessário.

 

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Ethical Game Venison - black fig, massaman curry, chai milk bun

 

E de repente... Milagre! O chef põe um sorriso na cara e sai da cozinha com a sobremesa. E até deu dois dedos de conversa!

 

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1926 - Pedro Ximénez, raisins, almonds, Mayan Red

 

Mais do que isso... Pedi um café e ele veio também trazer um pequeno bolo de cenoura.

Mal acabei de beber o café, puseram-me a conta em cima da mesa para pagar quando quisesse. Não era preciso mandarem-me embora assim... Paguei logo!

A perceção que temos do que comemos depende de muita coisa para além do que está no prato. Os pratos eram bonitos e, em geral bons, alguns tinham coisas que podiam ser melhoradas, mas é o normal... Acho que tinha gostado bem mais sem a sensação, talvez infundada, de que era melhor eu não estar ali. E até é compreensível que achassem isso, mas então não aceitem marcações. Fechem ao almoço à quinta e sexta, tivessem-me dito que na sexta também não dava, que me devolviam o que já tinha pago e tinham todo o gosto em me receber noutro dia.

Um ou dois sorrisos durante o almoço, um serviço menos a despachar, não lhes tinha dado mais trabalho. Não sei se noutra situação voltava, talvez não, mas com tudo isto não vou voltar de certeza!

 

02
Mai25

Le Bleu - O Kiko quis fazer o que nunca tinha feito, e fez muito bem em fazê-lo, e o que fez é muito bom!

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Há algum tempo que andava a pensar ir ao Le Bleu - Fish Bar do Kiko Martins. Gosto dos espaços dos restaurantes do Kiko, sempre muito bonitos e em estreita relação com o que o restaurante oferece. Gosto em geral do que como. Como "conheci" o Kiko quando da sua viagem com a Maria pelo mundo, que fui acompanhando sempre através do site que tinham, viagem que de certa forma inspirou os conceitos de alguns restaurantes, compreendo a diversidade e acho-a coerente com o seu percurso de vida. Relativamente ao Le Bleu, tinha visto fotos e lido alguns artigo. Neles o Kiko dizia que no Le Bleu tinha feito tudo diferente do que, como cozinheiro, tinha feito até aí, e que esse tinha sido um processo muito estimulante.

Numa ida recente a Lisboa marquei um almoço. Cheguei a um espaço em Campo de Ourique mais pequeno do que tinha imaginado pelas fotos, mas cheio de luz e muito agradável. Ao olhar para a carta tudo parecia muito atraente e, como gosto de experimentar muitas coisas, até porque tão depressa não ia poder voltar, resolvemos ficar pelas entradas.

Para começar, um cocktail, uma versão modificada do Negroni Bianco, com uma enorme bolha por cima, que quando lhe tocávamos com a boca se desvanecia. Com ele chegou um amuse-bouche com uma base gelada coberta com cavala marinada.

 

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Adoro os couverts dos restaurantes do Kiko, são sempre bons, muito diversificados, únicos e, sobretudo, variam completamente de restaurante para restaurante. Este era brilhante!

 

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Brioche folhado, Gougère de Comté, Torradas de baguete, Manteiga com flor de sal, Dip de Anchovas e Espargos

 

Tudo era ótimo, mas aqueles espargos com o dip de anchovas eram maravilhosos! Mas não dispensava de todo o brioche folhado e os gougères.

Chegou depois uma sequência de entradas, bonitas, irreverentes, divertidas e sobretudo muito saborosas.

 

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"Nigiri" de Lírio e Marshmallow
 
 
Inspirado no nigiri japonês, mas em que o arroz é substituído por uma base, com a textura de um marshmallow, feita com um dashi. Lindo, inesperado e delicioso.

 

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Ostras da Ria Formosa

 

O sabor a mar da ostra, um creme de ostras levemente picante e uma casca comestível.

 

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"Sanduíche" de Barriga de Atum
 
 
Um "pão" que não era pão, mas uma espuma desidratada, com a textura de um suspiro, mas com sabor a algas e mar. Um recheio cremoso de barriga de atum, ovo de codorniz cozido, e alface. Come-se e suspira-se por mais...

 

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Gamba do Algarve com Tapioca Crocante
 
A gamba sobre um dado de tapioca (inspiração brasileira, do país onde o Kiko nasceu e onde viveu os primeiros anos) e coberta com uma divertida espinha crocante.
 

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"Bacalhau à Brás"

 

Mas isto é Bacalhau à Brás? Onde? Não é o clássico, nem era suposto (até estão lá as aspas). É uma homenagem do Kiko a esse prato maravilhoso. Mas este é igualmente maravilhoso, com a batata, o bacalhau, a gema de ovo e a azeitona com texturas e formas diferentes. Aquela gema, cozida a baixa temperatura, cremosa, que surgiu em vários couverts do Kiko é tão boa! (Algumas vezes não resisti a pedir um reforço.) 

Para acabar a sequência de entradas, nada mais apropriado para fazer a transição para as sobremesas...

 

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"Pastel de Nata" de Enguia
 
 
Para o tornar ainda melhor... bastava polvilhá-lo com o pó de alcaparras que o acompanhava.

Pelo meio desta sequência, ainda trouxeram uma nova entrada que estavam a desenvolver para provarmos. Uma pequena bola, que fazia lembrar uma Bola de Berlim, mas em que a parte da massa era relativamente fina, com um recheio de santola (acho...). Aprovado!

 

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Tinha chegado a hora das sobremesas.

 

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Carpaccio de Fruta e Gelado de Iogurte
 
 
Fresca e boa, na mesa ralavam sobre o carpaccio um bloco gelado de iogurte.
 

Mas a que me encheu mesmo as medidas foi a seguinte. Tão inesperada e única. Deliciosa!

 

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Mousse de Crème Fraîche e Granizado de Romã

 

O nome não deixava prever... O véu que cobre a sobremesa é um fino gel de espargos brancos e, misturado com a romã, estão pequenos cubos de espargos brancos. Uma sobremesa que até pode nem ser consensual, mas de que gostei tanto que não a esquecerei.

Ficaram os pratos principais por provar, mas valeu a pena, e este até é um bom motivo para voltar logo que possível. Vi-os passar para outras mesas e despertaram-me o interesse e o apetite.

O Kiko quis fazer o que nunca tinha feito, e fez muito bem em fazê-lo, e o que fez é muito bom! Ele diz que foi estimulante. Foi uma refeição que também me estimulou. Bons produtos, excelentes (não me venham falar do produto...).  Muita criatividade, muito bom domínio das técnicas, resultados com muita qualidade e a preços muito razoáveis. A isto ainda se junta a irreverência e o sentido de humor. Estava a precisar de tudo isto!

Parabéns ao Kiko, parabéns a toda a equipa!

 

Le Bleu - Rua Saraiva de Carvalho, nº 131, Lisboa

 

1ª Foto do Site do Le Bleu

 

 

 

17
Abr25

SÁLA de João Sá e a sua cozinha única que reflete identidade e local

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Há muito que queria voltar ao Sála do João Sá. Fui lá algumas vezes na altura em que abriu, mas estive uns anos sem voltar. Tentei marcar umas vezes, mas com pouca antecedência, e nunca consegui. Finalmente planeei bem as coisas e num sábado recente almocei na primeira mesa que se vê na foto acima.

O mesmo espaço simples, mas acolhedor e elegante, com detalhes que lhe dão personalidade, com a cozinha à vista e a porta diretamente para a rua. Contudo, a comida oferecida mudou muito. Apesar de em visitas anteriores ter gostado bastante, o nível da cozinha do João Sá agora é outro, reflete uma maior maturidade, que justifica a estrela Michelin atribuída ao restaurante há cerca de um ano. Optei pelo menu "À procura de nova texturas" um menu que o João Sá diz traduzir a sua visão de Lisboa, que considera ter uma culinária vibrante resultante da influência das viagens, de que era ponto de partido e chegada, e de quem chegou vindo de outras paragens. Assim, todos os sabores do mundo que confluíram em Lisboa, bem como a ligação de Portugal com o mar, e em particular o Oceano Atlântico, influenciaram este menu.

Ao chegar serviram-me um caldo, inspirado no caldo verde. Se visualmente não era possível relacioná-los, o sabor denunciava a fonte de inspiração. Um sabor conforto que preparava para a aventura que se seguiu.

 

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Caldo verde, Óleo de Algas, Pimentão Fumado

 

Foi então servida uma sequência de pequenos pratos caracterizados por uma apresentação muito cuidada, sabores fortes, texturas variadas e muito bem trabalhadas.

 

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Berbigão na Caruma

 

Gosto muito de berbigão, este tinha um sabor levemente fumado, e o caviar contribuía com uma componente salgada, um reforço do umami, e o seu sabor complexo, que elevavam o berbigão para outro nível.

No início serviram-me um Champagne, mas os pratos seguintes foram acompanhados por vinho branco, o Insula - Arinto dos Açores, 2018.

Trouxeram em seguida uma misteriosa caixa com o logo do restaurante. Lá dentro um pequeno snack, uma muamba de galinha servida entre duas folhas crocantes de pele de galinha desidratada.

 

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Muamba de Galinha

 

A gamba que se seguiu era lindíssima, visualmente e em termos de sabor, sendo servida entre duas placas crocantes, cujo formato lembrava algas, mas com um sabor a pimentão.

 

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Moqueca de Gamba

 

O mar também estava presente no prato seguinte.

 

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Ostra, Caldo de Cebola, Gotas de Cavala

 

Esta sequência de pratos foi interrompida por um momento mais terra a terra e com características bem diferentes. Um corte bem vindo, que preparou os sentidos para poder desfrutar bem da complexidade de todo o resto do menu.

 

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Pão,  Manteiga Caramelizada, Azeite Metáfora de Trás-os-Montes.

 

Seguiram-se dois pratos de marisco deliciosos. Um primeiro refletia influências de sabor de outras paragens, sendo o umami da santola complementado e intensificado com o das ovas. No segundo, o sabor do marisco era complementado com notas doces do caramelo e da castanha.

 

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Santola, Caril Goês, Harissa

 

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Lavagante, Caramelo, Castanha

 

Depois de tanto "mar" chegou a altura da "terra", num prato delicioso de cogumelos. Curiosamente um ingrediente também com alto teor de umami. Em japonês a palavra umami significa delícia. E por muitas e variadas razões estes pratos eram deliciosos.

 

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Fricassé de Cogumelos, Morilles, Trufa Preta 

 

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Cuscos, Coentrada, Bivalves

 

O prato de cuscos é visualmente muito impactante. Tanto que é um dos pratos referidos no texto que surge no Guia Michelin sobre o Sála. Referem-no como sendo um prato tecnicamente simples, mas tremendamente visual e saboroso que os encantou pela sua forma de combinar os cuscos, que ficam completamente verdes, com o mar. A mim também me encantou.

Com os pratos seguintes bebi um vinho do Douro, o Indie Xisto tinto, 2021. Com ele chegou um prato mais arriscado, uma caldeirada de enguias. Gostei muito! O sabor da caldeirada é um sabor muito nosso.

 

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Enguia, Caldeirada, Alho Negro

 

Era possível vir um prato ainda mais delicioso? Ele aí estava, imponente e um luxo!

 

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Robalo, Espargos Verdes, Caviar

 

O último prato salgado era visualmente mais estranho e difícil de identificar. Mas o sabor denunciava-o, era um arroz de polvo com algas.

 

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Polvo, Algas, Arroz

 

Tinha chegado a hora das sobremesas. Na primeira, um gelado com um ingrediente pouco comum, a calabaceira, também conhecida por baobá. Um ingrediente que, tal como outros sabores em pratos anteriores, reflete as origens angolanas do João Sá e as suas memórias de sabores. Acompanhava-o um pequeno recipiente com pedaços da polpa da calabaceira, para nos podermos familiarizar com ela se assim o desejássemos.

 

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Calabaceira | Mangericão |Lima

 

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Tomilho | Azeite | Brioche

 

Com o chá chegaram alguns petit fours, mas o serviço estava a terminar e o João Sá veio à mesa e ficámos a conversar algum tempo. Nem me lembrei da foto. Mas valeu a pena, é que a conversa foi quase tão boa como o almoço.

Impressionante o funcionamento da cozinha mesmo ali ao lado, tudo corre de forma calma e eficiente. Um bom serviço de sala é fundamental para uma boa experiência, e o do Sála foi muito bom e muito simpático.

A cozinha do João Sá evoluiu muito, sente-se uma grande maturidade. Reflete muito as suas memórias de sabores, e as nossas também, e gostei muito disso. A comida é central para a identidade, individual e do grupo, e é interessante pensar no que define as características de uma cozinha de um dado país / cultura. É um assunto complexo! Não é necessariamente a componente visual, nem os ingredientes, embora estes possam também ser importantes. Mas há notas de sabor que funcionam como marcadores, referidas num artigo de Claude Fischer, de que falei num outro post, como "princípios do sabor", e que são complexos olfativos e gustativos típicos de uma determinada culinária. É sobretudo isso que na cozinha do João Sá define a identidade e o local, uma cozinha que só pode estar ali, que é única.  

 

SÁLA - Rua dos Bacalhoeiros, 103 - Lisboa

 

1ª foto do site do restaurante

19
Mar25

Portugália - 100 anos!

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A primeira vez que fui à Portugália, na Almirante Reis, foi com o meu Pai, tinha 10 anos. Cada vez que lá entro olho para a mesa em que nos sentámos dessa vez. Há quase nove anos relembrei essa visita AQUI. Hoje é dia do Pai, e ao lembrar o meu (que acho que teve muita influência no meu gosto pela comida e por comer), lembrei-me que recentemente fui almoçar à Portugália e, ao olhar para a dita mesa, recordei essa primeira visita. Tudo isto me deu vontade de escrever hoje sobre a Portugália.

A Portugália é um restaurante que para mim representa mais do que apenas a comida que serve, é um restaurante que ocasionalmente frequento há muitas décadas, e a que tenho alguma ligação emocional. Recentemente, para comemorar o centenário desta cervejaria, fizeram obras e introduziram algumas mudanças. Sei que as alterações foram muito pensadas, que consultaram pessoas da área da gastronomia e clientes. Que tiveram em conta opiniões sobre o que foi feito na Trindade que, do meu ponto de vista,  teve alguns aspetos menos conseguidos.

Estava curiosa sobre o que aconteceria com a Portugália. Estive lá em Agosto e voltei este mês. As primeiras impressões foram boas. Penso que, sem ser descaracterizado, o espaço ficou mais bonito, mais atual e com mais dignidade.

 

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Das duas vezes muitas mesas ocupadas, o mesmo tipo de clientes, quase todos portugueses, que frequentavam habitualmente este espaço. Caras que vão mudando, mas um serviço de sala que continua eficiente e simpático. Nesta nova fase, continuo a sentir-me na Portugália, "em casa", e (ainda mais) confortável.

O menu mantém todos os pratos que os habituais clientes da Portugália procuram, só notei a falta dos rissóis de camarão. Continua a haver a introdução de novas opções (como acontece há já alguns anos) muito baseadas em pratos tradicionais, e que diversificam opções e atraem outros públicos. Houve mesmo a introdução de uma opção vegetariana (Cogumelos à Brás) e outra vegana (Burguer). O preços são razoáveis.

 

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As minhas escolhas recaem em geral no que está mais relacionado com as minhas memórias das muitas refeições que aqui tive, os croquetes com mostarda, um prato de camarões ou percebes, os bifes, e quase sempre o Pudim Flan a que chamam "o clássico" e que ocupa o primeiro lugar na lista de sobremesas.

A Portugália envelheceu bem. 100 anos é uma bela idade! Que viva por muito mais anos e nos proporcione este ambiente, e esta oferta tão portuguesa (ou lisboeta) e com que tanto nos identificamos.

 

 

 

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