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12
Out19

Não estará a Universidade de Coimbra a desempenhar o seu papel?

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Lembro-me de ter lido há alguns anos que os descendentes de emigrantes perdiam mais rapidamente a língua do país de origem do que o tipo de alimentação. De facto o que comemos está profundamente relacionado com a nossa cultura, experiências e meio social. No entanto, em última análise, o que comemos e a forma como comemos é profundamente pessoal. De tão enraizados que estão os nossos gostos e hábitos, eles servem de conforto quando estamos fora do nosso ambiente, e em épocas de mudança ou de crise. Se sentirmos que são ameaçados, tal é sentido como uma ameaça muito mais profunda do que a relacionada apenas com aquilo que comemos.

 

Sempre achei curioso observar as reações das pessoas relativamente ao que surge de novo, relativamente ao que quase vêem como uma ameaça. Não quer isto dizer que os hábitos não mudem, a reação é relativamente ao que vem de fora, àquilo que as pessoas receiam que lhes vá ser imposto. Lembro-me de em conversas sobre novas técnicas de cozinha, aqui há uns 10 anos, me terem perguntado  "Mas vamos continuar a comer ensopado de borrego?". Acho que as reações fortes a veganos e ao que comem também são de certa forma justificadas por isto (embora possam existir outras componentes). Mas a ameaça que refiro hoje é outra...

 

Recentemente o Reitor da Universidade de Coimbra proibiu o consumo de carne de vaca nas cantinas e bares da Universidade. Tem sido curioso ver as reações e argumentações, em que nunca vi uma discussão séria e profunda do assunto, baseada numa fundamentação sólida, mas que consistem sobretudo em desacreditar,  chegando por vezes até ao insulto. Também nelas se sente a reação a uma ameaça. Uma ameaça bem mais profunda do que a justificada pelo facto de não ser servida carne de vaca nas cantinas da Universidade de Coimbra. Um local onde, curiosamente, as pessoas que reagem desta forma nunca irão comer, e a maioria nunca comeu. Contudo, aqueles que lá comem, os estudantes, compreendem e apoiam a medida.

 

Não sou adepta de proibições, mas mais de informar e educar. Nunca tinha pensado numa medida como esta, e só depois de se ter começado a falar dela me apercebi que já tinha sido tomada noutras Universidades, por exemplo Cambridge e Goldsmiths - University of London. Tenho pensado sobre ela e, neste momento, mais do que uma proibição, vejo-a como uma forma de alertar, sensibilizar e contribuir para alterar hábitos.

 

Nas cantinas das Universidades a presença da carne de vaca não é a mais comum, não vai mudar muito o estilo de alimentação, apenas alguns pratos. Nas cantinas das Universidades, o objetivo é mais manter um preço baixo do que a qualidade. Assim duvido que a carne servida seja de grande qualidade, possivelmente até é carne de produção intensiva, importada de um qualquer outro país (segundo a Balança Alimentar Portuguesa 2012 - 2016 do INE  nesse período importámos 52,7% da carne de bovino consumida). Assim, à pegada da carne de vaca (muito maior do que das outras carnes), junta-se a do transporte e da necessária refrigeração. Não vou discutir se se justifica ou não, não vou discutir se o impacto tem algum efeito para combater as alterações climáticas (os atos de cada um individualmente possivelmente não terão, mas somos muitos milhões neste planeta e os de todos terão...). Mas também não acho que esse seja o aspeto mais importante.

 

Note-se que mesmo antes dessa proibição ter sido implementada, o efeito já foi marcante. Toda a gente falou do assunto. E, seja qual for a forma como se falou, as pessoas ficaram despertas para o problema. Umas tentarão resistir comendo ainda mais carne, fazendo churrascos à porta da Universidade (li algures que tal estava planeado). Outros ficarão sensibilizados para o assunto e começarão a pensar nos seus hábitos alimentares, e procurarão informação para os alterar. E é necessário alterá-los. Pelo clima, pelo planeta, pela nossa saúde. Um artigo recente do jornal Público referia um estudo que concluiu que as crianças portuguesas comem quatro vezes mais proteínas  do que necessitam, e que estas são provenientes em grande parte de carne e de laticínios.

 

Há dias, ao falar deste assunto, alguém me perguntava, interpretando a proibição como uma restrição à liberdade individual, "Então e se algum estudante quiser comer carne de vaca, não pode?". Claro que pode, atravessa a rua e vai à tasca em frente. O mesmo que faz se quiser comer inúmeras outras coisas que não são servidas nas cantinas. Pode também comer outras carnes na cantina, as características nutricionais da sua alimentação não ficam muito alteradas por não comer carne de vaca. A maioria dos portugueses nem a consome muito (segundo a Balança Alimentar Portuguesa o consumo de carne de bovino corresponde a 21,5% da carne consumida, enquanto o porco corresponde a 31,5% e as aves 36,7%).

 

O papel das escolas é sensibilizar e educar, e neste aspeto acho que a Universidade de Coimbra está a desempenhar o seu papel. Esta medida terá certamente um efeito muito maior do que o estritamente relacionado com a carne de vaca consumida nas cantinas. Um efeito ampliado que é fundamental, pelo ambiente e pela nossa saúde, e até pode servir de incentivo a alterações importantes que promovam uma alimentação mais equilibrada, já que cada vez nos desviamos mais do ideal. 

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