Um sorriso e um pouco mais de cuidado, e tudo me tinha sabido melhor
Há em Birmingham um restaurante, 670 Grams, que tinha curiosidade em visitar. Tinha ouvido boas referências, e é recomendado pelo Guia Michelin. Como muitos restaurantes aqui, até com estrelas Michelin, tem menus com preços mais acessíveis ao almoço e, de facto, até preferia ir ao almoço. Neste caso, os pratos servido são alguns dos do menu mais extenso do jantar (optei pelo menu com 5 pratos a 50 £).
Há umas semanas marquei para uma quinta-feira ao almoço. Como acontece em muitos restaurante por aqui, a marcação envolve o pagamento do valor integral do menu. Vinho e outros extras pagam-se depois da refeição.
Marquei, paguei e cinco minutos depois o meu telefone tocou. Era do restaurante. Lamentavam, mas apesar de terem aceite a marcação não era possível receberem-me na quinta feira. Sugeriram que fosse almoçar no sábado. Tinha compromissos que não podia alterar para sábado, disse que era impossível, perguntei se não poderia ser sexta (em que o restaurante também estava aberto ao almoço). Disseram que me conseguiam acomodar na sexta. Desliguei e comentei com a minha filha que achava que eles não tinham mais marcações na quinta e por isso me estavam a mudar para sábado. Assim evitavam lá ir só por mim. Antes de sair para o almoço disse que tinha a sensação que não ia estar mais ninguém no restaurante na sexta também.
Cheguei um pouco antes da hora marcada e andei por ali a passear. O restaurante é numa antiga zona industrial, em que foram construído alguns edifícios novos ao lado de outros recuperados, ou não, alguns com muitos grafittis.
Há cafés. lojas e zonas onde organizam feiras e exposições. Fui lá algumas vezes, em geral ao fim de semana, em que há muita gente. Naquele dia havia muito pouca gente e muitas lojas estavam fechadas. A sensação de que ia estar sozinha no restaurante tornou-se ainda mais forte.
Entrei, e a sensação tornou-se realidade. Tudo bem! Não tenho nenhum problema em estar sozinha num restaurante e não era a primeira vez que acontecia. Receberam-me no bar, em que as paredes estavam decoradas com graffitis, como aliás o resto de restaurante, quase tudo em preto e branco.
Pediram-me que subisse para o primeiro andar. Sentaram-me numa mesa perto do balcão da cozinha. De facto a mesa que é recomendada no Guia Michelin: ask for a spot on the mezzanine level opposite the open kitchen. A foto seguinte mostra o que via da mesa, e atrás do balcão estava o Chef. O chefe de sala entrava e saía de vez em quando pela porta do Ghost Train. Estávamos apenas os três no restaurante.
Como era logo no topo da escada, nem percebi onde era a outra sala que tinha visto em fotos.
Interroguei-me sobre qual a razão que os levaria a abrir à quinta e sexta ao almoço se não tinham clientes. Perguntei-me se valia a pena estarem ali os dois para me darem um almoço de 50 £. Tive a sensação de que estavam contrariados. O chefe de sala simpático, mas parecia em piloto automático, cara nº X, sorriso e conversa repetidos muitas vezes. Pode até ser que me engane, mas foi o que senti. Do outro lado do balcão, o Chef, que não olhava para mim que estava mesmo em frente dele. Era como se estivesse ali sozinho. Fui olhando à volta e questionando-me se aquela era a decoração ideal para um restaurante deste (e eu até gosto destas coisas), se criava um ambiente acolhedor. Tive dúvidas.
A comida foi chegando...
The Brummie Welcome - soup & cake
Wye Valley Aspargus - grapes, wild garlic burnt crust
BBQ Hispi - togarashi, smoked butter, capers
e levantando a couve...
Só faltavam dois pratos e o chef ainda não tinha sequer olhado para a mesa em que eu estava, a menos de dois metro dele, muito menos sorrido. O chefe de sala entrava e saía do comboio fantasma quando era necessário.
Ethical Game Venison - black fig, massaman curry, chai milk bun
E de repente... Milagre! O chef põe um sorriso na cara e sai da cozinha com a sobremesa. E até deu dois dedos de conversa!
1926 - Pedro Ximénez, raisins, almonds, Mayan Red
Mais do que isso... Pedi um café e ele veio também trazer um pequeno bolo de cenoura.
Mal acabei de beber o café, puseram-me a conta em cima da mesa para pagar quando quisesse. Não era preciso mandarem-me embora assim... Paguei logo!
A perceção que temos do que comemos depende de muita coisa para além do que está no prato. Os pratos eram bonitos e, em geral bons, alguns tinham coisas que podiam ser melhoradas, mas é o normal... Acho que tinha gostado bem mais sem a sensação, talvez infundada, de que era melhor eu não estar ali. E até é compreensível que achassem isso, mas então não aceitem marcações. Fechem ao almoço à quinta e sexta, tivessem-me dito que na sexta também não dava, que me devolviam o que já tinha pago e tinham todo o gosto em me receber noutro dia.
Um ou dois sorrisos durante o almoço, um serviço menos a despachar, não lhes tinha dado mais trabalho. Não sei se noutra situação voltava, talvez não, mas com tudo isto não vou voltar de certeza!