Soufflé - as expetativas sairam gorada, mas ainda bem!
Há dias almocei num restaurante cujo nome inclui as palavras "French Bistro", entre as entradas disponíveis havia um Aged Comté Cheese Soufflé, White Wine & Mustard Sauce. Nem hesitei, é tão raro haver soufflés nos restaurantes! Para além do soufflé ser um dos símbolo da cozinha francesa, e estava ali para isso.
Imaginei que me serviriam um soufflé com um aspeto semelhante ao da foto aqui em cima. Leve, etéreo, saboroso. O que me serviram uns minutos depois não correspondia de todo à imagem acima.
Pensei com os meus botões "é um twice-baked soufflé, podiam ter escrito no menu". Era saboroso, mas faltava-lhe a textura leve característica de um soufflé. Comi com agrado, mas ficou o desejo de comer um soufflé clássico francês.
Também ficaram várias questões na minha cabeça, nomeadamente sobre onde e quando surgiram os soufflés cozinhados duas vezes. Tenho andado à procura, e encontrei muito sobre a história dos soufflés clássicos, absolutamente nada, para além de receitas, sobre os soufflés cozinhados duas vezes. Mais, quase todas as receitas que vejo para este tipo de soufflés têm origem em países anglo-saxónicos, o que me leva a imaginar que será uma criação originária de um desses países.
Até é compreensível que me tenham servido este tipo de soufflé, podiam era ter informado, as expetativas seriam outras. Fazer um bom soufflé requer tempo, mas sobretudo um bom controle deste e da temperatura do forno, há ainda muitos detalhes que podem fazer com que o resultado final não seja o desejável. Um bom soufflé é maravilhoso, quase mágico, mas... a magia pode durar pouco! 5 a 10 minutos depois de sair do forno arrefeceu o suficiente para "ir abaixo" e deixar de ter o aspeto mágico. Foi o que aconteceu com este que me serviram há tempos num jantar. Até vi chegarem os primeiros bem altos a outras mesas, mas quando o meu chegou estava bem triste.
Imagino que o French Bistro onde fui tenha uma cozinha pequena, um número muito limitado de cozinheiros, na sala só estava um empregado de mesa, e tudo isto dificultaria que o soufflé chegasse no seu ponto ótimo...
O nome deste prato corresponde ao particípio passado do verbo "souffler" (soprar). Nas minhas pesquisas, fiquei a saber que a sua origem teve lugar em França, contudo a autoria e a data do primeiro soufflé não é consensual. Há quem a atribua a Vatel, o cozinheiro do rei francês Luís XIV, na segunda metade do século XVII, outros (a maioria) consideram que a primeira receita foi desenvolvida por Vincent la Chapelle, no início do século XVIII. Mais consensual é que 100 anos mais tarde, em meados do século XIX, a técnica para os preparar foi otimizada por Marie-Antoine Carême. Nesta otimização do processo também teve influência a evolução da tecnologia dos fornos. Carême incluiu mesmo no seu livro “Le Pâtissier Royal Parisien”, publicado em 1815, várias páginas sobre a arte de fazer soufflés. Contudo, a primeira receita de soufflés foi publicada um ano antes, em 1814, por Antoine Beauvilliers, considerado responsável pelo primeiro grande restaurante de Paris, no seu livro "L’ Art du Cuisinier". A popularidade dos soufflés cresceu nos restaurantes de alta cozinha na primeira metade do século XX*, tendo posteriormente vindo a decair. O que é um facto, é que não é um prato que se adapte a longas sessões de fotos para serem publicadas nas redes sociais...
Como sobre a origem do soufflés cozinhados duas vezes, não encontrei absolutamente nada, se alguém souber alguma coisa, gostava muito que me dissesse. Recorri até ao meu amigo Hervé This, que estudou o vários fatores responsáveis pela forma como um soufflé cresce para a sua tese de doutoramento. Talvez ele soubesse. Adiantou um pouco mais, mas não me deu as respostas que gostaria de ter. Disse-me que foi um dos assuntos discutidos no 1ª Workshop de Molecular and Physical Gastronomy, em Erice, em 1992, e que o testou nas suas primeiras experiências. Que na altura havia vários chefs a fazer este tipo de soufflés, como por exemplo na Maison du Soufflé em Paris, ou no Mosimann's em Londres. Comentou também algo que já referi, e até pelas fotos se vê, que a técnica usada para os soufflés cozinhados duas vezes faz com que o resultado seja diferente do dos soufflés clássicos e se perca muito da delicadeza e da textura do soufflé clássico.
O meu primeiro encontro com os twice baked soufflés foi nos primeiros anos do século XXI, através de receitas em livros e revistas ingleses. Na altura dava regularmente aulas de cozinha na Cozinhomania do Carlos Braz Lopes, e em 2006 dei uma aula de soufflés que se podiam fazer com antecedência, em que fiz 4 soufflés. Repeti esse curso mais umas duas vezes. Na altura fazia-os bastante em casa. Não só os fazia com antecedência, como até os congelava depois da primeira cozedura, e quando queria deixava descongelar e depois cozinhava-os pela segunda vez. Aqui ficam duas das receitas que fazia.
Soufflés de Roquefort
Para 6 pessoas
100 g + 50 g de queijo Roquefort
250 ml de leite
2 rodelas de cebola
1 folha de louro
Noz moscada
40 g de manteiga
40 g de farinha
4 ovos
150 ml de natas
Sal e pimenta
1 - Ponha num tacho o leite, a cebola e o louro e tempere de noz moscada e pimenta moídas na altura. Leve ao lume até levantar fervura. Deixe em repouso mais uns minutos e depois passe por um passador.
2- Num tacho derreta a manteiga, junte a farinha e mexa bem até ficar uma pasta. Deixe cozer durante 1 ou 2 minutos, mexendo, mas sem deixar corar. Regue, aos poucos, com o leite mexendo sempre. Obtém um creme espesso. Tempere com sal e deixe cozer, mexendo sempre, durante uns 2 minutos.
3 - Retire o tacho do lume, deixe arrefecer levemente e, mexendo sempre, junte as gemas uma a uma. Junte então 100 g do queijo Roquefort em pedaços e mexa até que este esteja derretido e bem misturado com o creme.
4 - Bata as claras em castelo, Junte uma colher ao preparado do queijo e misture bem. Deite esta mistura sobre as restantes claras em castelo e envolva bem.
5 - Divida a mistura em tigelas individuais previamente untadas, ponha-as dentro de um tabuleiro e encha este com água a ferver até uma altura de cerca de 1 cm. Leve ao forno a 180º cerca de 20 minutos.
6 - Retire o tabuleiro do forno, retire as tigelas de dentro de água e deixe arrefecer. Quando estão quase frias, desenforme. Nesta altura se quiser tape-as com filme e guarde no frigorífico 1 ou 2 dias.
7 - Quando quiser servir. Ponha os soufflés num tabuleiro untado e ponha sobre eles um cubinho de queijo Roquefort. Leve ao forno a 180º, numa prateleira acima do meio do forno. Deixe cozinhar cerca de 30 minutos.
8 - 2 ou 3 minutos antes de terminar, deite uma colher de sopa de natas sobre cada soufflé. Sirva os soufflés imediatamente.
Soufflés de Espinafres
300 g de folhas espinafre limpas
75 g de manteiga
1 cebola, picada
40 g de farinha
375 ml de leite
5 gemas
6 claras
400 ml de natas (2 pacotes)
50 g de queijo Parmesão ou Gruyére, ralado
Sal, pimenta e noz-moscada
1—Ponha os espinafres, molhados, num tacho, tape e leve a lume médio cerca de 5 minutos. A meio mexa e no final os espinafres devem ficar com ar de cozidos. Deixe escorrer e arrefecer. Aperte bem com as mão para largarem toda a água possível e depois pique-os.
2—Derreta 1 colher de sopa de manteiga numa frigideira e frite nela a cebola em lume médio, mas sem deixar corar. Junte os espinafres picados, tempere de sal e pimenta e continue a mexer sobre o lume mais 2 ou 3 minutos. Deve ficar bem seco.
3—Com a manteiga restante, a farinha e o leite faça um molho béchamel. Para tal, derreta a manteiga em lume brando, junte a farinha e mexa bem até que se forme espuma à superfície, mas sem deixar corar. Regue, de uma só vez, com o leite frio e mexa bem. Deixe levantar fervura e ferver cerca de 2 minutos em lume brando, mexendo sempre. A meio da cozedura tempere de sal, pimenta e noz moscada.
4—Ponha numa tigela à parte cerca de 1/3 do molho e cubra com um pouco de natas para impedir que se forme um película à superfície quando arrefecer.
5– Deite os espinafres no molho restante, aqueça até ficar bem quente e rectifique os temperos. Fora do lume, junte as gemas uma a uma mexendo bem.
6— Bata as claras em castelo. Junte cerca de 1/4 à mistura dos espinafres ainda quente e mexa bem. Deite sobre o resto das claras e envolva até ficar homogéneo.
7—Encha a formas (individuais) bem untadas com a mistura Ponha-as num tabuleiro com cerca de 1 cm de água a ferver e leve ao forno previamente aquecido a 180º durante cerca de 20 minutos. Os soufflés devem crescer e ficar
levemente dourados. Quando arrefecerem desenforme (não se preocupe por irem abaixo). Pode guardá-los de um dia para o outro.
8 - Na altura de servir, ponha os soufflés num prato de ir ao forno. Misture as natas com o molho béchamel que reservou e leve ao lume até levantar fervura e retifique temperos. Deite o molho sobre os soufflés. Polvilhe com o queijo parmesão. Leve ao lume a 180º cerca de 15 minutos, até incharem de novo e corarem. Sirva imediatamente.
As minhas expetativas relativamente ao soufflé saíram goradas, mas ainda bem pois tal deu-me muito em que pensar. Mais do que isso, escrever este post deu-me uma tal vontade de comer um soufflé, que fui fazer um soufflé de peixe para o almoço.
* Pelos vistos estas espumas não causaram tanta polémica como as que surgiram cerca de 50 anos depois... Até parecia que espumas eram uma coisa inexistente na cozinha...
1ª foto DAQUI