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Assins & Assados

Assins & Assados

17
Ago21

Uma sobremesa do Estoril Mandarim que me levou muitas semanas a "digerir" - Parte 2

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Nunca imaginei a quantidade de horas e trabalho que seriam necessárias a "digerir" o Pastel de Nata Chinês do Estoril Mandarim... Mas também não imaginava como essa "digestão" seria interessante e me permitiria aprender muitas novas coisas. Estando a questão das influências no desenvolvimento dos Daan Tat (os ditos pastéis) tão ultrapassada quanto possível, pois não é bem clara para ninguém, passei à questão seguinte - como se faria a massa folhada dos pastéis?

 

Vi muitas receitas dos Daan Tat, e muitas fotos deles. Nalgumas o folhado da massa era bem evidente, mas diferente da dos Pastéis de Nata, noutras não se notava tanto. Vi também que basicamente a receita da massa podia ser dividida em dois grupos, aquele em que se usava uma técnica com as dobras características da massa folhada, ou uma outra em que isso não acontecia, e se misturavam os ingredientes todos da massa no início. Foi a primeira que me interessou mais, pois foi a que me pareceu dar resultados mais parecidos com o que eu tinha comido e me pareceu mais interessante.

 

A técnica usada para preparar a esta massa está bem ilustrada nesta receita das Egg Tarts do site Taste Asian Food, mas o processo basicamente surge em muitas outras receitas destes pastéis. Ou até apenas em receitas de massa folhada chinesa, ou de outros produtos, como uns folhados de carne de porco assada.

 

A principal diferença relativamente à massa folhada tradicional, é que enquanto nesta se faz uma massa e se introduz nela um bloco de manteiga/margarina para separar as camadas, na técnica usada na massa folhada chinesa são usados dois tipos de massas, uma a que chamam massa de água (feita com farinha, ovo, água e por vezes um pouco de gordura), e uma outra que se chama massa de gordura (com farinha e gordura, originalmente banha, mas pode ser manteiga ou outra gordura sólida). Estende-se, então, a massa de água e no interior coloca-se a massa de gordura, que vai separar as camadas. As características das duas massas folhadas são completamente diferentes. Muito interessante! A grande diversidade de técnicas nas várias culturas gastronómicas fascina-me.

 

A resposta, ou pelo menos hipótese de resposta, à questão relativa ao uso de leite nestes pastéis, numa região do mundo em que a grande generalidade da população é intolerante à lactose, surgiu também ao ler as receitas. Verifiquei que de facto é usado leite no recheio dos pastéis, mas em todas as receitas o leite usado era leite evaporado. Questiono-me qual será a razão, terá a ver com a disponibilidade, já que o leite é pouco consumido? Ou será pelo sabor, pois é necessariamente diferente? Para ter menos lactose não é, pois esta mantém-se.

 

O leite evaporado é leite não adoçado (ao contrário do condensado, a que é adicionado muito açúcar), mas a que cerca de 60% da água foi removida. Fica assim mais espesso e é possível, de certa forma, reconstituir o leite juntando partes iguais de leite evaporado e água. Curiosamente, em todas as receitas o açúcar (muito pouco, pois os chineses não consomem coisas muito doces) é diluído em água, e é a esta calda que se junta o leite evaporado e depois se mistura aos ovos. A quantidade de água varia, mas em geral é de duas a três vezes a quantidade de leite evaporado. Ou seja, o leite é muito diluído com água e, portanto, cada pastel tem pouco leite.

 

Dado que uma intolerância ao leite, não é uma alergia à proteína do leite, pois se fosse a situação e as consequências eram bem mais graves, neste caso a diminuição da quantidade de leite pode reduzir as consequências. De facto, no caso de intolerância (e pelo que li os graus de intolerância podem variar), quanto menos lactose se ingerir, menor o risco de desencadear sintomas. E as receitas mostram que a quantidade de leite em cada pastel é relativamente reduzida.

 

Uma longa "digestão" mas que me deu tanto ou mais prazer do que comer o Pastel de Nata Chinês no final de um almoço de Dim Sum, tal como se tornou habitual no século passado.

 

 

Foto DAQUI 

 

 

16
Ago21

Uma sobremesa do Estoril Mandarim que me levou muitas semanas a "digerir" - Parte 1

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Nem tínhamos a certeza de querer sobremesa. A decisão foi tomada de forma absolutamente casual, sem nenhumas expetativas particulares. Na hora de escolher terem-nos dito que uma das opções eram os Pastéis de Nata Chineses talvez tenha ajudado na decisão. Gerou alguma curiosidade. Nem imaginava quanto tempo iam ficar às voltas na minha cabeça... mas nunca mais saíram de lá. Talvez a partir de hoje possa considerar a sua "digestão" completa.

 

Já tinha visto esta sobremesa muitas vezes. Lembro-me muito bem delas nos carrinhos que andavam pela sala do New World em Chinatown em Londres, onde comecei a ir há cerca de 30 anos e que entretanto fechou. Mas nunca foram opção. Felizmente, há umas semanas, na esplanada do Estoril Mandarim, foram.

 

A primeira surpresa foi estarem mornos, não sei porquê mas não o esperava. A segunda foi a massa muito folhada, e muito delicada,  que quase se desfazia. Muito diferente de uma massa folhada normal, e que nunca tinha visto. Uma das questões que me ficou na cabeça foi: "como se faz uma massa assim?". Mas, além desta, outras questões surgiram. Uma relacionada com a origem daqueles pastéis, e se havia alguma relação com os nossos Pastéis de Nata. Uma outra sobre o leite no recheio, uma vez que este ingrediente não é comum em sobremesas asiáticas, pois há uma percentagem muito grande de pessoas intolerantes à lactose, nalguns coisas que li referem que mais de 90%.

 

A primeira questão que tentei esclarecer foi a relacionada com a origem destes doces, conhecidos como Dan Tat , que penso que significa tarte de ovo (egg tart) . As várias fontes que consultei, estando o que vi bem resumido aqui, eram unânimes quanto à data e local de origem - a cidade de Guangzhou (Cantão), durante os anos 1920, em resultado da grande competição entre grandes armazéns ( department stores) e que levava a que os chefs a trabalhar nestas lojas criassem novos produtos para atrair a clientela. Esta proposta fez sucesso e acabou por ser uma sobremesa muito comum em restaurantes que serviam Dim Sum, um estilo de comida /refeição também cantonesa, mas que para além disso se disseminou por outras cidades e regiões da Ásia, como por exemplo Singapura, e em particular Hong Kong, onde foram introduzidos depois da II Guerra nas casas de chá que começaram a proliferar. Por isso são também conhecidos como  Hong Kong Egg Tarts

 

Quanto às influências são-lhes sempre apontadas duas, as Custard Tarts inglesas e os Pastéis de Nata portugueses, mas sem grandes explicações mais. Vi apenas uma referência ao facto do recheio possivelmente ser influenciado pela Custard inglesa e a massa pelos nossos Pastéis de Nata, uma vez que é mais folhada e a massa das Custard Tarts é massa quebrada. Os navios portugueses chegaram pela primeira vez à província de Cantão em 1513, e Hong Kong tornou-se uma colónia britânica no início dos anos 1840. Nestes séculos de interação houve muita oportunidade de lá chegarem as Custard Tarts e os Pastéis de Nata. Tanto mais que Macau foi uma colónia portuguesa desde meados do século XVI até final do século XX.

 

As Custard Tarts já eram comuns na Idade Média e foram servidas no banquete de coroação do rei Henry IV em 1399. Segundo Virgílio Gomes, a primeira receita relacionada com os Pastéis de Nata surge no Caderno de Receitas da Infanta Dona Maria (1538-1577), com a designação de Pastéis de Leite. A massa exterior não é a mesma, contudo. Essa já é uma evolução mais recente e , ainda segundo Virgílio Gomes, a primeira receita com a designação de Pastéis de Nata surge nos registos das últimas freiras do Mosteiro de Odivelas, que encerrou em 1886  (outro texto de Virgílio Gomes com mais informação AQUI) . Curiosamente, nas informações que encontrei, a origem tanto das Custard Tarts como dos Pastéis de Nata, acaba por ser associada a França, onde a pastelaria estaria mais desenvolvida.

 

Ainda mais curioso foi, no final de todo este processo ter lido a introdução de um artigo recente de Francisco Louçã no Expresso, O Pastel de Nata é 100% português ? , relacionado com alguns atletas que nos representaram nos jogos Olímpicos, em que diz:

É uma pergunta difícil. Tem que ser portuguesíssimo, pensamos nós. É ali de Belém, ou de outros lugares pátrios, uma iguaria que ninguém consegue imitar na perfeição, um segredo só nosso. Já foi uma marca de identidade de campanha promocional, há filas de estrangeiros e de indígenas à porta das pastelarias mais afamadas, tem de ser nosso, orgulhosamente nosso.

O problema é a massa folhada. É um imbróglio histórico: terá sido inventada por um francês em Roma, ou por um pasteleiro, também francês, em Nancy. No século XVI, terá sido, só que uma carta de um bispo umas centenas de anos antes menciona a iguaria. Resumindo, a massa folhada não é portuguesa e nem se sabe quando e onde foi inventada. E pode um bom pastel de nata, 100% português, ser feito sem massa folhada estrangeira? É que não pode. Aqui chegado, será de perguntar se a questão da percentagem de portuguesismo tem a menor relevância. Pois, não tem mesmo qualquer sentido. O pastel de nata é uma combinação única feita com os materiais disponíveis, acrescentando um engenho especial, produzido como uma combinação especial. A inovação está aqui: no caráter único da mistura de ingredientes e no modo de confeção.

 

Concordo que, de facto, pastel de nata é uma combinação única feita com os materiais disponíveis, acrescentando um engenho especial, produzido como uma combinação especial. A inovação está aqui: no caráter único da mistura de ingredientes e no modo de confeção. E é tudo isto que faz também com que as Custard Tarts e as Dan Tat sejam combinações únicas e com personalidades bem próprias.

 

Uff!!! Uma das minhas questões ficou "arrumada" ao fim de muitas semanas, mas ainda me faltavam duas outras questões... que também me mereceram muitas horas de pesquisas e reflexões. Mas ficam para amanhã...

 

 

06
Fev21

O almoço veio do Boi Cavalo e deu muito em que pensar.

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É tão bom comer aquilo que é preparado por outros! Para além da técnica, há a diversidade de aproximações, há o que cada prato reflete da personalidade de quem o cria, há as combinações de sabores... vários aspetos relacionados com o emissor. Mas, na forma como o prato é percepcionado, há ainda que considerar o recetor, o seu gosto, a sua personalidade, o seu estado de espírito, o seu percurso de vida e referências. Assim como duas pessoas com os mesmos ingredientes e a mesma receita cozinham dois pratos diferentes, também duas pessoas que comem o mesmo prato o percepcionam de forma diferente. O almoço de há uns dias, fez-me refletir sobre tudo isto.

 

Estou farta do que cozinho. Já não há pachorra! Há dias estavam-me a apetecer sabores diferentes e variedade. Há muito que andava com vontade de pedir comida do Boi Cavalo. Aliás, antes disso, há muito que andava a pensar lá voltar, mas ainda não tinha calhado. Calhou desta vez, não ir lá, mas pedir comida. Não é a mesma comida que teria no restaurante, é a que criada pelo Hugo Brito para este novo modelo de consumo, e acho que reflete bem as características do emissor. Já a percepção, foi muito influenciada também pelo recetor...

 

Olhei para o menu, queria variedade, nada melhor do que pedir as três entradas.

 

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Croquetes de entrecosto, mostarda de satay

 

Dois bons croquetes, saborosos e com uma boa textura. A mostarda avivava o sabor, e no final persistia o aroma do satay, relativamente discreto, mas o suficiente para lembrar outras experiências e situações mais exóticas. Quando se olhava tudo era familiar, quando se provava havia ali um discreto toque de irreverência. Impossível não sorrir!

 

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Gyozas de berbigão, molho ponzu

 

Neste caso a situação era diferente, sem relação com a nossa cultura alimentar, apesar de familiar em consequência de muitas viagens à mesa. Quando se trincava, o sabor e os berbigões remetiam para memórias de sabores bem antigas, para a infância, bem antes de ter alguma vez ouvido falar de gyozas. E eu gosto tanto de berbigão! Impossível não sorrir!

 

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Koftas de batata-doce fumada, maionese de amêndoas

 

Se nas duas propostas anteriores havia algo de familiar, nesta não havia referências a que associar à imagem visual. Mais não havia que fazer do que provar, com alguma expetativa. Um contraste absoluto de cores, um sabor exótico, diferente... Um pulo no desconhecido. Impossível não ficar pensativa! Conclusões? Agradável, mas acho que melhorava com a inclusão de alguma textura que contrastasse.

 

Objetivos atingidos, guardei para o fim algumas gyosas, era aquele o sabor com que queria ficar no final.

 

Para acompanhar a refeição, uma Bread Combo.

 

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Não esta, mas uma que estava no meu frigorífico. Uma cerveja resultante de uma parceira entre a Musa e a Gleba. Assim descrita no site da Musa:

É filha da mãe massa que a Gleba preparou e do pão que o Diogo amassou. Uma experiência complexa com notas de citrinos, pimenta e padaria aos sábados de manhã. Boa para cacete! 

Era mesmo. Ainda por cima, pouco tempo antes tinha convidado o Diogo Amorim, que há alguns anos frequentou o mestrado em Ciências Gastronómicas, para falar para os atuais alunos sobre o projeto Gleba. Também a cerveja me fez pensar no percurso do Diogo, na forma como aprofunda o conhecimento, na paixão pelo que faz...

 

Foi um bom almoço! Tanto quanto possível...  é que não há nada como ir a um restaurante! 

 

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10
Dez20

Abri, trinquei... e fiquei fã do Cajuberto

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A maior criatividade e grande parte dos produtos mais interessantes que tenho visto nos últimos anos estão relacionados com o desenvolvimento de produtos sem ingredientes de origem animal.  Curiosamente muitos deles desenvolvidos de forma artesanal por pessoas que deles sentem necessidade. Tem sido fascinante ver a evolução e a qualidade que nalguns casos já se atingiu.

 

Há dias descobri uma alternativa ao queijo, com características semelhantes ao Camembert, mas de caju. Tive curiosidade em experimentar, e passado de uns dias chegou a minha casa este Cajuberto.

 

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Abri, trinquei... e fui cortar o pão de batata doce que tinha feito e ainda estava morno...

 

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O Cajuberto é muito bom e vale por si. De tal forma que ao fim de uns minutos só restava metade. Depois fui ver se a Muka produzia mais alternativas ao queijo, descobri que esta atividade é muito, muito recente, mas também que têm outros produtos. O Brito deixou-me com água na boca...

 

17
Set20

Divertido! Mas dá que pensar...

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Há uns dois meses vi este vídeo do comediante da Malásia, mas a viver em Londres, Nigel Ng. 

 

 

Recentemente vi um outro vídeo dele, também sobre o egg fried rice, mas desta vez o do Jamie Oliver. 

 

 

O número de visualizações de ambos os vídeos é de alguns milhões, e eles têm dado origem a bastante debate, como é referido neste artigo da CNN Travel. Possivelmente até Nigel Ng ficou surpreendido com isso, e mesmo com algumas reações relativamente violentas para com a apresentadora de BBC Food, Hersha Patel. Por esta razão até acabaram por se encontrar, tentaram esclarecer as coisas, e fizeram um vídeo humorístico em conjunto, sobre... egg fried rice.

 

Diverti-me imenso com o primeiro vídeo, com o segundo, com o Jamie Oliver, também, mas já não teve o mesmo impacto. Mas deram-me que pensar também... Estamos numa época em que algumas coisas, antes lineares e não polémicas, passaram a ser vistas de com outros olhos, com maior sensibilidade, e causam alguma controvérsia. Há reações que para uns são mais do que justificadas, e para outros um exagero. Não o vou discutir, nem é o lugar, nem sou a pessoa indicada para isso. No entanto, ao ver o primeiro vídeo, lembrei-me de há uns 5 ou 6 anos, numa conversa, me terem perguntado o que achava da apropriação cultural relacionada com a comida. Nunca tinha pensado nisso, a primeira reação foi dizer que achava um exagero ver as coisas dessa forma, comida era simplesmente comida. Mas aquela questão fez-me pensar, ler mais algumas coisas, tentar entender o que incomodava tanto algumas pessoas. Tudo foi fazendo mais sentido, compreendi outros pontos de vista, e deixei de achar que era um assunto neutro, embora ainda não consiga pensar nisto com absoluta clareza.

 

Disseram-me uma vez, e acho que até já o escrevi aqui, que nos descendentes de quem emigra se perde mais facilmente a língua do que os hábitos alimentares. O que comemos, os rituais associados à cozinha, estão intimamente ligados com a nossa identidade e cultura. Por tal, é compreensível que possa ser visto, por algumas pessoas, como ofensivo que os sabores e as práticas tradicionais das suas culturas alimentares sejam deturpados, desvalorizados... ou até que sejam usados comercialmente por pessoas que não pertencem a essas culturas, muitas vezes de forma pouco fiel ao original, outras com pouco respeito ou sem referir a origem. Aliás, o mesmo acontece quando são feitas reinterpretações de pratos tradicionais portugueses, dando-lhes o nome original, e em muitos casos isso tem sido amplamente discutido. 

 

Embora não seja muito radical, compreendo que este tipo de coisas tenha potencial para causar alguma polémica. Penso que é uma pena haver uma limitação da criatividade, até porque estas trocas enriquecem as culturas alimentares, e sempre existiram. Também acho que deve haver liberdade de expressão na cozinha. Mas acho que é um assunto que tem que ser mais pensado e discutido. É importante uma maior sensibilização para que se procurem formas mais ética de proceder.

 

 

31
Mai20

A dependência do nossa restauração do turismo e as suas consequências

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Without the Tourists, the Fate of Portuguese Food is Unclear este é o título de um artigo que o jornalista Rafael Tonon publicou há poucos dias na Eater. Um artigo muito interessante e com vários aspetos que merecem servir de base para uma discussão ainda mais aprofundada pois o tema é complexo.

 

O artigo, para o qual fui também entrevistada, tem pontos de vista de diversos chefes e outras pessoas relacionadas com a gastronomia em Portugal. Nele é destacada a dependência do nossa restauração do turismo, e não só, pois há toda uma cadeia de produtores, indústrias... que dependem da restauração portuguesa e, consequentemente, do turismo. Tendo a visibilidade do nosso país e gastronomia subido consideravelmente nos últimos anos, devido a vários prémios e distinções que lhe foram atribuídos, tal traduziu-se num aumento considerável do número de turistas, e também da oferta gastronómica. Com esta pandemia a situação tornou-se complicada para muitos restaurantes, produtores e indústrias. 

 

Considero que esta situação pode ter um efeito negativo para o nível da nossa cozinha criativa, como referido no artigo, e também para a qualidade da nossa produção, sobretudo no que se refere a pequenos produtores (de facto se se analisar os produtores indicados no site do Projeto Matéria do João Rodrigues, vê-se que o nível etário de um número substancial de produtores é elevado, o que torna tudo mais complicado). Fala-se muito na adaptação para o público português, para de certa forma o atrair. Espero que resulte, mas para tal ter efeito é conveniente também que se altere a forma de divulgação que se faz deste trabalho e até as atitudes dos próprios chefes, os que a praticam e os outros. Muito se poderia discutir sobre este assunto, e seria essencial fazer um estudo mais aprofundado das razões pelos quais os restaurantes de cozinha criativa dependem tanto do turismo, é que para mudar é preciso saber o quê. 

 

O artigo foca basicamente uma cozinha mais criativa (não exclusivamente de fine dining), e o trabalho dos chefes que a praticam, sobretudo daqueles que têm como base os nossos produtos e sabores, mas integrando-se nas tendências atuais, que é fundamental para valorizar a cozinha e produtos portugueses. Aliás, mais do que isso, este trabalho é essencial para uma evolução necessária na cozinha de cada país, que sem ele acaba por estagnar e perder atualidade. Esta situação é grave também porque cada um dos chefes que a pratica tem a sua visão pessoal, a sua forma de interpretar sabores e produtos, e cada um que se perde contribui drasticamente para empobrecer o panorama geral. Mais do que apenas uma forma de alimentar quem tem dinheiro (ou não tem assim tanto, mas coloca estas experiências culturais como prioridade), ou uma forma de criar oportunidades de lazer, este trabalho é cultura e tem que passar a ser considerado como tal.

 

Contudo, a situação não é exclusiva dos restaurantes de cozinha criativa, sempre defendi que bons restaurantes de cozinha tradicional são essenciais para preservar a nossa cozinha e as nossas memórias gastronómicas. Há muita coisa que as pessoas deixaram de fazer em casa, e que possivelmente nunca mais voltarão a fazer, a não ser casos pontuais. Há aqueles pratos que se vão comer ao restaurante. Defendo que é papel desses bons restaurantes de cozinha tradicional preservar essas tradições, essa cultura gastronómica. É um papel essencial, que também vai bem para além do seu papel de nos alimentar e proporcionarem bons momentos de lazer. É uma papel cultural de que se tem cada vez mais que tomar consciência e tem que ser mais apoiado. Se outras formas de cultura são apoiadas, porque não esta?

 

Se no meio desta crise se perderem estes restaurantes, é muito mau e pode perder-se muito do nosso património cultural.  Mas há que ter em atenção que há coisas que é necessário mudar, mas não o compromisso com uma linha de trabalho que tem significado para quem a pratica e reflete paixão, respeito pela tradição e criatividade. Há coisas que se têm que reinventar, mas nunca isto.

 

 

Foto inicial - Caldo de Cozido com Cupita de Barrancos sobre tosta do Feitoria

24
Mai20

A pandemia e a forma como nos alimentamos - uma revolução acelerada e amplificada?

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A noite passada o sono demorava chegar e fui lendo jornais, todos tinham artigos sobre aspetos dos nossos hábitos alimentares que tomávamos como normais, alguns em que não pensávamos até, e que de um dia para o outro mudaram ou, noutros casos, em que se iniciou um processo de grande mudança.

 

O primeiro artigo que li foi no The Guardian - If this is the end of the buffet breakfast, it's not just the toast I'll miss. Não me tinha ainda ocorrido a necessidade de eliminação dos buffets de pequeno almoço nos hotéis, mas vai ter que acontecer, pelo menos nos tempos mais próximos (e que podem ser longos). Tal como a autora do artigo, também gosto muito dos pequenos almoços buffet dos hotéis. Gosto da variedade e abundância, da possibilidade de escolha. Tal como ela, também acho que os buffets de pequeno almoço são importantes, porque são uma parte essencial da ilusão de que tudo é permitido, porque nos fazem sentir mimados. Estou curiosa para ver como os hotéis vão ultrapassar esta situação mas proporcionar uma experiência semelhante (e até acho que poderá ser melhor se o desejarem), criando a mesma ilusão, e sem aumentar o desperdício.

 

Logo de seguida li no The New York Times - Plant-Based "Meats" Catch on in the Pandemic, em que é dito que durante a pandemia a taxa de crescimento da carne foi superada pela das alternativas baseadas em plantas, com vários depoimentos em que as pessoas explicam as razões para isso. Lembrei-me também de outro artigo do mesmo jornal que me mandaram há dias, The End of Meat is Here, em que referia que  o que estamos a viver chamava a atenção, de uma forma ainda mais dramática, para as desigualdades sociais e raciais e a importância fundamental do trabalho, não reconhecido nem devidamente remunerado, dessas pessoas para garantir a nossa forma de vida. Outro aspeto que destaca também é a necessidade, cada vez mais premente, de mudarmos de hábitos devido aos seus impactos nas mudanças climáticas. De facto, tentamos todos evitar pensar nestas coisas quando fazemos as nossas escolhas alimentares, mas prevê-se que esta pandemia possa ser uma alavanca para alterar esta postura. Essa perceção deve ser bem real, até na indústria, esta semana disseram-me que uma grande multinacional de laticínios aumentou o investimento na pesquisa de alternativas baseadas em plantas, pois as expetativas são de que uma das consequências da pandemia seja que o consumo de produtos baseados em plantas aumente, ainda de forma mais acelerada do que já estava a acontecer.

 

Como já tinha referido várias vezes noutros posts, há três meses acreditava que uma enorme revolução na forma como nos alimentamos estava em curso. Vejo agora que os números e a perceção de muita gente é que essa mudança tenha sido substancialmente acelerada  e amplificada pelo momento que vivemos. 

 

Foto DAQUI

17
Mai20

Os hambúrgueres do Noma - se calhar há alguma coisa que não estou a ver bem, mas...

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Há dois dias recebi um email do Noma. Dizia o seguinte:

On Thursday, May 21st, at 1pm, we will open an outdoor wine bar in our beautiful gardens at noma, overlooking the lake we share with our neighbors in Christiania. Come as you are, there are no reservations, we are open for everyone. You can stop by for a glass of wine, or you can stay for more, and if you get hungry we have two burgers on the menu: the noma cheeseburger and the noma veggie burger. Both are juicy and packed with umami, with a little bit of magic from our fermentation cellar, served on a freshly baked potato bun developed by our friends at Gasoline Grill. 

 

Explicava ainda que o Noma, tal como o conhecíamos iria abrir mais tarde, pois, entre outras coisas, precisavam de algumas semanas para pôr a máquina a funcionar de novo. Tal é compreensível, acontece com muitos restaurantes de fine dining e, sobretudo, com aqueles que dependem de um turismo gastronómico que vai demorar a arrancar de novo.

 

Quanto ao bar de vinhos e hambúrgueres, fiquei incrédula. Mais do que isso, foi um balde de água fria. Depois disto vi muitos artigos, posts... a informar do mesmo, quase não vi (o que não quer dizer que não haja, não procurei exaustivamente) comentários sobre tal opção.

 

O Noma  é um restaurante com duas estrelas Michelin que, desde 2006, quase invariavelmente, está no ranking do The World's 50 Best Restaurants. Pelo menos 7 desses anos esteve num dos primeiros 3 lugares, sendo que 4 vezes esteve no primeiro lugar. O René Redzepi teve um papel determinante no movimento da Nova Cozinha Nórdica. O Noma é um restaurante que sempre se caracterizou pelo Tempo e o Lugar - o local, o sazonal, o que é nórdico. Tem uma cozinha complexa, conceptual, sofisticada e com uma estética própria. No início do livro "Time and Place in Nordic Cuisine", num texto introdutório de Olafur Eliasson, um artista plástico, é dito que se pode considerar que quem come no Noma contactará com uma nova linguagem, uma linguagem que adquire significado pela forma de cada um a usar, ou seja, consoante cada experiência individual de gosto.

 

Por estas razões, no mesmo livro, é referido que os clientes que jantam no Noma devem sentir uma intensa sensação de tempo e de lugar. Esta deve ser o ponto de partida, o núcleo, a primeira camada. Seguir-se-ão uma série de camadas extras de pensamentos conceptuais sobre os pratos, tal como a inovação, a técnica e a equipa certa.

 

Fizeram tábua rasa de tudo isto? Não esperava um Noma em ponto pequeno, mas não há nada do Noma, da sua alma, conceito,  estética e criatividade nesta nova oferta? Onde está o Tempo e o Lugar se no país do Smørrebrød oferecem Hamburgers?

 

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Onde está o Noma neste hambúrguer? Posso até estar enganada, mas não acho honesto, acho até que revela desleixo e preguiça.
 
 
Não posso concordar mais com um comentário no instagram de René Redzepi que diz: 
 
I deeply appreciate your work and this idea of inclusivity - but healing with burgers? Wish the commoners were allowed a taste of your elegant magic too (zazie_stevens)
 
 
1ª Foto do email do Noma
2º Foto do Instagram de René Redzepi

 

07
Mai20

Continuando com a complexidade das batatas fritas...

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Nem tinha planeado comprar batatas fritas... mas aquelas cinco linhas escritas na embalagem fizeram-me mudar de ideias. Era o último dia de 2016, como é que podia entrar no novo ano sem batatas fritas com um brilho dourado, um toque de laranja e espumante? Mais do que isso, escolhidas uma a uma, produção local, cortadas à mão com casca, ou seja sem desperdício, mantendo todos os nutrientes, todo o produto, uma certa rusticidade e conforto associados ao luxo. Fatias bem finas, e fritas à mão em quantidades pequenas, nada de coisas industriais, alguém estava ali com uma frigideira cuidando delas uma a uma. Claro que não podia começar um novo ano sem elas! Abri-las foi uma desilusão...  tinha-as imaginado  com muitas partículas de ouro, mas não era o caso... o sabor? pois não sou muito fã de batatas aromatizadas... Mas nunca mais me esqueci delas. A experiência valeu por isso. Também pelo exotismo, é a influência cultural na escolha do que comemos. O gosto dos ingleses pelas batatas fritas com aromas, e sobretudo a enorme diversidade, as edições temáticas, sazonais, para todos os gostos e ocasiões sempre me deixam espantada. 

 

No início deste ano li um artigo sobre as batatas fritas com aromas, muito interessante. As batatas fritas com aroma têm cerca de 60 anos, as primeiras foram com queijo e cebola, as aromatizadas com vinagre surgiram  quase uma década depois. Depois foram surgindo cada vez mais sabores e mais invulgares.  Tantos são que há um inglês que colecionou mais de 8.000 pacotes de batatas fritas desde os anos 80.

 

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Segundo o artigo do The Guardian que referi:

No começo, diz a historiadora da alimentação Nadia Berenstein, especialistas do setor, pensavam em batatas fritas como batatas. Isso significava, explica ela, que os temperos iniciais imitavam os sabores que acompanhariam os pratos tradicionais de batata - sal e vinagre, queijo e cebola, e molho barbecue nos EUA. Embora os compostos químicos sintéticos para aromatização tenham sido desenvolvidos em meados do século 19, Berenstein diz que o setor explodiu após a Segunda Guerra Mundial com a invenção de um equipamento científico chamado cromatógrafo gasoso, ou GC.

 "O GC é uma ferramenta realmente poderosa para identificar os compostos voláteis que contribuem para os sabores", diz Berenstein. “Ser capaz de descobrir, isolar e identificar estes compostos antes da existência do GC levava muito tempo. Para estudar a química do sabor das maçãs, tinha que se começar literalmente com uma tonelada de maçãs e processá-las até obter um concentrado de alguns miligramas.” Pela primeira vez, a cromatografia em fase gasosa permitiu aos cientistas de alimentos entender rapidamente os compostos químicos responsáveis por sabores complexos, como o queijo.

 

E eu que nunca tinha associado o GC às batatas fritas com aromas... A relação entre a ciência e os alimentos abre de facto muitas perspetivas, muito há a explorar... 

 

Mas, voltando às batatas fritas, a diversidade e tipo de sabores foi variando, porque os consumidores também variaram, porque se tornaram mais aventureiros, porque o consumo de snacks aumentou porque as refeições são menos estruturadas e se tem que ser batata frita, pois que seja uma aventura e com estilo! Embora os sabores clássicos sejam os campeões de vendas que se mantêm ao longo do tempo, e outros vão e venham... Cada marca tem também o seu público alvo, por exemplo a Tyrrel´s, um produto mais caro, com consumidores com maior poder de compra e mais maduros, tem umas batatas com trufas entre os favoritos, mas as suas batatas com aroma a  bellini de framboesa foram um fracasso. Demasiado aventureiras para eles?

 

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E quem disse que batatas fritas de pacote são apenas batatas fritas de pacote, ou mesmo um produto menor? Há tanto conhecimento associado, não só ao desenvolvimento dos aromas, como os estudos de mercado, das preferências dos consumidores... Fascinante!

 

Já a parte final do artigo, quando a questão é se a diversidade de aromas tem tendência aumentar, pode ser um pouco perturbadora... Esperemos que não seja preciso chegar a este ponto.

“As mudanças climáticas mudarão a produção agrícola: as pessoas comerão menos carne, haverá disponibilidade finita de certos tipos de produtos ou pelo menos um custo mais alto para pagar”, diz ela. "Mas acho que, como o sabor é potente em quantidades muito pequenas, é uma das coisas que se poderá expandir". À medida que as nossas opções alimentares diminuem, argumenta Berenstein, os aromas artificiais podem tornar-se mais prevalentes para permitir incrementar as dietas limitadas.

"É mais fácil para mim imaginar uma mercearia distópica na mudança climática, cheia de batatas fritas perfeitamente incrementadas com proteína de grilo, em todos os sabores imagináveis, do que é para mim imaginar uma redução no número de oportunidades de sabores", diz ela.

 

 

02
Mai20

A complexidade da batata frita

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Há dias a minha filha mais velha ligou-me para falar de batatas fritas. Ela adora batatas, e procura sempre umas boas batatas fritas. Dizia-me que tinha ido ao supermercado, comprou as batatas indicadas para fritar, e que o resultado tinha sido a maior desilusão. Até o filho, que com cinco anos é também fã de batatas fritas, disse que não eram boas. Uns dias depois foi à frutaria, comprou as batatas que havia e saíram umas batatas fritas muito boas. Percebeu que o que aparece no supermercado como batatas próprias para fritar, para o gosto dela, não são apropriadas.

 

A conversa continuou com a influência cultural e dos hábitos na avaliação do que comemos. Ela referiu que anda sempre à procura das batatas fritas perfeitas, e quando as provas em Inglaterra são tão duras por fora que chega a ser desagradável, com um interior sem estrutura, quase oco, e muito sensaborão. Que o conceito de boa batata frita dela não é o dos ingleses (representadas na foto inicial deste post).

 

Falámos de batatas cerosas e farinhentas. Disse-lhe que as batatas fritas que os ingleses gostam, e que ela descrevia, são feitas com batatas farinhentas, e que as que ela gosta são feitas com batatas intermédias ou cerosas. Ficam com um interior mais resistente, cremoso e saboroso. Concluímos que ela não gosta de facto de batatas farinhentas, pois em geral também não gosta das baked potatoes, omnipresentes no UK, e que eu adoro (quando lá estava tinha sempre congeladas e umas latas de baked beans para uma refeição rápida de uma comida conforto). Estas também são feitas com batatas farinhentas. Falámos nas diferenças dos purés feitos com ambas, do famoso puré do Joel Robuchon, que tenho a certeza que ela adoraria, feito com batatas Ratte que são cerosas, e dos purés fofos feitos com batatas farinhentas. Disse-lhe que em tempos tinha escrito num outro blog um conjunto de posts sobre batatas e sugeri que lesse um deles sobre as formas de cozinhar batatas

 

No dia seguinte peguei na revista Olive de Janeiro deste ano (quando o mundo era outro...) e tinha duas páginas sobre a batata frita perfeita e a forma de a conseguir (disponível aqui). Adoro estas coincidências! Tirei umas fotos às páginas da revista e mandei-lhe para ela ver a complexidade do processo para conseguir tudo o que ela não gostava, até as polvilham com fécula de batata antes da segunda fritura.

 

Numa noite de insónia resolvi googlar sobre batatas fritas e encontrei dois testes muito engraçados, num comparavam batatas assadas feitas com batatas cerosas e farinhentas, noutro a comparação era de batatas fritas com batatas farinhentas, cerosas e intemédias. Gostos pessoais, nalguns casos culturais, mas as cerosas ganhavam sempre!

 

Dois dias depois ligou-me a minha outra filha, ia fazer batatas fritas e lembrou-se que eu as faço por um processo diferente do habitual e vinha perguntar como era. Muito simples... cortar em palitos, passar por água e secar, pôr na frigideira, cobrir com óleo frio e aquecer em lume médio. Com cuidado mexer de vez em quando para que as do fundo não queimem. Quando estão já "cozidas" subir a o lume e deixar corar. Vi há muito, não sei onde, este processo, experimentei e nem quero usar outro, suja menos o fogão e as batatas ficam bem melhores. Disse que ia experimentar, mas que a frigideira era pequena e não conseguia fazer todas de uma vez, experimentaria o "meu" processo e depois, com o óleo já quente, o processo normal. Passado um bocado recebi uma mensagem que dizia "O teu método ganhou! Foram as que ficaram melhores.".

 

Se alguém pensava que fazer batatas fritas era simples, pois que tire daí a ideia! 

 

 

Foto incial do artigo da revista Olive.

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