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06
Ago18

Chá - o produto mais maltratado na restauração

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Há dias serviram-me este chá num restaurante com 1 estrela Michelin. Há várias coisas aqui discutíveis... A base onde puseram o chá, um daqueles tapetinhos de enrolar o sushi. Legítimo, mas fora de contexto num restaurante destes. A mesa nua, assunto já mais que discutido. A tacinha para beber o chá, que dava exatamente para 2 golos de chá. Tinha paredes duplas, não queimava, mantinha o chá quente, mas ele ia arrefecendo no bule.  Este, também de gosto discutível num restaurante com as características daquele em que me serviram o chá... Mas, para mim, nenhum dos aspetos anteriores é o mais grave, o que considero mais importante está relacionado com o bule, mas é outro problema.

 

Dizia  George Orwell, num texto que escreveu em 1946 denominado  A Nice Cup of Tea,  que se se pegar num qualquer livro de cozinha e se procurar "chá", provavelmente verifica-se que este não é mencionado, ou, no máximo, lhe são dedicadas algumas linhas de instruções incompletas (mais de 70 anos depois a situação é idêntica). Diz ainda que a melhor forma de fazer chá é um tema que gera discussões violentas.  É verdade que cada um terá a sua forma de fazer, adaptada ao seu gosto, e é assim que deve fazê-lo. É também verdade que há regras para fazer um bom chá. E uma delas está relacionada com o tempo que o chá deve estar em contacto com a água. Ora este chegou-me com as folhas de chá, sem me darem qualquer informação de há quanto tempo as folhas estavam em contacto com a água e, pior que isso não me trouxeram nada para pôr o cilindro perfurado com as folhas que estava no bule. Passados poucos minutos, muito poucos, o chá estava a começar a ficar amargo e adstringente. Para o evitar puxei o cilindro e coloquei-o um pouco inclinado de forma a que não ficasse em contacto com a água. Um dos empregados viu e trouxe-me um prato com um guardanapo de papel para o colocar. Tarde e a más horas...

 

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O restaurante onde me serviram este chá tinha uma carta de chás, diziam que trabalhavam com uma empresa que vendia chás de qualidade. Depois estragavam-no... Não faz sentido. Tudo isto me deixou a pensar que o chá é o produto mais maltratado na restauração.  Um assunto de que até já falei aqui, mas nunca é demais repetir... Vejamos:

 

1 ) Há cartas de vinhos mais ou menos longas. Cartas de chás? É raro, e a diversidade é enorme.  Normalmente @ empregad@ diz, "Temos preto, verde, camomila, menta e lúcia-lima.". Achavam aceitável que quando fossem escolher um vinho vos dissessem: "Há branco, tinto, rosé e cidra." 

Cidra nem vinho é!!!! Eu sei!  Mas uma tisana de erva-cidreira também não é chá...

 

O chá é uma bebida feita com folhas de Camellia sinensis. Estas, como as uvas, são diferentes conforme a região, o clima... mas também consoante a forma como são processadas. E daí obtém-se uma variedade de chás (vou voltar a isto).

 

Uma bebida feita com outras plantas (folhas, flores, cascas, frutos...), usando um processo idêntico ao que se usa para o chá, chama-se uma tisana. E chamar chá de ervas também não está certo, chá é chá, uma infusão de  Camellia sinensis e mais nada!

 

2) Se num restaurante que diz "respeitar os produtos", e que tem um certo nível de qualidade, pedir um chá e lhe servirem um chá de pacotinho, produto branco da cadeia de supermercados onde vai, acha bem? Eu não. Mas há muitos em que servem esses, outros um pouco melhores de grande consumo, os que são disponibilizados a baixo preço pela cadeia grossista onde fazem compras, ou os que lhe são impingidos pela marca a que compram o café.  Porque é que se procura qualidade no resto e não no chá?

 

E, a partir de certo nível, nem sequer é aceitável usar pacotinhos, o chá melhor não é usado para os pacotinhos. Devem usar folhas.

 

3) Cada tipo de vinho não tem uma temperatura a que deve ser servido? Pois com o chá também isso acontece. Para cozinharem peixe ou carne, não têm cuidado com a temperatura e o tempo? Uns minutos mais e é a desgraça... Com o chá também é assim. Para cada tipo de chá há temperaturas a que deve ser preparado, para cada tipo de chá, o tempo de contacto com a água é diferente (voltarei também a isto mais tarde). São raríssimos os restaurantes onde isto é considerado. Mesmo restaurantes de qualidade.

 

Na minha opinião, em bons restaurantes, quem prepara o chá deve saber a temperatura e o tempo de contacto e trazer o chá corretamente preparado, sem as folhas. Que até podem ser mostradas antes e depois, se assim se justificar.

 

Noutros locais, mais simples, a água deve ser boa, o chá escolhido com os mesmos critérios dos outros produtos, e o papel de remover as folhas pode ser deixado ao cliente. Mas ele tem que saber quando deve remover, e há formas de o indicar, e que são usadas em espaços informais. (Note-se que há uma tacinha para pôr o cilindro com as folhas e uma ampulheta para indicar o tempo correto de contacto das folhas com a água).

 

Uns podem gostar de mais tempo de contacto, outros de menos. Uns gostam de um chá mais forte, outros menos. Mas há que dar possibilidade de decisão. E um chá mais forte faz-se com mais folhas, e nunca com mais tempo de infusão. 

 

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4) Cerca de 99% do chá é água. A qualidade desta também é importante. 

 

5) Depois, há chás de que se podem fazer várias infusões, todas com características diferentes. Só uma vez num restaurante em Lisboa, me trouxeram o chá e me explicaram que depois fariam outras infusões das mesmas folhas para que apreciasse completamente as várias "facetas" daquele chá. E acho que foi por acaso, quem fez isso não está lá normalmente (mas, verdade seja dita, não me aconteceu também em nenhum restaurante mais em qualquer outro local).

 

6) Orgulhamo-nos dos nossos produtos, há quem opte sempre que possível pelo nacional... excepto no chá. Nós até produzimos chá... Nunca fui a nenhum restaurante português onde isso fosse referido.

 

7) Finalmente, é importante escolher loiça adequada.

 

Por tudo isto, e mais alguma coisa que eventualmente esqueci, acho mesmo que o chá é mesmo o produto mais mal tratado na restauração.

 

 

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