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27
Nov19

Paisagem Gastronómica - outras formas de viver a pastelaria

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Conheci a Ana Raminhos no final de Setembro, num almoço em que ela participou, na altura conversámos sobre o interesse dela em criar e servir pastelaria em contextos diferentes dos habituais (restaurantes, pastelarias, salas de chá...), contextos em que permitissem uma interação mais profunda com os consumidores, e lhe permitissem associar uma componente conceptual. Tenho muita curiosidade relativamente a este tipo de aproximações, e pedi-lhe na altura que me dissesse quando fizesse alguma coisa.

 

Há umas semanas a Ana disse-me que ia participar com o Laboratório Gastronómico: Paisagem Gastronómica, em que colocaria a Pastelaria em Performance, na Trienal de Arquitectura de Lisboa. Descreveu da seguinte forma a sua intervenção:

 

PAISAGEM NATURAL é um laboratório gastronómico que explora as relações que se estabelecem entre a agricultura, a produção alimentar e as cidades. Propõe uma reflexão sobre a paisagem urbana contemporânea e a sua reconexão com a natureza e a biodiversidade, numa experiência sensorial performática que se materializa no acto de comer. Estimula a descoberta de texturas, formas e composições rítmicas através de contrastes gustativos. A imaginação e a criatividade são aqui aplicadas à pastelaria para explorar as relações entre a matéria orgânica, o corpo e o ambiente como partes integrantes de um ecossistema.
À semelhança da arquitectura, a dimensão tanto poética como racional da pastelaria expressam-se através da sua própria construção, incorporando uma forma de beleza natural.

 

Estavam previstas várias sessões de cerca de 1h 30m, e um dia fui participar. Um espaço vazio, onde era evidente a passagem do tempo e algum abandono do espaço. Nele a Ana Raminhos montou algumas superfícies para dispor as suas criações. Ao entrar podíamos movimentar-nos pelo espaço, observar as diversas superfícies.

 

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Assumi-as como finalizadas, mas estava enganada, tudo era mais complexo do que parecia à primeira vista... Silenciosamente a Ana Raminhos foi-se deslocando pela sala e finalizando as suas criações:

 

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Em cada superfície tudo ia adquirindo formas, cores e aromas diferentes. Como ruído de fundo ouvia-se uma sorveteira, os participantes mantinham-se em silêncio. A certa altura a Ana deu-nos a entender que a fase seguinte exigia a nossa intervenção, exigia que participássemos comendo as suas criações.

 

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Começámos, quase a medo, a interagir com o que estava nas várias superfícies. Descobrir e saborear o que a Ana nos oferecia deixou-nos menos intimidados e mais soltos, e as conversas começaram a surgir com a Ana, ou entre nós. Lembrei-me da Festa de Babette e de como as interações foram evoluindo ao longo do jantar.  A Ana falou-nos do conceito subjacente, explicou cada uma das suas criações, fez-nos adivinhar e fez-nos descobrir. 

 

Ao descobrir a beterraba muito presente e o seu sabor terroso e cor forte, o matcha, o seu exotismo, o chocolate, as especiarias e as algas... fui sentindo uma relação com as pessoas que vivem nas cidades, nesta cidade em que vivo, cada vez mais diversas... em que o que antes era estranho, exterior, deixa de o ser e se transforma em parte integrante do quotidiano, tornando-o mais rico.

 

No meio de tudo isto foi muito interessante descobrir o gelado de cevada com molho de beterraba e vinho do Porto. Há dias duas das minha alunas referiam a cevada que bebiam em crianças, em vez do café, e as sensações que essas memórias lhes causavam, lembrei-me disso. Também da cevada, que nunca provei, mas que a minha Mãe por vezes bebia quando eu era criança. Foi interessante descobri-la desta forma, apropriar-me das memórias de outros.

 

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Perto do gelado de cevada estava um placa com a sobremesa das nozes e da beterraba. A Ana referiu que em todas as sessões que fez, nunca alguém tocou nessa. Dá que pensar sobre o que leva a que nos apropriamos das coisas.

 

No final, quando as pessoas começaram a sair, foi interessante observar as várias superfície, ver a "pegada" que tínhamos deixado. Também é assim nas cidades, é assim a vida, é assim viver.

 

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Ah! o ruído da sorveteira manteve-se até ao final. Antes de sairmos a Ana Raminhos convidou-nos a provar o gelado de chocolate com chá preto Lapsang Souchong, com o seu sabor forte e fumado. Uma nova descoberta para muitos, uma nova combinação para todos, e um sabor persistente que nos foi acompanhando algum tempo.

 

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Tantas formas e tão interessantes de viver a pastelaria, a cozinha, os alimentos...

 

 

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