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Uma destas segundas-feiras dei comigo, ao fim da tarde, a pensar - "Ainda bem que amanhã é sábado!". Mau sinal... e para enganar a sensação, cada dia que passava mais forte, de que o fim de semana estava a fugir de mim e não o conseguiria tão depressa alcançar, resolvi fazer uma viagenzita. Uma viagem à mesa, não havia mesmo outra hipótese... Mas se era para fugir das tarefas que me ocupavam os dias, pois que fosse para longe, muito longe. Foi até à Coreia, a um dos vários restaurantes coreanos que abriram recentemente.
Um restaurante simples, uma televisão com videoclips coreanos, muitos asiáticos, penso que coreanos, na sala. E até uma cara conhecida de TV na mesa ao lado. Ainda não tinha vindo comida nenhuma e disse para mim mesma - "Se tivesse entrado aqui de olhos tapados, e só me deixassem olhar para a mesa, dizia sem dúvidas que o restaurante era coreano." Olhando para a foto em cima, essa já com os 만두 (mandu = gyosa coreanos), sabem por quê?
Os pauzinhos eram de metal, havia ao lado deles uma colher também de metal. O pauzinhos surgiram na China há um pouco mais de 3000 anos. Funcionavam como uma extensão dos dedos, porque a comida podia estar quente ou porque a comida podia estar longe. Temos que concordar que eram extremamente evoluídos. A primeira referência aos garfos, que podemos considerar a nossa extensão da mão, surgiu no século VII no Médio Oriente. Uma princesa turca que casou com um veneziano levou-os para Itália no século XI. Foi um escândalo, foram considerados pela igreja uma rejeição da natureza, um insulto a Deus. A pobre princesa morreu cedo e tal foi considerado por muitos um castigo de Deus. Pois se Deus nos tinha dado as mão para comermos, e se ela quis ultrapassar os seus desígnios, tinha mesmo que ser castigada. Tal foi o medo que durante mais de três séculos não se ouviu falar de garfos e a reintrodução não foi fácil... No início do século XVII o rei Henrique III de França e a corte eram motivo de sátira por usarem garfos, e só no final desse século o seu uso se generalizou. Por esta altura já os chineses usavam os pauzinhos há 3000 anos.
Por volta do ano 500 disseminaram-se por outras partes da Ásia, principalmente Japão, Coreia e Vietname. Mas assumiram características diferentes, não só nos materiais, como no tamanho e forma. Os pauzinhos chineses são os mais compridos, podiam ser se bambu, marfim ou outros materiais (agora muitos de plástico). Diz-se que o hábito dos chineses de terem grandes mesas com uma parte rotativa no centro foi determinante para definir o tamanho dos seus pauzinhos. Era preciso chegar ao meio da mesa, à zona onde estava a comida.
Os japoneses comem muito peixe, era preciso tirar espinhas, e com o tipo de comida que têm também era necessário pegar em coisas pequenas, e os seus pauzinhos são mais pequenos e mais finos na ponta, assim permitem mais precisão para estas tarefas. Mas, de facto, há pauzinhos diferentes para utilizações diferentes no Japão, até para sobremesas e mesmo funerais.
Na Coreia, como em muitas outras partes do mundo (por cá ainda há quem o diga), acreditava-se que a prata, e eventualmente metais prateados, em contacto com venenos escureciam. Os pauzinhos do imperador eram de prata para evitar ser envenenado, agora eles são de aço inox, são mais pequenos que os chineses e são dos três os mais afiados na ponta. Também são os mais escorregadios, acreditem que pegar nos 만두 foi uma tarefa difícil. Quando um deles escorregou para dentro da tigela com o molho de soja ficaram as marcas na mesa...
Os pauzinhos de metal permitiam-me identificar que estava num restaurante coreano, outro sinal era a colher. Os orientais comem bastante arroz, não é muito prático comê-lo com pauzinhos. Os chineses levam a tigela perto da boca e com os pauzinhos empurram-nos para a boca. Para os coreanos levar a tigela perto da boca não é grande sinal de boa educação, assim usam colheres.
Descobri ainda outra coisa muito interessante, aparentemente a primeira referência que surge na Europa aos pauzinhos, foi de um português, Tomé Pires, no livro Suma Oriental que trata do Mar Roxo até aos Chins , que escreveu entre 1512 e 1515 em Malaca. Nele diz mais ou menos isto:
Eles [os chineses] comem com dois palitos e a tigela de barro ou de porcelana na mão esquerda, perto da boca, com os dois palitos para sugarem. Esta é a maneira chinesa.
Tinha uma tia de Macau, fazia um porco picado e cozido a vapor maravilhoso, ainda o faço por vezes. Sabores e memórias de infância. Outra influências da minha tia era um frasco de glutamato de sódio (MSG) que estava num armário na casa de jantar. Não naquela onde comíamos diariamente, mas na das visitas. Normalmente não saía de lá muito. Mas lembro-me de como ele transformava uma canja com pouco sabor numa canja maravilhosa. A minha tia macaense não lhes chamava pauzinhos, há muitos anos que eu tentava lembrar-me do nome que ela lhes dava.
Voltei para casa e levei horas a pesquisar sobre eles. Tentei encontrar o nome que a minha tia lhes dava, vi o nome chinês (ouvi no tradutor do Google como se pronunciava - kuàizi, não era aquilo), encontrei o nome japonês - hashi, mais parecido, mas não me dizia muito. Até que de repente, do nada, disse alto "fachis", e uma busca do significado da palavra deu:
Significado de Fachis - substantivo masculino plural[Macau] Os dois pauzinhos, com que os Chineses comem, servindo-se deles como de garfo.
Estava resolvido o mistério! A mente humana é fantástica!
No restaurante, para além dos Mandu, também comi Dakgalbi um prato de frango com uns bolinhos de arroz, batata doce, cebola... Vários acompanhamentos, curiosamente um deles salsichas em rodelas fininhas e num molho muito condimentado.
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Sabores diferentes, uma viagem que se prolongou muito e onde aprendi mais do que estava à espera. O trabalho atrasou-se, o sono sofreu com isso. Mas o balanço final foi positivo.
K-BOB - Av. Ressano Garcia 41, Lisboa