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Assins & Assados

Assins & Assados

28
Mai25

Um sorriso e um pouco mais de cuidado, e tudo me tinha sabido melhor

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Há em Birmingham um restaurante, 670 Grams, que tinha curiosidade em visitar. Tinha ouvido boas referências, e é recomendado pelo Guia Michelin. Como muitos restaurantes aqui, até com estrelas Michelin, tem menus com preços mais acessíveis ao almoço e, de facto, até preferia ir ao almoço. Neste caso, os pratos servido são alguns dos do menu mais extenso do jantar (optei pelo menu com 5 pratos a 50 £). 

Há umas semanas marquei para uma quinta-feira ao almoço. Como acontece em muitos restaurante por aqui, a marcação envolve o pagamento do valor integral do menu. Vinho e outros extras pagam-se depois da refeição.

Marquei, paguei e cinco minutos depois o meu telefone tocou. Era do restaurante. Lamentavam, mas apesar de terem aceite a marcação não era possível receberem-me na quinta feira. Sugeriram que fosse almoçar no sábado. Tinha compromissos que não podia alterar para sábado, disse que era impossível, perguntei se não poderia ser sexta (em que o restaurante também estava aberto ao almoço). Disseram que me conseguiam acomodar na sexta. Desliguei e comentei com a minha filha que achava que eles não tinham mais marcações na quinta e por isso me estavam a mudar para sábado. Assim evitavam lá ir só por mim. Antes de sair para o almoço disse que tinha a sensação que não ia estar mais ninguém no restaurante na sexta também.

Cheguei um pouco antes da hora marcada e andei por ali a passear. O restaurante é numa antiga zona industrial, em que foram construído alguns edifícios novos ao lado de outros recuperados, ou não, alguns com muitos grafittis.

 

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Há  cafés. lojas e  zonas onde organizam feiras e exposições. Fui lá algumas vezes, em geral ao fim de semana, em que há muita gente. Naquele dia havia muito pouca gente e muitas lojas estavam fechadas. A sensação de que ia estar sozinha no restaurante tornou-se ainda mais forte.

Entrei, e a sensação tornou-se realidade. Tudo bem! Não tenho nenhum problema em estar sozinha num restaurante e não era a primeira vez que acontecia. Receberam-me no bar, em que as paredes estavam decoradas com graffitis, como aliás o resto de restaurante, quase tudo em preto e branco.

 

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Pediram-me que subisse para o primeiro andar.  Sentaram-me numa mesa perto do balcão da cozinha. De facto a mesa que é recomendada no Guia Michelin: ask for a spot on the mezzanine level opposite the open kitchen. A foto seguinte mostra o que via da mesa, e atrás do balcão estava o Chef. O chefe de sala entrava e saía de vez em quando pela porta do Ghost Train. Estávamos apenas os três no restaurante.

 

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Como era logo no topo da escada, nem percebi onde era a outra sala que tinha visto em fotos.

 

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Interroguei-me sobre qual a razão que os levaria a abrir à quinta e sexta ao almoço se não tinham clientes. Perguntei-me se valia a pena estarem ali os dois para me darem um almoço de 50 £. Tive a sensação de que estavam contrariados. O chefe de sala simpático, mas parecia em piloto automático, cara nº X, sorriso e conversa repetidos muitas vezes. Pode até ser que me engane, mas foi o que senti. Do outro lado do balcão, o Chef, que não olhava para mim que estava mesmo em frente dele. Era como se estivesse ali sozinho. Fui olhando à volta e questionando-me se aquela era a decoração ideal para um restaurante deste (e eu até gosto destas coisas), se criava um ambiente acolhedor. Tive dúvidas.

A comida foi chegando...

 

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The Brummie Welcome - soup & cake

 

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Wye Valley Aspargus - grapes, wild garlic burnt crust

 

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BBQ Hispi - togarashi, smoked butter, capers

 

e levantando a couve...

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Só faltavam dois pratos e o chef ainda não tinha sequer olhado para a mesa em que eu estava, a menos de dois metro dele, muito menos sorrido. O chefe de sala entrava e saía do comboio fantasma quando era necessário.

 

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Ethical Game Venison - black fig, massaman curry, chai milk bun

 

E de repente... Milagre! O chef põe um sorriso na cara e sai da cozinha com a sobremesa. E até deu dois dedos de conversa!

 

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1926 - Pedro Ximénez, raisins, almonds, Mayan Red

 

Mais do que isso... Pedi um café e ele veio também trazer um pequeno bolo de cenoura.

Mal acabei de beber o café, puseram-me a conta em cima da mesa para pagar quando quisesse. Não era preciso mandarem-me embora assim... Paguei logo!

A perceção que temos do que comemos depende de muita coisa para além do que está no prato. Os pratos eram bonitos e, em geral bons, alguns tinham coisas que podiam ser melhoradas, mas é o normal... Acho que tinha gostado bem mais sem a sensação, talvez infundada, de que era melhor eu não estar ali. E até é compreensível que achassem isso, mas então não aceitem marcações. Fechem ao almoço à quinta e sexta, tivessem-me dito que na sexta também não dava, que me devolviam o que já tinha pago e tinham todo o gosto em me receber noutro dia.

Um ou dois sorrisos durante o almoço, um serviço menos a despachar, não lhes tinha dado mais trabalho. Não sei se noutra situação voltava, talvez não, mas com tudo isto não vou voltar de certeza!

 

22
Mai25

Inacreditável! Mas pouco havia nas prateleiras do supermercado.

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Há dias entrei no supermercado do meu bairro aqui no Reino Unido e foi assim que encontrei as prateleiras dos produtos frescos. Corredores inteiros assim. Nos outros produtos notava-se menos, mas havia muitas faltas também. Dá que pensar... Há muito que tomamos por garantida a disponibilidade de alimentos e ver isto abalou-me um pouco.

Sempre gostei muito de ir a supermercados, mercados, e lojas de comida. Mas hoje a conversa é sobre supermercados. Lembro-me muito bem de nos anos 1960 ir a um dos primeiros supermercados que abriu em Lisboa, era na Avenida dos EUA  junto ao café Luanda. Na altura vivia na Beira Baixa e vinha com os meus Pais de tempos a tempos a Lisboa, lembro-me de no regresso passarmos por ali para comprar algumas coisas impossíveis de obter na pequena vila onde vivíamos. Numa busca sobre os primeiros supermercados em Lisboa, vi que o primeiro, da empresa de Supermercados Modelo, abriu em 1961, o Supermercado Saldanha. Este, de facto, era pouco mais do que uma mercearia um pouco maior e melhorada, mas com o inovador conceito de livre-serviço. Aquele a que me lembro de ir também abriu em 1961, dois dias antes do Natal, com o nome de Supermercado JAL, mas possivelmente seria também dos Supermercados Modelo.

Lembro-me também da primeira vez que entrei num hipermercado, foi em 1986 em Marselha, num Carrefour. Nunca tinha visto tanta variedade num só local, impressionaram-me as mais de 40 caixas registadoras. Em Portugal havia já um  hipermercado, o Continente de Matosinhos que abriu em 1985, mas o primeiro em Lisboa, o Continente  da Amadora, só abriu portas em julho de 1987.

Formas de fazer compras que demoraram tempo a chegar a Portugal. Nos EUA, o primeiro supermercado com livre-serviço abriu em 1916, o Piggly-Wiggly supermarket. O conceito foi copiado por outras empresas e no final dos anos 1930 já eram comuns por todo o país.

Na Europa, e particularmente em Inglaterra, só chegaram depois de II Guerra. A escassez de mão de obra e o racionamento, tinham obrigado a repensar a forma como se faziam compras, e tinham sido feitas algumas experiências em pequena escala. Na origem da abertura do primeiro supermercado esteve o movimento cooperativo, que sempre teve uma posição de vanguarda na forma de modernizar o sistema. O primeiro supermercado abriu em Janeiro de 1948 em Londres, um supermercado Co-op (a mesma cadeia do do meu bairro). Um acontecimento que, como já tinha sido o caso nos EUA, revolucionou a forma de fazer compras. Apesar de algumas reticências iniciais dos consumidores, que achavam confusa a até um pouco assustadora esta forma de comprar, quase sem relacionamento pessoal com os empregado das lojas, acabou por ser bem aceite dado que havia uma maior variedade de produtos expostos, mais baratos e porque permitia compras mais rápidas. Três anos depois da abertura da primeira loja, em 1951, já havia 604 supermercados Co-op inteiramente com livre serviço. Contudo, imediatamente outras empresas seguiram o mesmo caminho, tendo algumas também aberto lojas ainda em 1948, curiosamente as mesmas que hoje existem por todo o lado - Tesco, Marks & Spencer, Sainsbury's, Waitrose, Morrisons e Asda. Tudo foi evoluindo, a arquitetura dos supermercados, a quantidade e o tipo de produtos à venda, e até o tamanho e tipo de lojas, consoante a localização. Estes foram-se adaptando a novas formas de vida, tendo cada cadeia as suas características próprias e o seu público alvo.

Li algures, há muitos anos, que os supermercados ingleses eram os mais evoluídos e os melhores do mundo. Não sei se eram, mas eram muito bons. Se eu em qualquer sítio que visito gosto sempre de entrar em supermercados e mercados, em Inglaterra, onde vinha muitas vezes, não falhava nunca. Ia a vários, de várias cadeias. A maturidade que já tinham atingido relativamente ao que acontecia em Portugal, e a inevitável diferença nos produtos disponíveis, fascinavam-me. Em Portugal também foram evoluindo e neste momento se calhar a diferença já não é assim tanta.

Confesso que o que vi nos supermercados, quando aqui cheguei depois do Brexit e da pandemia, foi um choque. Muitos produtos faltavam e havia menos cuidado na exposição. Muitas prateleiras vazias, cheguei a ver imagens de frutas e vegetais a cobrir prateleiras onde eles deviam estar. Por vezes até tirava fotos. Estas que se seguem foram tiradas em 2023, e era mais ou menos comum encontrar prateleiras assim.

 

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A recuperação foi lenta. As coisas melhoraram, mas nunca voltaram a ser o que eram antes... Muito longe disso!

Agora surgiram outros desafios com que lidar. Este mês houve ciberataques ao Marks & Spencer e Co-op. Visam essencialmente as centrais de compras e distribuição. De um dia para o outro as prateleiras voltaram a ficar completamente vazias.

 

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Tem havido boa comunicação. Como tenho o cartão do supermercado, cerca de duas vezes por semana tenho recebido emails do CEO a atualizar sobre a situação. Uma situação complexa... aconteceu há três semanas e, se bem que já esteja tudo melhor, está ainda longe da normalidade. Que já não era muito normal... 

Há uns meses houve outro ataque a este supermercado. Durante a noite foi roubado, através do telhado, o cobre  usado nos sistemas de refrigeração. Vários dias sem os congeladores e frigoríficos, que tiveram que ser temporariamente substituído por outros provisórios (em menor quantidade).

Uma época cheia desafios complexos... Uma época difícil!

 

 

AQUI informação sobre a evolução dos supermercados no UK

AQUI informação sobre os primeiros supermercados em Portugal

 

08
Abr25

É moda não gostar / desvalorizar o fine dining?

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Tenho reparado nos últimos tempos que, mais frequentemente do que alguma vez me lembro, no que oiço, em programas que vejo, no que leio, se desvaloriza o fine dining. É moda?

 

Não citando fielmente, e não pretendendo ser exaustiva, mas apenas reproduzir de memória o que me ficou, diz-se:

 

- Mas ainda alguém quer fine dining?

- O que os clientes querem é comida conforto, de prato cheio.

- Não se está à vontade naqueles ambientes.

- O prazer perde-se com tanta técnica.

- Quem é que tem tempo para estar três horas à mesa?

- O futuro é comida de partilha, de Mãe, comida de fogo...

- Cozer num saco de plástico não envolve amor.

- A cozinha experimental já foi longe demais.

- Sai-se com fome, uns pratos enormes com quase nada...

 

Ainda me choca mais que muitas destas coisas sejam ditas por chefes ou pessoas com uma ligação estreita à gastronomia. Há uns meses alguém até perguntava se restaurantes de fine dining tinham razão de existir. Absurdo!

 

O fine dining é, e sempre foi, para um nicho de mercado pequeno. Houve um período, em tempo de vacas mais gordas do que aquele em que vivemos, em que mais pessoas tiveram curiosidade e, sobretudo, disponibilidade económica e acesso, e em que muitos restaurantes abriram. Nunca me pareceu sustentável o número e a dimensão dos espaços. Um bom restaurante de fine dining requer um grande investimento, recursos humanos especializados, produtos de qualidade, um bom domínio técnico, e é inevitavelmente caro, tem mesmo que ser. Sempre achei que com o tempo se chegaria a um equilíbrio. Os tempos mudaram e a oferta teve também que se adaptar ao público e às condições de vida atuais. Tinha que acontecer. Parece-me consensual.

 

O que não entendo é a comparação que se faz com outros tipos de cozinha, quase uma ou outra. Nem ouvir dizer, sentindo algum regozijo na voz de quem o diz, que o fine dining acabou.

 

Todos gostamos de comida de prato cheio, todos gostamos de ambientes descontraídos, alguns gostam de ambientes mais formais, de um serviço mais cuidado, outros não... Tudo é válido e não há que escolher entre um ou outro tipo de cozinha, ou de restaurante. Nem há um futuro... há muitos, muitos futuros. Porque há muitas aproximações à cozinha, porque há muitas refeições com muitos propósitos diferentes, porque há chefes e clientes diferentes, com interesses, gostos e expetativas variadas. 

 

Gosto muito de restaurantes de fine-dining, sinto verdadeiramente a falta destas experiências, do rigor e sofisticação do que se come, da cozinha personalizada que nos transmite uma visão particular e única, baseada num percurso de vida de um chefe, do cuidado com que sou tratada... Tem um preço alto, mas tem que se considerar o que nos dão... Só tenho pena de não poder ir mais vezes. Uns meses sem ir e começo a sentir uma certa ansiedade... E gosto muito de ir sozinha, para poder desfrutar de tudo sem distrações, bem focada na experiência de que estou a usufruir. E sim, consigo arranjar três horas, ou quatro ou cinco se necessário... não custam a passar e valem cada minuto.

 

Foto -  Cauliflower - Chive - Gooseberry, Restaurante Land - Birmingham (uma cozinha de autor, não exatamente um restaurante de fine dining)

 

05
Jan25

O viver entre duas vidas e a sensação de "urgência" de comer certas coisas

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Carapaus Frito com Açorda de Ovas - Taberna os Papagaios

 

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Há dias perguntaram-me qual era a casa em que me sentia mais "em casa", se a de Portugal ou a de Inglaterra, onde tenho passado muito tempo nos últimos anos. Sinto-me igualmente "em casa" nas duas, são as duas bem diferentes, mas as duas o meu espaço. Diferentes são também a minha vida em cada uma delas e, eventualmente, até a minha personalidade. Contudo, não me sinto dividida entre estas duas vidas. Quando estou numa, não penso na outra, estou por inteiro em cada uma delas. 

No que diz respeito à minha relação com o que como, acontece o mesmo. Tenho a sorte de ter uma enorme curiosidade gastronómica e quase uma obsessão por preencher a minha "base de dados" gastronómica. É um privilégio esta oportunidade de descobrir e experimentar novas coisas, e até de me apropriar de algumas delas. Claro que não como como os ingleses, que cozinho comida portuguesa, mas muitas da coisas que como aqui também se tornaram comida conforto.

O viver entre estas duas vidas, também me tem permitido interiorizar melhor as diferenças entre as duas culturas gastronómicas e aquilo de que, apesar de não me aperceber no quotidiano, tenho mais saudades.

Ao chegar a Lisboa, há mesmo uma sensação de "urgência" de comer determinadas coisas. Coisas e sabores a que não tenho acesso em Inglaterra. Muito frequentemente tiro fotos do que como, funciona um pouco como diário. Hoje olhei para fotos de refeições em restaurantes em Lisboa nos últimos dois anos, e tentei identificar coisas únicas, coisas que preciso de comer, que são parte integrante da minha vida e personalidade gastronómica em Lisboa. 

O peixe e o marisco... Diz-se que não há peixe como o nosso, e de facto é bem diferente. Não só o peixe, como as  variadíssimas formas de o tratar...

 

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Berbigão na Brasa - Fogo

 

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Filhós de Berbigão à Bulhão Pato - ZunZum

 

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Percebes e Camarão - Cervejaria Portugália

(gosto muito das nossas cervejarias, e a Portugália da Almirante Reis é a minha preferida) 

 

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Caranguejo de Casca Mole com Salada Verde - Pap'Açorda

 

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Tortilha Aberta de Camarão e Cebola - Canalha

 

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Carapaus Alimados - Pap'Açorda

 

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Pica-Pau do Mar - Mãe - Cozinha com Amor

 

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Polvo à Lagareiro - O Frade

 

Os nossos salgadinhos, seja como petisco ou como prato. Por vezes ainda no aeroporto compro um croquete e um rissol para comer assim que chegar a casa.

 

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Empadas de Perdiz - Pica Pau

 

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Croquetes com Arroz de Grelos - Cantinho do Avillez

 

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Rissóis com Xarém de Berbigão - Taberna os Papagaios

 

Incontornáveis são os nossos arrozes, mas sobre eles já escrevi. Ao ver as fotos, contudo, reparei numa outra coisa, a qualidade e diversidade de alguns couverts. É tão bom começar a refeição assim!

 

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Couvert - O Poke

 

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Couvert - Cantinho do Avillez

 

Estas coisas não há em Inglaterra. Há outras boas, mas estas não há mesmo! 

 

 

12
Set24

Soufflé - as expetativas sairam gorada, mas ainda bem!

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Há dias almocei num restaurante cujo nome inclui as palavras "French Bistro", entre as entradas disponíveis havia  um Aged Comté Cheese Soufflé, White Wine & Mustard Sauce. Nem hesitei, é tão raro haver soufflés nos restaurantes! Para além do soufflé ser um dos símbolo da cozinha francesa, e estava ali para isso.

Imaginei que me serviriam um soufflé com um aspeto semelhante ao da foto aqui em cima. Leve, etéreo, saboroso. O que me serviram uns minutos depois não correspondia de todo à imagem acima.

 

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Pensei com os meus botões "é um twice-baked soufflé, podiam ter escrito no menu". Era saboroso, mas faltava-lhe a textura leve característica de um soufflé. Comi com agrado, mas ficou o desejo de comer um soufflé clássico francês.

Também ficaram várias questões na minha cabeça, nomeadamente sobre onde e quando surgiram os soufflés cozinhados duas vezes. Tenho andado à procura, e encontrei muito sobre a história dos soufflés clássicos, absolutamente nada, para além de receitas, sobre os soufflés cozinhados duas vezes. Mais, quase todas as receitas que vejo para este tipo de soufflés têm origem em países anglo-saxónicos, o que me leva a imaginar que será uma criação originária de um desses países.

Até é compreensível que me tenham servido este tipo de soufflé, podiam era ter informado, as expetativas seriam outras. Fazer um bom soufflé requer tempo, mas sobretudo um bom controle deste e da temperatura do forno, há ainda muitos detalhes que podem fazer com que o resultado final não seja o desejável. Um bom soufflé é maravilhoso, quase mágico, mas... a magia pode durar pouco! 5 a 10 minutos depois de sair do forno arrefeceu o suficiente para "ir abaixo" e deixar de ter o aspeto mágico. Foi o que aconteceu com este que me serviram há tempos num jantar. Até vi chegarem os primeiros bem altos a outras mesas, mas quando o meu chegou estava bem triste.

 

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Imagino que o French Bistro onde fui tenha uma cozinha pequena, um número muito limitado de cozinheiros, na sala só estava um empregado de mesa, e tudo isto dificultaria que o soufflé chegasse no seu ponto ótimo...

O nome deste prato corresponde ao particípio passado do verbo "souffler" (soprar). Nas minhas pesquisas, fiquei a saber que a sua origem teve lugar em França, contudo a autoria e a data do primeiro soufflé não é consensual. Há quem a atribua a Vatel, o cozinheiro do rei francês Luís XIV, na segunda metade do século XVII, outros (a maioria) consideram que a primeira receita foi desenvolvida por Vincent la Chapelle, no início do século XVIII. Mais consensual é que 100 anos mais tarde, em meados do século XIX, a técnica para os preparar foi otimizada por Marie-Antoine Carême. Nesta otimização do processo também teve influência a evolução da tecnologia dos fornos. Carême incluiu mesmo no seu livro “Le Pâtissier Royal Parisien”, publicado em 1815, várias páginas sobre a arte de fazer soufflés. Contudo, a primeira receita de soufflés foi publicada um ano antes, em 1814, por Antoine Beauvilliers, considerado responsável pelo primeiro grande restaurante de Paris, no seu livro "L’ Art du Cuisinier". A popularidade dos soufflés cresceu nos restaurantes de alta cozinha na primeira metade do século XX*, tendo posteriormente vindo a decair. O que é um facto, é que não é um prato que se adapte a longas sessões de fotos para serem publicadas nas redes sociais...

Como sobre a origem do soufflés cozinhados duas vezes, não encontrei absolutamente nada, se alguém souber alguma coisa, gostava muito que me dissesse. Recorri até ao meu amigo Hervé This, que estudou o vários fatores responsáveis pela forma como um soufflé cresce para a sua tese de doutoramento. Talvez ele soubesse. Adiantou um pouco mais, mas não me deu as respostas que gostaria de ter. Disse-me que foi um dos assuntos discutidos no 1ª Workshop de Molecular and Physical Gastronomy, em Erice, em 1992, e que o testou nas suas primeiras experiências. Que na altura havia vários chefs a fazer este tipo de soufflés, como por exemplo na Maison du Soufflé em Paris, ou no Mosimann's em Londres. Comentou também algo que já referi, e até pelas fotos se vê, que a técnica usada para os soufflés cozinhados duas vezes faz com que o resultado seja diferente do dos soufflés clássicos e se perca muito da delicadeza e da textura do soufflé clássico.

O meu primeiro encontro com os twice baked soufflés foi nos primeiros anos do século XXI, através de receitas em livros e revistas ingleses. Na altura dava regularmente aulas de cozinha na Cozinhomania do Carlos Braz Lopes, e em 2006 dei uma aula de soufflés que se podiam fazer com antecedência, em que fiz 4 soufflés. Repeti esse curso mais umas duas vezes. Na altura fazia-os bastante em casa. Não só os fazia com antecedência, como até os congelava depois da primeira cozedura, e quando queria deixava descongelar e depois cozinhava-os pela segunda vez. Aqui ficam duas das receitas que fazia.

 

Soufflés de Roquefort


Para 6 pessoas


100 g + 50 g de queijo Roquefort
250 ml de leite
2 rodelas de cebola
1 folha de louro
Noz moscada
40 g de manteiga
40 g de farinha
4 ovos
150 ml de natas
Sal e pimenta


1 - Ponha num tacho o leite, a cebola e o louro e tempere de noz moscada e pimenta moídas na altura. Leve ao lume até levantar fervura. Deixe em repouso mais uns minutos e depois passe por um passador.
2- Num tacho derreta a manteiga, junte a farinha e mexa bem até ficar uma pasta. Deixe cozer durante 1 ou 2 minutos, mexendo, mas sem deixar corar. Regue, aos poucos, com o leite mexendo sempre. Obtém um creme espesso. Tempere com sal e deixe cozer, mexendo sempre, durante uns 2 minutos.
3 - Retire o tacho do lume, deixe arrefecer levemente e, mexendo sempre, junte as gemas uma a uma. Junte então 100 g do queijo Roquefort em pedaços e mexa até que este esteja derretido e bem misturado com o creme.
4 - Bata as claras em castelo, Junte uma colher ao preparado do queijo e misture bem. Deite esta mistura sobre as restantes claras em castelo e envolva bem.
5 - Divida a mistura em tigelas individuais previamente untadas, ponha-as dentro de um tabuleiro e encha este com água a ferver até uma altura de cerca de 1 cm. Leve ao forno a 180º cerca de 20 minutos.
6 - Retire o tabuleiro do forno, retire as tigelas de dentro de água e deixe arrefecer. Quando estão quase frias, desenforme. Nesta altura se quiser tape-as com filme e guarde no frigorífico 1 ou 2 dias.
7 - Quando quiser servir. Ponha os soufflés num tabuleiro untado e ponha sobre eles um cubinho de queijo Roquefort. Leve ao forno a 180º, numa prateleira acima do meio do forno. Deixe cozinhar cerca de 30 minutos.
8 -  2 ou 3 minutos antes de terminar, deite uma colher de sopa de natas sobre cada soufflé. Sirva os soufflés imediatamente.

 

Soufflés de Espinafres


300 g de folhas espinafre limpas
75 g de manteiga
1 cebola, picada
40 g de farinha
375 ml de leite
5 gemas
6 claras
400 ml de natas (2 pacotes)
50 g de queijo Parmesão ou Gruyére, ralado
Sal, pimenta e noz-moscada


1—Ponha os espinafres, molhados, num tacho, tape e leve a lume médio cerca de 5 minutos. A meio mexa e no final os espinafres devem ficar com ar de cozidos. Deixe escorrer e arrefecer. Aperte bem com as mão para largarem toda a água possível e depois pique-os.
2—Derreta 1 colher de sopa de manteiga numa frigideira e frite nela a cebola em lume médio, mas sem deixar corar. Junte os espinafres picados, tempere de sal e pimenta e continue a mexer sobre o lume mais 2 ou 3 minutos. Deve ficar bem seco.
3—Com a manteiga restante, a farinha e o leite faça um molho béchamel. Para tal, derreta a manteiga em lume brando, junte a farinha e mexa bem até que se forme espuma à superfície, mas sem deixar corar. Regue, de uma só vez, com o leite frio e mexa bem. Deixe levantar fervura e ferver cerca de 2 minutos em lume brando, mexendo sempre. A meio da cozedura tempere de sal, pimenta e noz moscada.
4—Ponha numa tigela à parte cerca de 1/3 do molho e cubra com um pouco de natas para impedir que se forme um película à superfície quando arrefecer.
5– Deite os espinafres no molho restante, aqueça até ficar bem quente e rectifique os temperos. Fora do lume, junte as gemas uma a uma mexendo bem.
6— Bata as claras em castelo. Junte cerca de 1/4 à mistura dos espinafres ainda quente e mexa bem. Deite sobre o resto das claras e envolva até ficar homogéneo.
7—Encha a formas (individuais) bem untadas com a mistura Ponha-as num tabuleiro com cerca de 1 cm de água a ferver e leve ao forno previamente aquecido a 180º durante cerca de 20 minutos. Os soufflés devem crescer e ficar
levemente dourados. Quando arrefecerem desenforme (não se preocupe por irem abaixo). Pode guardá-los de um dia para o outro.
8 - Na altura de servir, ponha os soufflés num prato de ir ao forno. Misture as natas com o molho béchamel que reservou e leve ao lume até levantar fervura e retifique temperos. Deite o molho sobre os soufflés. Polvilhe com o queijo parmesão. Leve ao lume a 180º cerca de 15 minutos, até incharem de novo e corarem. Sirva imediatamente.

 

As minhas expetativas relativamente ao soufflé saíram goradas, mas ainda bem pois tal deu-me muito em que pensar. Mais do que isso, escrever este post deu-me uma tal vontade de comer um soufflé, que fui fazer um soufflé de peixe para o almoço.

 

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* Pelos vistos estas espumas não causaram tanta polémica como as que surgiram cerca de 50 anos depois... Até parecia que espumas eram uma coisa inexistente na cozinha...

 

1ª foto DAQUI

 

 

 

 

15
Abr24

Que cada um coma e beba o que quiser! E que isso não seja fonte de julgamentos, conflitos e divisões.

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Sentada à mesa, em frente da janela da sala, olhava para o jardim e tomava o pequeno almoço. Estava um dia de sol, as sebes começavam a ficar mais verdes, começavam a aparecer algumas flores. Andava por ali um pequeno esquilo, visita habitual que me faz sempre sorrir. O pequeno almoço estava a saber-me bem. Um bom café e um bom pão, que ia barrando com Summer Truffle da Kinda Co.  Uma boa forma de começar o dia!

Mas, a certa altura, enquanto saboreava com prazer o que ia comendo, e observava com agrado a bonita barra do Summer Truffle salpicada de flores secas comestíveis, dei comigo a pensar nas reações fortes que aquele pequeno almoço causaria a muita gente...

A maior "heresia" era aquela barra que tinha à minha frente, uma alternativa a queijo. Tendo na família pessoas veganas, frequentemente compro produtos alternativos a queijo que possam comer. Há um ou outro dos que encontro nos supermercados que são razoáveis, mas da maior parte não gosto. Vamos experimentando alguns artesanais e gostamos muito de quase todos os da Kinda Co. Por vezes ponho-os na mesa em situações em que estão outras pessoas, não familiarizadas com estes produtos, e os comentários variam entre: "É um queijo vegano? Não, não quero provar", "Mas isto nem sabe a queijo.", "Mas porque é que querem imitar?", "Esta textura nem é de queijo.", "Isso é muito processado, deve fazer mal."... Curiosamente há queijos com muitas textura diferentes e com muitos sabores diferente. Não sabe a queijo, pois é óbvio que não, os produtos base são diferentes, neste caso é caju. Mas não é preciso saber a queijo, é uma alternativa ao queijo, um produto que se come em situações idênticas e que substitui o queijo. Se é muito processado? A base é caju moído e fermentado, tem algumas coisas adicionadas, mas nada de estranho. Nada que os distinga de muitos outros alimentos, até queijos, que essas mesmas pessoas comem. E porque é que imitam? Uma questão que surge sempre. Mas a essa já dediquei um post!

 

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No caso desta barra, a "heresia" ainda é maior - culpa do óleo de trufa que surge nos ingredientes. Nunca entendi as reações fortes (frequentemente de chefes e gastrónomos) ao óleo de trufa. Porque não ao aroma a baunilha, a morango, a laranja ou a outros produtos muito mais comummente usados? Estes estão muito mais presentes no que comemos diariamente. Devo dizer que já várias vezes googlei para tentar entender a razão para o dito horror ao óleo de trufa*. Parte do que li aplicar-se-ia a qualquer aroma das centenas usadas no que comemos e bebemos - falso, unidimenional, desonesto, são usados químicos... Tudo é formado por átomos e moléculas, tudo é formado por composto químicos. O aroma natural de um morango, do café, da baunilha, ou de qualquer outra coisa é o resultado de compostos químicos voláteis que existem nesses produtos. Mas cada aroma é o resultado de muita dezenas ou centenas de compostos, que existem em pequeníssimas quantidades e em proporções muito variáveis. Quando se cria um aroma sintético é impossível misturar todos aqueles compostos nas proporções originais. Usam-se os componentes mais característicos do aroma que se pretende reproduzir, deixa-se de fora a maior parte dos compostos, que existem em quantidades diminutas, mas que arredondam o aroma, o tornam mais complexo e mais sofisticado. Fica um aroma com muito menos dimensões. É inevitável!  Quanto aos produtos químicos usados, muitas vezes são os mesmos que são criados pela natureza, mas sintetizados em laboratórios. Mas se estiverem com o grau de pureza exigido (e devem estar) são iguais aos naturais. Se é falso, ou desonesto? Não será se ficar claro que é um aroma, e não o produto propriamente dito. 

Depois há umas justificações de tal forma elitistas que até chocam:

- O óleo de trufa altera a compreensão do sabor da trufa real.

- O problema é que se o paladar se habitua ao óleo de trufa, não se vai depois conseguir apreciar a trufa verdadeira, pode não se reconhecer o verdadeiro sabor e  pode-se pensar que as trufas são defeituosas.

- Adicionar óleo de trufa a algo não dá o mesmo gosto de trufas laminadas.

É verdade que o óleo de trufa, não é trufa. Não é mesmo! Quem já comeu sabe isso. É verdade que não substitui uma trufa. Mas é igualmente verdade que um aroma a morango não é morango, e que não substitui uns morangos. É verdade que um cubo de caldo de galinha, não dá um caldo idêntico a um caldo de galinha a sério. Mas há consumidores e ocasiões para tudo.

É também verdade que a trufas, são raras e caras. A maior parte da pessoas não comerá nunca trufas durante a sua vida. Ponho as mãos no fogo que mais de 90% das pessoas que conheço nunca provaram trufas (e a percentagem pode ser bem mais alta). Qual é o problema de comerem alguma coisa com óleo de trufa se gostarem? Eu gosto do Summer Truffle da Kinda Co. Não correm o risco de no futuro não saberem apreciar uma trufa, pois existem grandes probabilidades de nunca na vida se cruzarem com uma trufa.

Acho que as "heresias" do meu pequeno almoço se ficavam por aqui, mas as polémicas não. Porquê comer um pão que custa 5 euros se com poucas dezenas de cêntimos comprava pão? Há dias esta questão, era mesmo tema de um artigo no The Guardian - Britain' bitter bread battle: what a £5 sourdough loaf tells us about health wealth and class. Para mim a razão é porque gosto mais, me sabe bem. Opções! E nem é um gasto astronómico, um pão destes dá-me  para 4 dias. 

Quanto ao café... de vez em quando oiço alguns comentários ao preço exagerado dos café de especialidade que bebo. Não gosto dos outros. Gosto de ir descobrindo vários cafés com característica próprias, gosto do ritual de os fazer na V60. São caros, é verdade, mas uma caneca de café fica por mais ou menos (depende do café) 1 euro. E ninguém critica alguém, por beber uma bica...

Dá que pensar que o que comemos e bebemos, muitas vezes coisas simples e básicas, se torne fonte de divisão, conflito e julgamento. Que cada um coma e beba o que quiser!

 

*Alguns exemplos:

Why truffle oil stinks

Truffle Oil Is An Abomination And Should Be Avoided At All Costs. Here's Why.

11
Abr24

Depois de ler "Takeaway: Stories from a Childhood Behind the Counter", ir a um takeaway chinês nunca mais é o mesmo

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Passei todo o dia em casa, porque tinha que estar, e porque estava a chover. Passei o dia todo sentada. Não me apetecia fazer jantar, não tinha quase nada em casa e precisava de andar. Resolvi ir ao takeaway de comida chinesa onde vou de tempos a tempos buscar comida. Cheguei e, como bem se vê na foto, estava fechado: dia de folga.

Enquanto caminhava, pensei no tempo em que ir a um takeaway chinês significava apenas ir buscar comida. Uma comida frequentemente saborosa, em doses generosas e com um preço acessível. Não tinha outro significado.

 

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Desde que li o livro Takeaway: Stories from a Childhood Behind the Counterde Angela Hui, ir a um takeaway chinês passou a ter outros significados. Angela Hui é uma jornalista freelance que vive em Londres e que escreve sobre a interseção entre comida e cultura. Contudo, cresceu numa pequena localidade no País de Gales, onde os seus Pais, imigrantes que vieram de Hong Kong, tiveram durante 30 anos um takeaway de comida chinesa. Angela Hui cresceu nesse ambiente e trabalhou no takeaway da família. É um livro autobiográfico onde, para além da forma de funcionamento e do dia a dia desse espaço, Angela Hui conta várias histórias em que fala do que é ser imigrante e da sensação de não pertença a nenhum dos países, das relações familiares por vezes difíceis e tensas, de bilinguismo e das dificuldades de comunicação com o Pais que nunca dominaram completamente o inglês. Mas também fala de racismo, da sua identidade e da sua herança cultural, a que ela tenta escapar, mas que acaba por aceitar. Fala das suas tradições gastronómicas e dos rituais associados. Na sua família, e na sua cultura, a comida desempenha um papel central e por vezes é mesmo a única forma usada para expressar emoções, Angela Hui inclui mesmo no livro algumas receitas dos pratos com mais significado para ela. 

 

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Um livro acerca de comida, cultura alimentar, mas também identidade, família e dinâmica familiares, relações sociais... um livro com passagens divertidas, outras tensas e duras, e outras ainda que nos fazem sorrir com carinho. A verdade é que depois de ler o livro, entrar num takeaway chinês nunca mais é o mesmo. As inúmeras novas facetas que associamos, fazem com que olhemos estes pequenos espaços, tão comuns no Reino Unido, de forma muito diferente. Com que lhes associemos uma componente humana e muitas outras camadas de significados, que nos obrigam a refletir, mas também a sentir e saborear aquela comida de uma forma diferente.

Curiosamente, num mundo cada vez mais globalizado, noto que, apesar do que se diz, os hábitos alimentares característicos de cada país e cultura ainda têm um peso muito grande. Isso reflete-se na forma como os imigrantes adaptam e vendem comida no países que os acolhem. No Reino Unido estes takeaways, todos muito semelhantes, existem por todo o lado, e abrem em geral só a partir do fim da tarde. Em França existem os traiteurs asiatiques, um modelo completamente diferente. Em Portugal nenhum dos dois, a presença é sobretudo de restaurantes. Toda esta adaptação é muito interessante!

Para terminar, aqui fica um artigo da Angela Hui para o The Guardian, que dá uma ideia do que é o livro - Scalding oil, racist prank calls and endless "lid duty": growing up in a Chinese restaurant.

 

 

24
Abr23

É um coelho? É um pato? É o The Chocolate Dabbit!

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Um pato? Um coelho? Ambos? Esta imagem ambígua surgiu pela primeira vez na revista de humor alemã Fliegende Blatter, publicada em Munique em Outubro de 1892.  Foi uma das imagens usadas pelo psicólogo americano Joseph Jastrtow, em 1899,  para mostrar que a perceção não é apenas um produto do estímulo, mas também da atividade mental, ou seja, que vemos tanto com a mente como com os olhos.  Aparentemente, Jastrow relacionou a rapidez com que uma pessoa muda a sua percepção do desenho e alterna entre os dois animais, com a rapidez de funcionamento do seu cérebro e a sua criatividade.

Sendo uma imagem ambígua, a perceção depende das expetativas, da experiência de vida e da forma como a atenção está focada no momento. Outros estudos demonstraram que consoante a época do ano as pessoas percecionavam a imagem de uma forma diferente, na Páscoa predominantemente como um coelho, em outubro como um pato. 

Um chocolate com esta imagem  - The Chocolate Dabbit - foi desenvolvido por Heston Blumenthal para a cadeia de supermercados Waitrose.

 

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Chocolate negro recheado com chocolate branco com açúcar caramelizado e sal.

 

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Vi o The Chocolate Dabbit e achei de imediato que reflectia a abordagem de Heston Blumenthal à cozinha, em que expetativas e memórias são muito conscientemente usadas para modelar a experiência pessoal de cada um, e um prato é sempre muito mais do que o estímulo físico. Estava também relacionado com o conceito de Gastronomia Quântica criado e difundido por Blumenthal, que o define como a prática ou arte de escolher, cozinhar e comer com uma perspectiva quântica (uma coisa pode existir no mínimo em dois estados diferentes ao mesmo tempo). Ou seja, basicamente significa que tudo pode ser visto de um número infinito de maneiras e o que experimentamos é determinado pela perspectiva que escolhemos, pelo momento que vivemos...  Além disto, uma forma cuja perceção é associada à criatividade, tem também tudo a ver com o trabalho do Heston Blumenthal.

Comprei-o porque assim que vi o The Chocolate Dabbit fiz todas estas associações, porque queria prová-lo, e também por ser o último produto criado por Heston Blumenthal e a sua equipa para a Waitrose. Uma longa parceria que durou 12 anos e terminou com este produto. Uma das razões apontada por alguns foi a imprevisibilidade de Blumenthal, ao que ele reagiu dizendo "Unpredictable to me is a Nonlinear Process that turns to Creativity".

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Habituei-me nos últimos 12 anos a sempre que ia a um supermercado Waitrose trazer um dos produtos criados por Heston Blumenthal. Eram bons e aquelas embalagens eram irresistíveis!  Um hábito que terminou com o The Chocolate Dabbit, um produto cheio de significado.

 

 

06
Abr23

O poder das nossas escolhas

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Encontrei esta senhora no fim de semana passado no M Shed em Bristol, o museu sobre a história da cidade e de pessoas que lá vivem ou viveram. Mary Anne Galton, estava lá devido ao seu papel na luta contra a escravatura. Quando tinha cerca de 12 anos, depois de saber que a produção de açúcar envolvia trabalho de escravos, deixou de o comer. Esta escolha, que envolvia sacrifício pessoal e que foi razão para a ridicularizarem e insultarem, foi uma forma de afirmar os seus princípios e de protestar contra o comércio de escravos. Quando foi viver para Bristol, em 1829, filiou-se na Clifton Female Anti-Slavery Society e convenceu muitas outras pessoas a protestarem da mesma forma e, em 1833, quando da abolição da escravatura, havia mais de 300 mil pessoas que tinham deixado de comer açúcar.

A minha filha mais nova estava a explicar isto o meu neto e disse-lhe: "Estás a ver, com a nossa carteira e a forma como gastamos o nosso dinheiro podemos protestar e mudar a coisas. É por essa razão que não compro nada que não seja vegano."

Hoje estava a dar uma vista de olhos a outros blogs e ao ler o post de Pedro Correia, Trocar o Real pelo Digital, no Delito de Opinião lembrei-me desta conversa, mas também de como tenho sentido cada vez mais a necessidade de comprar no comércio local, de evitar o online, sobretudo das grandes plataformas (para pequenas empresas pode ser a única forma de sobreviverem). Mas o comodismo por vezes troca-me as voltas... Contudo, no bairro onde vivo muitas das lojas lembram-me isso diariamente com letreiros que dizem qualquer coisa como Shop Local - Use it or Lose it! . E tenho visto perderem-se muitas...

Lembrei-me também de que há cerca de um ano, encomendámos o jantar. Fomos seguindo o percurso do estafeta que o ia entregar, ouvimo-lo chegar... e depois de ouvir um ruído junto à porta, ouvimo-lo partir sem bater. Ao abrir a porta, deparámo-nos com o nosso suposto jantar:

 

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É verdade que com um telefonema a expor a situação minutos depois o pagamento tinha sido reposto na conta, mas também é verdade que nunca mais pedi comida para ser entregue. Já antes me sentia desconfortável com as altas taxas cobradas aos restaurantes pelas grandes plataforma e com a situação precária de quem entrega. Esta foi a gota de água. Algo correu mal, a comida possivelmente foi mal acondicionada ou mal arrumada para a viagem, o saco de papel ficou molhado e tudo caiu no chão. Inútil seria criticar a falta de brio do estafeta. Os problemas são outros, bastante mais complexos...

 

 

 

28
Fev23

Matando saudades dos nossos arrozes

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Estando longe, por vezes,  apercebemo-nos melhor das características da comida que nos causa conforto, do que faz parte das nossas memórias de sabores. Não estando as coisas tão disponíveis acabamos por sentir mais a falta e o que representam para nós.

Ao passar alguns períodos, mais ou menos longos, fora quando chego há coisas que me apetece imenso comer. Da última vez que regressei a Lisboa ia "desesperada" para comer arroz de cabidela. Não me saía da cabeça, dava comigo a ver menus de restaurantes para descobrir onde havia. Não era fácil... mas consegui. Num almoço no Pap' Açorda comi o tão desejado Arroz de Cabidela.

 

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Noutras ocasiões, ao escolher o que comer, tornava-se impossível resistir aos encantos dos arrozes...

 

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Arroz de Pato 

Restaurante O Frade - Mercado da Ribeira

 

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Arroz Cremoso de Tomate com Frutos do Mar

Restaurante BONO

 

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Borrego Assado com Arroz de Forno

Fogo Restaurante

 

Que bem me souberam!

Temos, de facto, uma diversidade de arrozes muito interessante! É mesmo um aspeto distintivo da nossa cozinha.

 

 

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