Lisboeta - Sabores, Nostalgia e Conforto

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Londres é uma cidade de que gosto muito e aonde, durante muitos anos, ia frequentemente. No período em que a minha filha mais velha lá estudou ia lá duas a três vezes por ano. Nos últimos tempos, apesar de estar grandes períodos no UK, vou lá muito pouco, e quando isso acontece vou de manhã e regresso ao fim do dia, pois a viagem de comboio é pouco mais de uma hora e os hotéis são muito caros. Mas passar só o dia é diferente de lá estar por um período mais longo, e durante as férias deste ano decidir lá passar três dias. Foi bom, soube-me bem, deu para viver ao meu ritmo e sem grandes planos, e andar um bocado ao sabor do acaso e de decisões de momento, uma coisa de que gostava muito quando lá ia com frequência.
Tinha, contudo, algumas coisas planeadas e uma delas era uma refeição no Lisboeta do Chefe Nuno Mendes onde ainda não tinha ido. Fui a muitos dos outros restaurantes que teve em Londres. Comecei pelo Bacchus em 2007 e 2008, seguiu-se o Viajante em 2010 e 2011, o The Corner Room em 2013 e a Taberna do Mercado em 2015, mas depois disso não aconteceu ir a nenhum dos outros restaurantes de Nuno Mendes, nem em Londres, nem em Portugal.
Tentei marcar online, mas a marcação não correu bem... Não me dava oportunidade de marcar ao almoço, o que eu preferia, e ao jantar só ao balcão, e eu não gosto nada de balcões. Marcar só para uma pessoa tem destas coisas... quando tentava para duas já conseguia mesa. Não marquei! Decidi que tentaria a minha sorte, e num dos dias passei à hora de almoço. Foi fácil... estavam poucas meses ocupadas quando cheguei, mas durante o almoço a sala no 1º andar foi-se compondo, e ao balcão nem havia ninguém.
Soube-me bem chegar e, logo ao perguntar se teriam mesa, a pessoa que me recebeu ter identificado que eu era portuguesa e a conversa ter passado para português. O empregado que me levou à mesa, e acompanhou de forma muito simpática a minha refeição, também era português. Às vezes sabe bem falar português nestas situações... é necessariamente uma interação diferente.
Os quadros, com fotos a preto e branco, que via da minha mesa também me provocaram uma certa nostalgia. Uma esplanada no Terreiro do Paço, um homem à porta de uma tasca com um saco de caracóis, e a Açucena Veloso que conheci no Peixe em Lisboa.
Pedi muitas coisas, tinha vivido bem com menos, mas estava com fome e apetecia-me provar diversos pratos. Gostei da carta de vinhos, exclusivamente com vinhos portugueses, com exceção de alguns champagnes. Acompanhei a refeição com Niepoort X Lisboeta - Amigos, Branco 2020, um vinho criado por Dirk Niepoort em colaboração com Nuno Mendes.
Comecei com uma entrada, leve, deliciosa e como sabor do mar.

White Crab Tartlet with lemon and tagetes
A entrada que se seguiu não considerei ser tão bem conseguida, achei o recheio um pouco pesado e que não deixava transparecer a frescura e sabor característicos do Bulhão Pato.

Empada - ‘bulhão pato’ mushroom and turnip pie
Seguiram-se mais dois pratos.

Mushroom Açorda, sourdough broth and a slow cooked egg

Nuno’s Bacalhau à Brás confit cod, caramelised onions, egg and shoestring fries
Gostei da interpretação do Bacalhau à Brás, um prato muito rico, um dos elementos cremoso, com sabor a ovo, mas o bacalhau confitado em lascas e as batatas muito estaladiças e finas introduziam um bom contraste de texturas. Quanto à Açorda... se me falam numa açorda, imediatamente me remetem para o conforto da sua textura cremosa. Ali o pão estava na forma de uma fatia. Era um prato muito bom e saboroso, delicioso mesmo! Mas tinham-me prometido uma açorda... só esta expectativa fez com que não me enchesse completamente as medidas.
Para terminar, a sobremesa que foi acompanhada com um chá, da Chá Camélia, produzido em Portugal por Nina Gruntkowski e Dirk Niepoort.

Abade de Priscos - pork fat custard with a port caramel
Mais um vez aqui as expetativas... as texturas... criaram um momento de estranheza. Um Abade de Priscos para mim vive muito daquela textura de um gel muito rico e denso, de o sentir na boca, o esmagar com a língua contra o céu da boca e, de vez em quando, de o fazer passar por entre os dentes. Aqui o pudim era batido, era um creme. Primeiro estranhei, depois abstraí-me da ideia de que era um Abade de Priscos e desfrutei de uma sobremesa muito rica e saborosa.
Mas este assunto das texturas fez-me pensar... pensar sobretudo no que nos marca em cada prato. Isso pode ser diferente de uma pessoa para outra. Fez-me pensar que nestas situações, que envolvem interpretações por quem cria o prato, por vezes temos que nos abstrair do que nos marca no prato original. Não estamos ali para o comer, mas para conhecer e desfrutar do trabalho e criatividade de um chefe que foi inspirado por esse prato. É importante, e bom, conseguir fazê-lo, introduz uma nova dimensão, uma nova componente na apreciação e interpretação do prato.
Por tudo o que descrevi, gostei muito do almoço, não só pelo que comi, mas também porque teve componentes de nostalgia e conforto muito boas. Infelizmente é uma experiência que não vou poder repetir, pois uns dias depois Nuno Mendes informou que o restaurante em Londres vai fechar. Quem sabe reencontrarei a cozinha de Nuno Mendes agora em Portugal. Mas a cozinha portuguesa vai continuar presente no mesmo espaço que o Lisboeta ocupou, desta vez pelas mão do Chefe Leandro Carreira que ali vai abrir o Luso. Já em tempos visitei um dos seus projetos em Londres e será certamente uma opção para uma refeição numa próxima visita a esta cidade.






































































































