Borrachões e outras memórias...
Há dias o meu amigo Virgílio Gomes escreveu uma crónica que começava assim:
Hoje estou a escrever sobre memórias da minha meninice, um doce a que nos era limitado o consumo, pelos nossos Pais, pela concentração alcoólica que parecia conter.
O nome dos bolo, que comia em Espanha, é Borrachos. O Virgílio fala sobre eles, sobre a relação estreita com Espanha, pois é de Bragança e era mais acessível para compras e outras atividades. No final fala de bolos portugueses também com bebidas alcoólicas como ingrediente, nomeadamente dos Borrachões.
Lembrei-me da minha meninice também, da relação estreita que tínhamos com Espanha, todas as memórias de compras de brinquedos, roupa e comidas menos habituais que tenho são de Espanha. No meu caso de Badajoz. E são as mesmas memórias de muitos outros.
Há dois anos fui com as minhas três irmãs passar um fim de semana a Badajoz. Fomos à procura das nossas memórias de infância. O edifício do Simago, onde tantas compras fazíamos, ainda lá está, com um supermercado com outro nome. Bem recordámos os perritos calientes, impossíveis de esquecer, que se vendiam no vão da escada para o parque de estacionamento. Tomámos o pequeno almoço no local onde antes os nossos Pais no levavam a almoçar uns platos combinados. Fomos procurar a mais maravilhosa loja de brinquedos onde alguma vez entrámos Las Tres Campanas. Lá estava o edifício, fechado, iam construir ali um hotel.
A minha maior desilusão foi não ter visto nenhum dos enormes cones de latas de melocotón (que para mim era um fruto mágico, lisinho, brilhante, de um amarelo atraente e delicioso, e que só bem crescida associei a pêssego). Aliás, as lojas onde ia com o meu Pai, comprar enchidos, patés, melocotóns e caramelos, e que me deixavam maravilhada, já não existem. O mundo mudou e Badajoz também. Foi um excelente fim de semana, cheio de recordações e também de descobertas.
Ui! Perdi-me! O objetivo não era falar destas memórias, mas dos biscoitos mais maravilhosos que alguma vez comi. Biscoitos esses que o Virgílio Gomes refere na sua crónica, os Borrachões da Beira Baixa. Eram os biscoitos mais comuns durante a minha infância. Tão maravilhosos são que se continuam a fazer em minha casa e na de todos os meus irmãos. Não sei se hoje seria bem visto dar às crianças biscoitos feitos com vinho e aguardente... mas o mundo era outro.
Das férias de verão tinha trazido uma garrafinha com aguardente artesanal para fazer borrachões, ler a crónica do Virgílio foi o empurrão que precisava. Segui a receita da minha Mãe:
Metade vinho branco, metade aguardente, uma colher de sopa bem cheia de banha e o resto azeite. Ficaram maravilhosos. São mesmo os melhores biscoitos que alguma vez comi!
Mas para além dos sabor, encanta-me a simplicidade dos ingredientes, o engenho, a arte e a criatividade para fazer uns biscoitos deliciosos com o pouco que havia.
Foto dos Borrachões DAQUI (é que dos meus já não sobrava nenhum)