Lisbon Food Week, refletindo sobre o que por lá vi
Decorreu há umas semanas a Lisbon Food Week, organizada pelas Edições do Gosto. Antes de tudo o mais, acho que é importante destaca o papel das Edições do Gosto, e em particular do Paulo Amado seu diretor, há mais de duas décadas envolvidos na valorização profissional dos profissionais de cozinha e da gastronomia em geral em Portugal. Um trabalho que envolve ações de continuidade e referência como: o Chefe Cozinheiro do Ano, o Congresso dos Cozinheiros, o Barman do Ano, a Lisbon Cocktail Week e a Lisbon Food Week, bem como as revistas Inter e Comer e a portal online ETASTE.
Estive na 1ª Edição do Congresso dos Cozinheiros em 2002, e tenho estado em quase todas desde então. Um bom reflexo das mudanças ocorridas no meio da gastronomia. E se no início a partilha de técnicas e as sessões de show cooking eram novidade, deixaram de o ser, e em alguns casos são um modelo de certa forma esgotado. Penso que as Edições do Gosto o souberam compreender e têm evoluído de forma a manter ou aumentar o interesse das atividades que organizam. Nos últimos dois anos o Congresso dos Cozinheiros passou a ser integrado num conjunto mais vasto de actividades que promovem a troca de experiências e o debate sobre temas da gastronomia. Há assim hipótese de alimentar o corpo e a mente. E são sobretudo estas sessões onde há um debate de ideias e experiências que mais me interessam.
Este ano estive em duas delas que ocorreram em paralelo ao congresso. Numa como participante, e a assistir a outra delas. Foi bom conversar sobre a nossa doçaria, e em particular o bolo de arroz e o pastel de nata. Foi bom aprender mais com os outros dois participantes no debate e com o público. Foi bom ter que pesquisar mais sobre as técnicas usadas e transmitir algumas explicações delas baseadas em conhecimento científico.
Mais tarde assisti à sessão Mulheres com Tomates - As Sementes, organizada pela Nuts.
Muito interessante ouvir falar de uma forma diferente de percursos profissionais ligados a empresas e pessoas que conheço. Os projetos ganham mais alma, um rosto mais personalizado. Fica-se a conhecer mais, a saber mais.
Estas oportunidades são muito importantes, assim como as que são dadas pelo Congresso dos Cozinheiros, onde estive nas duas tardes.
Um programa intenso! Também aqui assisti ao debate sobre Gastronomia e Media e fiquei com a ideia que há que repensar formas de trabalho, que o modelo atual não funciona bem. É normal que assim aconteça, tudo mudou tanto nos últimos anos, e de forma tão rápida, que há que repensar, mudar práticas e estratégias.
Gostei da reflexão do João Wengorovius, um gastrónomo que levou mais longe a sua paixão pela gastronomia e com base em refeições que partilhou com 21 dos mais conhecidos chefes de cozinhas da atualidade, explorou os seus métodos de trabalho, processos criativos e visão da cozinha, tendo escrito o livro "We, Chefs". Muito interessante, uma visão menos habitual, de quem está do outro lado.
Sem ser exaustiva, gostei de algumas das apresentações de chefs, e vou destacar apenas duas porque senti que transmitiam, com alguma emoção as suas vivências e percursos, como foi o caso de Alberto Landgraf e a Marlene Vieira e o João Sá, percursos com altos e baixos, com dificuldades e sucessos que transmitiram muito bem. Gostei também de ouvir o Gonçalo Castel-Branco falar do projeto The Presidential, por razões idênticas.
Surgiram-me muitas dúvidas quando ouvi o Alexandre Silva falar do seu projeto de produzir queijos. Por um lado acho um exercício muito interessante, uma forma de aumentarem conhecimentos que poderão vir a ser úteis para produzir os queijos ou para outras coisas. Por outro lado, confesso que esta tendência atual de auto-suficiência dos restaurantes me deixa muita dúvidas. Faz-me refletir sobre qual é o papel dos restaurantes, onde devem centrar esforços. Estando integrados num meio social mais vastos, onde há produtores das coisas que pretendem vir a produzir, não seria mais económico, mais sustentável e mais interessante trabalharem com esses produtores de forma a personalizar os produtos, mas fazendo-o com base no conhecimento e experiência de quem trabalha e ganha a vida com essas atividades em que pretendem tornar-se autónomos. E falo de produzir queijos, de produzir vegetais... É esse o papel dos restaurantes? É uma aproximação viável e relevante? Interessante discutir o tema num dos próximos congressos.
Não gostei da apresentação do Andoni Aduriz com o filósofo Daniel Innenarity. Não consegui senti-la como uma apresentação coerente e interligada. Não falaram do que fazem em conjunto, não falaram de como isso se reflete na cozinha do Mugaritz. Mas sobretudo não gostei que Andoni Aduriz não tivesse falado, nem sequer uma palavra, do trabalho que faz e do Mugaritz. Foi a terceira apresentação dele a que assisti, a primeira no Peixe em Lisboa há uns anos, que achei pouco interessante por se basear apenas numa visão idílica das ligação aos produtores e à natureza, sem se falar dela (com os problemas e as vantagens) no trabalho de Andoni Aduriz. Na segunda, num evento organizado pela Estrella Damm, Andoni Aduriz falou do seu trabalho, das aproximações, técnicas e resultados, e foi uma excelente apresentação. Nesta última apresentação falou dos interesses do público e da falta de profundidade deles, em que redes sociais que refletem uma certa futilidade recebem mais atenção do que o trabalho da FAO. Falou de alguns aspetos do trabalho da FAO, mas em situações como estas acaba por se ficar mais nos lugares comuns, acaba por se falar sem um profundo conhecimento de causa, acaba por não transmitir aquilo em que de facto é único - na sua aproximação à cozinha. Para mim este tipo de aproximação é muito pouco interessante.
Para o ano há mais e cá estarei para ver como as Edições do Gosto vão tornar ainda mais interessante a Lisbon Food Week e espero que se discutam temas cada vez mais importantes como o que referi acima e a sustentabilidade e o bem estar nas cozinhas de que falei há poucos dias.Fica lançado o desafio.