Depois de ler "Takeaway: Stories from a Childhood Behind the Counter", ir a um takeaway chinês nunca mais é o mesmo
Passei todo o dia em casa, porque tinha que estar, e porque estava a chover. Passei o dia todo sentada. Não me apetecia fazer jantar, não tinha quase nada em casa e precisava de andar. Resolvi ir ao takeaway de comida chinesa onde vou de tempos a tempos buscar comida. Cheguei e, como bem se vê na foto, estava fechado: dia de folga.
Enquanto caminhava, pensei no tempo em que ir a um takeaway chinês significava apenas ir buscar comida. Uma comida frequentemente saborosa, em doses generosas e com um preço acessível. Não tinha outro significado.
Desde que li o livro Takeaway: Stories from a Childhood Behind the Counter, de Angela Hui, ir a um takeaway chinês passou a ter outros significados. Angela Hui é uma jornalista freelance que vive em Londres e que escreve sobre a interseção entre comida e cultura. Contudo, cresceu numa pequena localidade no País de Gales, onde os seus Pais, imigrantes que vieram de Hong Kong, tiveram durante 30 anos um takeaway de comida chinesa. Angela Hui cresceu nesse ambiente e trabalhou no takeaway da família. É um livro autobiográfico onde, para além da forma de funcionamento e do dia a dia desse espaço, Angela Hui conta várias histórias em que fala do que é ser imigrante e da sensação de não pertença a nenhum dos países, das relações familiares por vezes difíceis e tensas, de bilinguismo e das dificuldades de comunicação com o Pais que nunca dominaram completamente o inglês. Mas também fala de racismo, da sua identidade e da sua herança cultural, a que ela tenta escapar, mas que acaba por aceitar. Fala das suas tradições gastronómicas e dos rituais associados. Na sua família, e na sua cultura, a comida desempenha um papel central e por vezes é mesmo a única forma usada para expressar emoções, Angela Hui inclui mesmo no livro algumas receitas dos pratos com mais significado para ela.
Um livro acerca de comida, cultura alimentar, mas também identidade, família e dinâmica familiares, relações sociais... um livro com passagens divertidas, outras tensas e duras, e outras ainda que nos fazem sorrir com carinho. A verdade é que depois de ler o livro, entrar num takeaway chinês nunca mais é o mesmo. As inúmeras novas facetas que associamos, fazem com que olhemos estes pequenos espaços, tão comuns no Reino Unido, de forma muito diferente. Com que lhes associemos uma componente humana e muitas outras camadas de significados, que nos obrigam a refletir, mas também a sentir e saborear aquela comida de uma forma diferente.
Curiosamente, num mundo cada vez mais globalizado, noto que, apesar do que se diz, os hábitos alimentares característicos de cada país e cultura ainda têm um peso muito grande. Isso reflete-se na forma como os imigrantes adaptam e vendem comida no países que os acolhem. No Reino Unido estes takeaways, todos muito semelhantes, existem por todo o lado, e abrem em geral só a partir do fim da tarde. Em França existem os traiteurs asiatiques, um modelo completamente diferente. Em Portugal nenhum dos dois, a presença é sobretudo de restaurantes. Toda esta adaptação é muito interessante!
Para terminar, aqui fica um artigo da Angela Hui para o The Guardian, que dá uma ideia do que é o livro - Scalding oil, racist prank calls and endless "lid duty": growing up in a Chinese restaurant.