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Assins & Assados

Assins & Assados

25
Jul25

Uma conversa sobre gastronomia - leve, irreverente, com humor e também seriedade

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Há dias fui assistir à gravação, ao vivo, do programa de rádio The Kitchen Cabinet - BBC Radio 4, que é apresentado/moderado por Jay Rayner. O programa discute aspetos relacionados com alimentos e cozinha, de uma forma leve, irreverente e com algum sentido de humor, mas com seriedade. É gravado em locais diferentes do UK, em salas de espetáculos e com público, sendo os bilhetes gratuitos. Já tinha assistido a algumas gravações online, na altura da pandemia, mas há muito voltaram a ser ao vivo.

Há um tema base, um painel de 4 pessoas, em geral peritos de alguns assuntos relacionados com alimentos e alimentação, e pessoas de alguma forma ligadas à gastronomia. O público, se quiser, põe por escrito algumas questões, que Jay Rayner lê antes do início do programa e escolhe as que acha mais interessantes e pertinentes, tendo em conta o tema principal do programa.

No painel estavam:  Annie Gray, especialista em história da alimentação e da gastronomia desde o início do séc. XVII até actualidade; Zoe Laughlin, engenheira de materiais e designer que cria explorando aspetos relacionados com arte e ciência; Tim Hayward que escreve sobre gastronomia, e cria e apresenta vários programas de rádio com temas de ciência e natureza, e é proprietário de um pastelaria centenária em Cambridge, a Fitzbillies; e Angela Gray que tem uma escola de cozinha e é autora de vários livros.

O programa de ontem foi gravado em Chipping Campden nos Cotswolds, onde viveu e trabalhou o designer Robert Welch, e onde se localiza a empresa Robert Welch  que, entre outras coisas, produz talheres, facas e outros equipamentos para cozinhas. Estava presente uma representante da empresa e parte dos assuntos discutidos estava relacionado com talheres, a sua evolução (exposta de forma sintética pela historiadora Annie Gray), os materiais de que são feitos e o impacto nos alimentos (comentado por Zoe Laughlin que é co-autora de um trabalho de investigação nesta área e durante o doutoramento estudou como os materiais impactam no sabor); talheres de peixe, a razão da sua origem e se se justificam (lembrei-me do Virgílio Gomes, até porque o painel tinha todo mais ou menos a mesma opinião que ele tem), e qual a diferença entre comer com talheres ou com as mãos. Foi bom ouvir, recordar (até porque falei de muitos destes assuntos ao longo dos anos nas minhas aulas) e aprender novas coisas.

Uma outra questão de uma pessoa do público estava relacionada com produtos que intensificam / melhoram o sabor dos alimentos. Depois de constatar que o cravinho melhorava bastante o sabor dos pratos com banana (aparentemente o cravinho realça e confere profundidade ao sabor da banana, tornando-o mais aromático e quente, enquanto que a banana atenua o sabor do cravinho, criando uma grande harmonia de sabores), perguntava que outras coisas usavam para intensificar o sabor de alimentos. Foram referidos, entre outros, o sal, a paprika fumada (em quantidades suficientemente pequenas para não se sentir quase o sabor, mas intensificando outros) e o tomate. Se me perguntassem, eu diria MSG, um dos responsáveis pelo gosto umami (de que já falei Aqui e Aqui), e fiquei contente quando a última pessoa (Annie Gray) o referiu. Perante alguma reação do público, e até do painel por ser "um químico", explicou que ocorria naturalmente, que tinha em casa MSG em pó, mas se não quisessem usar dessa forma poderiam, por exemplo, usar as cascas do parmesão, muito rico em componentes que conferem o gosto umami. Não será esse também um dos segredos do tomate? Acho que sim, assunto que recentemente tratei num outro post

Foi muito interessante assistir à gravação do programa e a todas estas discussões. Esta referência ao MSG e ao gosto umami até me deu, acho que boas, ideias para um outro post...

 

1ª Foto - Adaptado DAQUI

 

20
Jul25

Peach & Apricot | Pastel de Nata : não parece, mas é uma cerveja!

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Há dias, nas redes sociais de um loja / bar de cervejas artesanais do bairro em que vivo no Reino Unido, divulgaram uma cerveja com sabor a Pastel de Nata, de facto a um conjunto mais complexo de sabores - Peach & Apricot, Pastel de Nata.

 

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Gostei da embalagem, gostei de ter "Pastel de Nata" escrito em português. Vi que era produzida por uma cervejeira escocesa, a Vault City Brewing, em colaboração com a cervejeira portuguesa Dois Corvos. Apesar de ter sérias dúvidas de que fosse a minha praia, não podia deixar de experimentar. Aliás, estava mesmo muito curiosa!

 

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Pela informação na lata, vi que era uma Modern Sour Beer, e eu não fazia a menor ideia do que isso era, portanto, antes de provar, tinha que entender algumas coisas...

Algumas pesquisas e fiquei a saber que sour beer é um estilo de cerveja caracterizado por ter teores de acidez mais elevados do que a generalidade das outras cervejas, em que predominam os gostos doce e amargo.

Aparentemente, antes de pasteurização e esterilização, a maioria das cervejas eram relativamente ácidas, mas com a industrialização dos processos de produção passaram a ser menos ácidas. Contudo, quando começaram a surgir mais cervejeiras artesanais que adotaram métodos de fermentação tradicionais, este tipo de cervejas começou a despertar grande interesse. As sour beer podem ter características muito variadas, desde muito cremosas, a leves e frutadas, mas o que é comum a todas é a utilização de uma variedade bactérias e leveduras selvagens (por exemplo, as bactérias Lactobaccilus e Pediococcus são responsáveis pela produção de ácido lático que confere acidez, e a levedura Brettanomyces acrescenta notas terrosas e outros aromas e sabores menos comuns). 

Tendo as leveduras selvagens uma "personalidade própria", e por vezes imprevisível, os processos de fermentação e maturação podem ser muito longos (meses e até anos), resultando em grande profundidade de sabor, mas dificultando a obtenção de resultados e qualidade consistentes. Várias destas cervejas incorporam fruta que, introduzindo algum doce, equilibra a acidez e aumenta a complexidade de sabor.

Em países como a Bélgica, a Alemanha, os EUA e o Reino Unido, este estilo de cerveja foi aperfeiçoado e apostaram também na inovação, sendo exemplos as Lambics, Gose, Berliner Weisse e interpretações artesanais contemporâneas - as Modern Sour Beers.

A Vault City Brewing, que produziu esta cerveja, é a maior produtora de sour beer do Reino Unido. Através de um processo de experimentação muito sistemático e aprofundado, aperfeiçoou uma mistura de leveduras e bactérias que permitem obter sour beers com um processo de fermentação rápido e consistente, tendo ainda associado a isso equipamento moderno e um grande controle da fermentação. Este aperfeiçoamento técnico permitiu que se dedicassem a combinações mais arrojadas e originais - Modern Sour Beers - com foco em sabores frutados, obtidos introduzindo frutas durante a produção. Achei curiosa a diversidade de Modern Sour Beers que disponibilizam que, segundo eles, têm aromas, sabores e cores marcantes.

Cervejas que promovem, para além da modernização, uma maior diferenciação de produtos com o intuito de despertar o interesse dos consumidores e satisfazer (ou mesmo criar) as suas necessidades. Dizem que as Modern Sour Beers,  não sendo tão doces como os refrigerantes, nem tão amargas como muitas cervejas, permitem relaxar sem o peso que caracteriza grande parte das cervejas de sabor mais encorpado.

Estava na hora de experimentar a minha Modern Sour Beer de Peach & Apricot e Pastel de Nata. Fi-lo no jardim, numa tarde de sol e calor pouco habituais por estas paragens (quase 30 ºC). Uma cerveja espessa, levemente cremosa, com uma cor amarelo alaranjado e um cheiro pouco habitual, como dizia a Alice (6 anos) cheirava a bolos, um sabor que de início estranhei, mas a que me fui habituando...

 

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Conclusões... gostei de provar, gostei de aprender tudo isto. Mas, tal como suspeitava, não é a minha praia...

 

 

16
Jul25

Os sabores límpidos e bem definidos do Turvo

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Estava em casa, a hora do jantar aproximava-se e não estava com muita vontade de sair, e ainda menos de cozinhar. Pior que isso, apetecia-me algo bom. Entretanto, meio entediada, ia fazendo scrolling no telemóvel e nesse processo, frequentemente inútil e uma perda de tempo, surgiu a solução. Um restaurante novo de que ainda não tinha ouvido falar, o Turvo do Vasco Lello, literalmente a três minutos de minha casa. Nem perdi tempo, saí de casa e fui tentar a minha sorte. Tudo marcado... mas havia uma mesa que só estava reservada para daí a uma hora. Comprometia-me a sair? Claro que sim, se nesse espaço de tempo me dessem de comer. E assim foi!

 

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Gamba rosa, brioche tostado

 

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Escorcioneira braseada, molho de gema

 

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Crudo de lírio, batata doce, alcagoitas

 

Gostei muito do que comi, da simpatia com que me receberam e, ainda mais, de ter o Turvo quase à porta de casa. Tinha combinado um jantar para o dia seguinte, e ainda não tínhamos decidido onde ir. Quando saí deixei marcada uma mesa para duas pessoas.

Repetimos a gamba rosa com o brioche tostado, que me tinha sabido maravilhosamente na véspera.

 

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Escolhemos um conjunto de outros pratos e acompanhámos com um vinho branco da Península de Setúbal, o Serra Mãe Sauvignon Blanc 2023.

 

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Croquetes de pato

 

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Berbigão, beurre blanc, cebolinho

 

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Cachaço de porco confitado, guisado de feijão maduro

 

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Pudim d'ovos

 

Gostei tanto quanto tinha gostado na véspera, ou mesmo mais. Combinações nem sempre óbvias, alguns ingredientes menos comuns. Acho que nunca tinha comido um feijão assim, pelo que entendi do que o Vasco Lello me disse, é um feijão maduro, mas que não foi seco. Compra-o no Mercado de Arroios. Falámos dos mercados e em particular do de Arroios que cada vez tem menos bancas. Lembro-me bem dele cheio de vida... mas o mundo mudou, a vida e os gostos também, e a forma como compramos, e o que compramos, não podia passar ao lado desta mudança. 

O espaço que o Turvo ocupa também era de um pequeno restaurante de bairro, talvez uma taberna, mas nunca tinha subido a rua até ali, nunca lá fui durante as já algumas décadas em que ali vivo. Também neste caso, tal como nos do anterior post, os donos se reformaram e não havia quem desse continuidade. O Vasco Lello ficou com o espaço, fez uma pequena intervenção para o tornar mais adequado para o seu projeto. Ao contrário das duas tascas referidas no post anterior, aqui o objetivo não foi dar continuidade em termos da oferta gastronómica, mas sim oferecer uma cozinha  de autor, uma cozinha criativa com base nos nossos produtos e na nossa gastronomia.

Objetivo atingido, boa comida, um ambiente simpático e descontraído e preços razoáveis. Votarei sempre que estiver em Lisboa.

 

A foto do berbigão foi "roubada", porque me esqueci tirar, mas já não sei de onde.

 

Turvo - R. José Acúrcio das Neves 18a, Lisboa

 

 

12
Jul25

Tabernas adaptadas aos tempos atuais - Tasca Zebras e Vida de Tasca

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Um artigo da Visão sobre sobre as Novas Tascas de Lisboa despertou-me o interesse para conhecer algumas delas. Frequento bastante a Taberna os Papagaios, que tenho a sorte de ser muito perto da minha casa, e também a sorte de conhecer bem o Joaquim Saragga Leal, desde os tempos em que ainda não era taberneiro, mas já estava a planear sê-lo e a amadurecer a ideia do que pretendia fazer. Há quem considere que o Joaquim, com a Taberna Sal Grosso, que abriu há cerca de 10 anos em Santa Apolónia, de certa forma iniciou uma nova tendência, a das novas tascas / tabernas.

O mundo muda, a vida e os gostos também, e a forma como comemos, e o que comemos, não podia passar ao lado desta mudança. Para além disso, os clientes são muito diversos. Sendo uma tasca / taberna um estabelecimento que vende comidas e bebidas a preços acessíveis, popular e onde se pode fazer uma refeição ou petiscar enquanto se convive, tem todo o sentido que surjam novas tabernas, adaptadas aos tempos e aos públicos atuais, que não reproduzam, ou sejam uma continuidade, das que existem há algumas décadas. Contudo, estas são importantes, desempenharam / desempenham um papel relevante na nossa cultura gastronómica, mas os donos de muitas começam a reformar-se e a sua continuidade fica por vezes em causa. Isto é frequentemente visto como uma perda, mas o mundo é feito de mudança... e continuarem no mesmo formato e com as mesmas características pode ser inviável, ou não fazer mesmo sentido para quem vai ocupar o espaço em que existiam, ou para os novos potenciais clientes. Assuntos complicados... 

Li que duas delas, em que os donos se reformaram, foram adquiridas por pessoas que as frequentavam e que decidiram dar-lhes continuidade, sem mudar profundamente as características. Tive curiosidade em ir ver como o fizeram.

Fui almoçar à Tasca Zebra, na Calçada do Combro, em que, segundo tinha lido, o objetivo de Márcio Duarte foi conservar a alma da anterior Zebras do Combro, mas adaptando-a aos novos tempos e públicos. As características principais do espaço,  foram mantidas, mas melhoradas. Os azulejos azuis continuam a revestir as paredes, penso que o balcão e as prateleiras são os originais, mas introduziram um espelho no teto que confere uma perceção diferente do espaço, ventoinhas no teto e alguns detalhes da decoração.

 

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Ao entrar, senti-me num espaço familiar, no ambiente de uma tasca, mas mais atual. Acho que estes objetivos foram atingidos.

Quanto ao que se come, a oferta é de cozinha tradicional portuguesa, sendo até a cozinha liderada por uma pessoa da equipa anterior.

 

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(imagem retirada do Instagram da Tasca Zebras)

 

Os preços, um pouco mais altos, já não acessíveis a todos. Mas, sendo muito perto do Chiado, em que o tipo de pessoas que frequenta a zona mudou muito, e há muitos estrangeiros, acredito que uma refeição na Tasca Zebras permite um contacto com componentes importantes da nossa cultura gastronómica. No dia em que fui quase todas as mesas estavam ocupadas, tanto quanto me apercebi nenhuma das pessoas, exceto eu, era portuguesa. Li que os portuguesas a frequentam principalmente ao jantar.

 

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O menu tinha 15 opções de entradas / petiscos, todas muito atraentes. Mas estava com muitas saudades de uns rissóis, ainda por cima de berbigão... Foi impossível resistir!

 

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No pratos principais, há poucas opções de carne (apenas duas), mas quase uma dúzia de peixe e marisco. Optei por um Arroz de Polvo Malandrinho.

 

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Muito saboroso, com muito polvo. Soube-me muito bem!

Senti-me bem na Tasca Zebras, gostei do que comi, e do que vi no menu e que não comi. Acho que fizeram um excelente trabalho mantendo bem o ambiente, e oferecendo uma cozinha tradicional portuguesa de qualidade. Espero que tenha uma vida longa e que eu tenha oportunidade de voltar.

 

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No dia seguinte o almoço foi na Vida de Tasca. Numa zona da cidade com características muito diferentes, um bairro residencial entre a Avenida de Roma e a Avenida dos EUA, onde dificilmente se passa à porta. Ou se vive ou trabalha por ali, ou as pessoas têm que se deslocar para ir ali almoçar ou jantar. No dia em que fui o restaurante estava completamente cheio e, tanto quanto me apercebi, os clientes eram todos (ou quase todos) portugueses. 

O espaço tinha sido ocupado durante quatro décadas pela Casa Alberto, e Leonor Godinho decidiu dar-lhe continuidade sem fazer grandes alterações. Dá a sensação que os anteriores donos saíram e esta equipa entrou. É uma opção, mas senti a falta de uma "lavagem de cara" e de um pouco mais de cuidado com a decoração do espaço.

 

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A oferta é menos ambiciosa, e diria que mais semelhante à de uma tasca com as características que esta tem. Um conjunto de opções bastante mais curto, meia dúzia de carnes e peixes na grelha, quatro pratos fixos, e mais dois pratos do dia que variam. Para entradas, basicamente o couvert habitual nestes espaços, queijo, chouriço assado e alguns salgadinhos. Aqui, tal como na Tasca Zebras, a ideia não é partilhar pequenos pratos, ambas oferecem refeições no formato tradicional. Os preços são bastante em conta na Vida de Tasca, paguei pouco mais de 20 euros, ou seja quase metade do que tinha pago na véspera por um conjunto de pratos com características semelhantes.

Comecei com um Croquete de Carne e para prato pedi uma Açorda de Garoupa.

 

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Gostei bastante da Açorda, muito saborosa, e gostei também que o croquete chegasse com a mostarda. Já não gostei tanto da Baba de Camelo que pedi para sobremesa, que estava demasiado líquida, é preciso melhorar a técnica...

Acredito que mantiveram uma continuidade relativamente ao espaço anterior, embora tenha curiosidade em saber se atraem os clientes que frequentavam a Casa Alberto. Como referi, senti necessidade de alguma intervenção que melhorasse o espaço, embora tenha havido a preocupação de manter as características, esta equipa vive numa época diferente e tem uma cultura diferente, assim como os clientes que ali vi. É, contudo, de realçar o facto de terem mantido preços muito acessíveis.

Dois espaços com características bem distintas. Dois casos em que se pretende manter o espírito das tascas originais, que possivelmente eram já bem diferentes entre si. Em que as opções a tomar refletem as localizações de ambas e o público alvo.   

Curiosamente dois ou três dias depois fui jantar a um outro restaurante que abriu numa tasca de bairro que fechou, também devido aos donos se terem reformado. Na mesa ao lado da minha estava a jantar a Leonor Godinho da Vida de Tasca. Um restaurante com características bem diferentes das destes dois, mas fica para outro dia...

 

Tasca Zebras - Calçada do Combro, 51 - Lisboa

Vida de Tasca - Rua Moniz Barreto, 7 - Lisboa

 

 

05
Jun25

Purity da AWKI, um chocolate único e especial

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Há dias chegaram os chocolates de maio da minha subscrição da Cocoa Runners. Abri a caixa com a curiosidade e o entusiasmo habituais. Contudo, desta vez, quando li a descrição dos chocolates no desdobrável que os acompanha e, sobretudo, quando peguei e li com atenção a embalagem de um deles, percebi que o Purity da AWKI era um chocolate único e muito especial. 

A embalagem dizia 100% Cacao Solids.  Já experimentei vários chocolates 100%, uns mais fáceis de comer e outros menos, não são chocolates para todos os gostos, mas este era diferente. O que me deixou curiosa e intrigada foi a embalagem também dizer Dark Chocolate Sweetened with Cacao Mucilage e a  lista de ingredientes ser: Cacao Paste | Cacao Butter | Cacao Pulp | Cacao Nibs. Nunca tinha comido um chocolate em que a mucilagem  do cacau fosse usada. Há uns anos tinha provado uma bebida à base de polpa de cacau, mas desconhecia completamente o seu uso para adoçar chocolates. 

 

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No fruto do cacaueiro as sementes, que são fermentadas e processadas para fazer o chocolate, estão cobertas pela polpa do fruto cujas características variam, mas em geral tem um sabor doce, ácido e frutado, com notas de frutos tropicais. Esta pode até ser prensada para fazer sumo de cacau. No caso do Purity, esta polpa, depois de removida e liofilizada, foi usada para adoçar o chocolate e lhe conferir uma acidez muito agradável e aromas frutados bem evidente.

Quando abri a embalagem e parti o chocolate, os aromas a frutos tropicais revelaram-se de imediato. Depois, na boca havia um equilíbrio perfeito entre o doce, o ácido, as notas vegetais e a frutos secos do chocolate, e os aromas frutados. O chocolate é suave, mas os nibs de cacau influenciam a textura e funcionam também como que encapsulando o sabor do chocolate, tornando a experiência de degustação menos homogénea.  Delicioso!

A AWKI,  a pequena empresa que produz este chocolate é muito recente, foi fundada em 2020 por Nathalia Padillia Pino,  uma engenheira do ambiente do Equador. Como tal, não é de estranhar que em todos o aspetos envolvidos na produção destes chocolates, com cacau produzido no Equador por pequenos produtores, a sustentabilidade seja uma preocupação.

 

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O nome AWKI para a comunidades indígenas do Equador é usado para referir um Espírito Protetor que acreditam que vela por eles. Esta empresa tem também como objetivo proteger toda a cadeia de valor do cacau, incluindo capacitar os produtores para produzirem um produto de qualidade, em melhores condições e com mais dignidade.

O chocolate era excelente e único, a emoção criada por estar a desfrutar de um chocolate raro e quase inacessível tornavam-no ainda mais especial.

 

01
Jun25

Boubou's - o menu Florescer que encanta com a diversidade de formas, texturas, aromas e sabores

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Fomos ao Boubou's num jantar de domingo, a sala não estava cheia, mas quase, e acho que todas as pessoas, para além de nós, eram estrangeiras.

Tinha estado no Boubou's quase exatamente seis anos antes (apenas três dias de diferença). Tinha a noção de que a cozinha tinha mudado muito, mas não sabia de facto o que a Chef Louise Bourrat estava a fazer.

Ficámos na sala / pátio cheio de plantas, onde tinha jantado seis anos antes. Dias antes tinha sido lançado um novo menu, o Florescer,  e foi por esse que optámos (7 momentos). Um menu que celebra a Primavera, com a renovação e diversidade que a caracteriza, através dos produtos usados e da variedade de cores, formas, aromas e sabores.

Começou por nos chegar um conjunto de três pequenos pratos.

 

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Atum | Kumquat | Sabugueiro

 

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Mexilhão | Açafrão |Limão Fermentado

 

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Couve-flor | Vadouvan |Caviar

 

A filhós de forma, que apela às nossas memórias e tradições, tem sido servida por vários chefs e é sempre interessante ver como é usada em cada caso, com diferentes ingredientes e sabores. Abordagens que refletem sempre as memórias e percurso de vida de quem cria o prato. Aqui com couve-flor temperada com Vadouvan (uma mistura de temperos da cidade indiana de Pondicherry, que esteve sob domínio francês e onde, ainda hoje, se sente a influência desta cultura) e com a complexidade, riqueza de sabores e luxo do caviar. Foi o último destes pratos que comi, comecei pelo atum, mais suave e delicado. No mexilhão, interessante o detalhe de se comer também a (falsa) casca. Um bom começo!

O pão, feito no restaurante, era delicioso e vinha acompanhado de uma manteiga artesanal fumada e flor de Szechuan.

 

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O prato seguinte era lindíssimo, e delicioso, e as flores estavam presentes de várias formas.

 

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Sapateira | Gerânio | Caviar

 

Gostei muito da frescura e delicadeza do prato de espargos, complementado com um molho muito guloso!

 

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Espargos | Kumquat | Sabugueiro

 

Quando chegou a hora do prato de peixe, como nos foi dito, em Portugal tinha que ser bacalhau.  Este chegou acompanhado de um molho pil-pil e de vegetais que não são as suas companhias habituais, mas que lhe davam elegância e frescura.

 

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Bacalhau | Ervilhas | Alho dos Ursos

 

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Borrego | Flor de Courgette | Alface Iceberg

 

Um excelente prato de carne também. Gostei muito da flor de courgette recheada.

Sugeriram-nos que antes das sobremesas comecemos o queijo de cabra com abóbora, não incluído no menu. Quando chegou à mesa surpreendeu-nos, era bem diferente do que esperávamos. Muito bonito! Penso que vinha de menus anteriores, tinha um ar mais outonal do que primaveril, mas integrava-se bem e valeu mesmo a pena experimentar.

 

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Valençay | Abóbora | Mogno Chinês

 

Chegou então a hora das sobremesas.

 

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Ruibarbo | Flor Azul de Mariposa | Algodão Doce

 

Na mesa era regada com o chá de flor azul de mariposa que, em contacto com os outros elemento da sobremesa, e devido à sua acidez, mudava de cor.

 

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A última sobremesa era inspirada o arroz doce que a Mãe, portuguesa, de Louise Bourrat fazia.

 

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Arroz Doce | Yuzu | Jasmim

 

Terminámos a refeição com um chá acompanhado das mignardises, enquanto púnhamos a conversa em dia. É claro que o que comemos também foi um dos assuntos abordados.

 

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Foi um jantar excelente, uma refeição que, tal como a Primavera, também contribuiu para nos renovar, e nos encantar com a riqueza de formas, texturas, aromas e sabores. Para isso também contribuiu o serviço, muito atento, disponível e simpático.

Para mim foi incrível testemunhar a forma como a cozinha de Louise Bourrat evoluiu nos últimos seis anos. Certamente o resultado de muita reflexão, muito trabalho e uma busca muito ativa da forma como vê e exprime a sua cozinha.

 

Depois de ter visitado uma sequência de bons restaurantes, não pude deixar de pensar na excelente forma da cozinha em Lisboa. A variedade de tipos de restaurantes, as diferentes abordagens dentro de cada um deles, que refletem personalidades e percursos de vida diferentes, resultam numa oferta muito diversa, criativa e de excelente qualidade.

 

Boubou's

Rua do Monte Olivete, 32A,  Lisboa

 

 

 

 

28
Mai25

Um sorriso e um pouco mais de cuidado, e tudo me tinha sabido melhor

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Há em Birmingham um restaurante, 670 Grams, que tinha curiosidade em visitar. Tinha ouvido boas referências, e é recomendado pelo Guia Michelin. Como muitos restaurantes aqui, até com estrelas Michelin, tem menus com preços mais acessíveis ao almoço e, de facto, até preferia ir ao almoço. Neste caso, os pratos servido são alguns dos do menu mais extenso do jantar (optei pelo menu com 5 pratos a 50 £). 

Há umas semanas marquei para uma quinta-feira ao almoço. Como acontece em muitos restaurante por aqui, a marcação envolve o pagamento do valor integral do menu. Vinho e outros extras pagam-se depois da refeição.

Marquei, paguei e cinco minutos depois o meu telefone tocou. Era do restaurante. Lamentavam, mas apesar de terem aceite a marcação não era possível receberem-me na quinta feira. Sugeriram que fosse almoçar no sábado. Tinha compromissos que não podia alterar para sábado, disse que era impossível, perguntei se não poderia ser sexta (em que o restaurante também estava aberto ao almoço). Disseram que me conseguiam acomodar na sexta. Desliguei e comentei com a minha filha que achava que eles não tinham mais marcações na quinta e por isso me estavam a mudar para sábado. Assim evitavam lá ir só por mim. Antes de sair para o almoço disse que tinha a sensação que não ia estar mais ninguém no restaurante na sexta também.

Cheguei um pouco antes da hora marcada e andei por ali a passear. O restaurante é numa antiga zona industrial, em que foram construído alguns edifícios novos ao lado de outros recuperados, ou não, alguns com muitos grafittis.

 

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Há  cafés. lojas e  zonas onde organizam feiras e exposições. Fui lá algumas vezes, em geral ao fim de semana, em que há muita gente. Naquele dia havia muito pouca gente e muitas lojas estavam fechadas. A sensação de que ia estar sozinha no restaurante tornou-se ainda mais forte.

Entrei, e a sensação tornou-se realidade. Tudo bem! Não tenho nenhum problema em estar sozinha num restaurante e não era a primeira vez que acontecia. Receberam-me no bar, em que as paredes estavam decoradas com graffitis, como aliás o resto de restaurante, quase tudo em preto e branco.

 

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Pediram-me que subisse para o primeiro andar.  Sentaram-me numa mesa perto do balcão da cozinha. De facto a mesa que é recomendada no Guia Michelin: ask for a spot on the mezzanine level opposite the open kitchen. A foto seguinte mostra o que via da mesa, e atrás do balcão estava o Chef. O chefe de sala entrava e saía de vez em quando pela porta do Ghost Train. Estávamos apenas os três no restaurante.

 

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Como era logo no topo da escada, nem percebi onde era a outra sala que tinha visto em fotos.

 

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Interroguei-me sobre qual a razão que os levaria a abrir à quinta e sexta ao almoço se não tinham clientes. Perguntei-me se valia a pena estarem ali os dois para me darem um almoço de 50 £. Tive a sensação de que estavam contrariados. O chefe de sala simpático, mas parecia em piloto automático, cara nº X, sorriso e conversa repetidos muitas vezes. Pode até ser que me engane, mas foi o que senti. Do outro lado do balcão, o Chef, que não olhava para mim que estava mesmo em frente dele. Era como se estivesse ali sozinho. Fui olhando à volta e questionando-me se aquela era a decoração ideal para um restaurante deste (e eu até gosto destas coisas), se criava um ambiente acolhedor. Tive dúvidas.

A comida foi chegando...

 

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The Brummie Welcome - soup & cake

 

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Wye Valley Aspargus - grapes, wild garlic burnt crust

 

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BBQ Hispi - togarashi, smoked butter, capers

 

e levantando a couve...

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Só faltavam dois pratos e o chef ainda não tinha sequer olhado para a mesa em que eu estava, a menos de dois metro dele, muito menos sorrido. O chefe de sala entrava e saía do comboio fantasma quando era necessário.

 

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Ethical Game Venison - black fig, massaman curry, chai milk bun

 

E de repente... Milagre! O chef põe um sorriso na cara e sai da cozinha com a sobremesa. E até deu dois dedos de conversa!

 

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1926 - Pedro Ximénez, raisins, almonds, Mayan Red

 

Mais do que isso... Pedi um café e ele veio também trazer um pequeno bolo de cenoura.

Mal acabei de beber o café, puseram-me a conta em cima da mesa para pagar quando quisesse. Não era preciso mandarem-me embora assim... Paguei logo!

A perceção que temos do que comemos depende de muita coisa para além do que está no prato. Os pratos eram bonitos e, em geral bons, alguns tinham coisas que podiam ser melhoradas, mas é o normal... Acho que tinha gostado bem mais sem a sensação, talvez infundada, de que era melhor eu não estar ali. E até é compreensível que achassem isso, mas então não aceitem marcações. Fechem ao almoço à quinta e sexta, tivessem-me dito que na sexta também não dava, que me devolviam o que já tinha pago e tinham todo o gosto em me receber noutro dia.

Um ou dois sorrisos durante o almoço, um serviço menos a despachar, não lhes tinha dado mais trabalho. Não sei se noutra situação voltava, talvez não, mas com tudo isto não vou voltar de certeza!

 

22
Mai25

Inacreditável! Mas pouco havia nas prateleiras do supermercado.

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Há dias entrei no supermercado do meu bairro aqui no Reino Unido e foi assim que encontrei as prateleiras dos produtos frescos. Corredores inteiros assim. Nos outros produtos notava-se menos, mas havia muitas faltas também. Dá que pensar... Há muito que tomamos por garantida a disponibilidade de alimentos e ver isto abalou-me um pouco.

Sempre gostei muito de ir a supermercados, mercados, e lojas de comida. Mas hoje a conversa é sobre supermercados. Lembro-me muito bem de nos anos 1960 ir a um dos primeiros supermercados que abriu em Lisboa, era na Avenida dos EUA  junto ao café Luanda. Na altura vivia na Beira Baixa e vinha com os meus Pais de tempos a tempos a Lisboa, lembro-me de no regresso passarmos por ali para comprar algumas coisas impossíveis de obter na pequena vila onde vivíamos. Numa busca sobre os primeiros supermercados em Lisboa, vi que o primeiro, da empresa de Supermercados Modelo, abriu em 1961, o Supermercado Saldanha. Este, de facto, era pouco mais do que uma mercearia um pouco maior e melhorada, mas com o inovador conceito de livre-serviço. Aquele a que me lembro de ir também abriu em 1961, dois dias antes do Natal, com o nome de Supermercado JAL, mas possivelmente seria também dos Supermercados Modelo.

Lembro-me também da primeira vez que entrei num hipermercado, foi em 1986 em Marselha, num Carrefour. Nunca tinha visto tanta variedade num só local, impressionaram-me as mais de 40 caixas registadoras. Em Portugal havia já um  hipermercado, o Continente de Matosinhos que abriu em 1985, mas o primeiro em Lisboa, o Continente  da Amadora, só abriu portas em julho de 1987.

Formas de fazer compras que demoraram tempo a chegar a Portugal. Nos EUA, o primeiro supermercado com livre-serviço abriu em 1916, o Piggly-Wiggly supermarket. O conceito foi copiado por outras empresas e no final dos anos 1930 já eram comuns por todo o país.

Na Europa, e particularmente em Inglaterra, só chegaram depois de II Guerra. A escassez de mão de obra e o racionamento, tinham obrigado a repensar a forma como se faziam compras, e tinham sido feitas algumas experiências em pequena escala. Na origem da abertura do primeiro supermercado esteve o movimento cooperativo, que sempre teve uma posição de vanguarda na forma de modernizar o sistema. O primeiro supermercado abriu em Janeiro de 1948 em Londres, um supermercado Co-op (a mesma cadeia do do meu bairro). Um acontecimento que, como já tinha sido o caso nos EUA, revolucionou a forma de fazer compras. Apesar de algumas reticências iniciais dos consumidores, que achavam confusa a até um pouco assustadora esta forma de comprar, quase sem relacionamento pessoal com os empregado das lojas, acabou por ser bem aceite dado que havia uma maior variedade de produtos expostos, mais baratos e porque permitia compras mais rápidas. Três anos depois da abertura da primeira loja, em 1951, já havia 604 supermercados Co-op inteiramente com livre serviço. Contudo, imediatamente outras empresas seguiram o mesmo caminho, tendo algumas também aberto lojas ainda em 1948, curiosamente as mesmas que hoje existem por todo o lado - Tesco, Marks & Spencer, Sainsbury's, Waitrose, Morrisons e Asda. Tudo foi evoluindo, a arquitetura dos supermercados, a quantidade e o tipo de produtos à venda, e até o tamanho e tipo de lojas, consoante a localização. Estes foram-se adaptando a novas formas de vida, tendo cada cadeia as suas características próprias e o seu público alvo.

Li algures, há muitos anos, que os supermercados ingleses eram os mais evoluídos e os melhores do mundo. Não sei se eram, mas eram muito bons. Se eu em qualquer sítio que visito gosto sempre de entrar em supermercados e mercados, em Inglaterra, onde vinha muitas vezes, não falhava nunca. Ia a vários, de várias cadeias. A maturidade que já tinham atingido relativamente ao que acontecia em Portugal, e a inevitável diferença nos produtos disponíveis, fascinavam-me. Em Portugal também foram evoluindo e neste momento se calhar a diferença já não é assim tanta.

Confesso que o que vi nos supermercados, quando aqui cheguei depois do Brexit e da pandemia, foi um choque. Muitos produtos faltavam e havia menos cuidado na exposição. Muitas prateleiras vazias, cheguei a ver imagens de frutas e vegetais a cobrir prateleiras onde eles deviam estar. Por vezes até tirava fotos. Estas que se seguem foram tiradas em 2023, e era mais ou menos comum encontrar prateleiras assim.

 

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A recuperação foi lenta. As coisas melhoraram, mas nunca voltaram a ser o que eram antes... Muito longe disso!

Agora surgiram outros desafios com que lidar. Este mês houve ciberataques ao Marks & Spencer e Co-op. Visam essencialmente as centrais de compras e distribuição. De um dia para o outro as prateleiras voltaram a ficar completamente vazias.

 

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Tem havido boa comunicação. Como tenho o cartão do supermercado, cerca de duas vezes por semana tenho recebido emails do CEO a atualizar sobre a situação. Uma situação complexa... aconteceu há três semanas e, se bem que já esteja tudo melhor, está ainda longe da normalidade. Que já não era muito normal... 

Há uns meses houve outro ataque a este supermercado. Durante a noite foi roubado, através do telhado, o cobre  usado nos sistemas de refrigeração. Vários dias sem os congeladores e frigoríficos, que tiveram que ser temporariamente substituído por outros provisórios (em menor quantidade).

Uma época cheia desafios complexos... Uma época difícil!

 

 

AQUI informação sobre a evolução dos supermercados no UK

AQUI informação sobre os primeiros supermercados em Portugal

 

04
Mai25

A Cavala Algarvia e as associações improváveis que despoletou.

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O objetivo era um jantar rápido e leve antes de ir para casa. Estava na altura pelo Saldanha e decidi ir ao Lota Sea & Fire.  Para entrada pedi uma Cavala Algarvia. Chegou-me um prato com cavala, a polpa interior de tomate e uma água de tomate, para além de outros temperos. Enquanto comia, com muito agrado, fui fazendo várias associações à primeira vista improváveis... associei-o à minha Mãe (que nunca fez um prato assim, nem me lembro de ter cozinhado cavala) e ao Heston Blumenthal, onde comi cavala num prato diferente, de facto um dos pratos que considero dos melhores que comi na minha vida - o Sardine on Toast Sorbet. Mas a cavala também não era particularmente importante nestas associações. De facto, o importante era a polpa e a água do tomate.

Lembro-me de fazer Doce de Tomate com a minha Mãe, e é bom lembrá-lo hoje que é Dia da Mãe. Na época do tomate havia sempre um dia em que se faziam alguns tacho de doce de tomate para o ano inteiro. A receita era esta:

 

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Cortávamos uma cruz superficial nos tomates, colocávamo-los um ou dois minutos em água muito quente, e a pele saía facilmente. Depois, abríamos os tomates ao meio e tirávamos toda a polpa interior. Era esta a parte que mais me intrigava. Havia um passador de rede por cima de uma tigela e a minha Mãe dizia-me para tirar a polpa interior e todas as sementes com uma colher de chá e deitar tudo para o passador. A ideia era que as sementes ficassem no passador e o resto da polpa passasse para a tigela. Quando lhe perguntei um dia porque fazia aquilo ela respondeu-me que aquele líquido era a parte mais saborosa do tomate. Nunca mais me esqueci desta resposta.

Uns anos depois soube que o Heston Blumenthal tinha comentado com uns químicos da Universidade de Reading no Reino Unido que a polpa interior do tomate, à volta das sementes, era muito mais saborosa que a parte restante mais firme e carnuda, que se sentia mais o gosto umami.  Ficaram curiosos, foram pesquisar a literatura, e verificaram que não havia registos de comparações do sabor de componentes de diferentes partes do fruto do tomate, nem da análises do teor de compostos umami entre diferentes variedades de tomates. Ficaram interessados em investigar este assunto e publicaram posteriormente os resultados.

 

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Usaram um painel de provadores para provar a polpa interior do tomate e a parte mais firme. No entanto, para não haver influências da textura ou do aspeto, separaram a duas parte do tomate, meteram num liquidificador e a seguir filtraram para obter uma água de tomate em ambos os casos. Foi essa água que foi provada e as conclusões foram as da tabela seguinte:

 

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Ou seja, a polpa interior e a parte mais firme do tomate foram percebidos de forma diferente. A polpa foi considerada  mais salgada, com maior teor de umami, e mais ácida. A percepção residual destes gostos também seguia a mesma linha.  As sensações na boca  (um formigueiro, adstringência e viscosidade) também foram sempre superiores para a polpa.

Análises do teor de sal e do pH mostraram valores idênticos (de facto menos sal na polpa interior), que não explicam a diferença sentida pelos provadores. Onde havia grandes diferenças era no teor de compostos responsáveis pelo gosto umami. Os valores para o ácido glutâmico (Glu) e para o monofosfato de adenosina (AMP) eram diferentes nas 14 variedades de tomate analisadas. Contudo, eram sempre muito mais elevados na polpa interior do que na parte firme do tomate. Para o Glu a média era  de 4,56 para a polpa interior e 1,26 g/kg para o resto do tomate. Para  a AMP os valores na polpa variaram entre 213 e 561 mg/kg e na parte mais firme entre 24 e 196 mg/kg. Estes valores explicam a diferente perceção do gosto umami,  e podem também ser uma explicação para a diferença da perceção do teor de sal e acidez, pois os compostos responsáveis pelo gosto umami intensificam a perceção dos sabores.

Quando li tudo isto há uns anos lembrei-me do doce de tomate da minha Mãe e do que me disse, estes estudos demonstravam que ela tinha razão. Também a partir daí sugeri frequentemente aos meus alunos que pusessem um tomate cereja na boca e o apertassem com a língua de forma a sair a polpa interior e sentissem o sabor. E que depois disso mastigassem o resto do tomate e vissem a diferença.

Voltando ao prato que despoletou todas estas memórias e reflexões, e me levou a fazer estas associação à primeira vista improváveis, mas que tinham a sua razão de ser. Os peixes de mar e os mariscos têm normalmente um teor de umami elevado, tal tem como função não os deixar desidratar na água salgada, como já referi num outro post. A cavala é um peixe com um elevado teor de umami, este complementado pelo umami do tomate, tornava o  prato delicioso e irresistível. 

 

 

02
Mai25

Le Bleu - O Kiko quis fazer o que nunca tinha feito, e fez muito bem em fazê-lo, e o que fez é muito bom!

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Há algum tempo que andava a pensar ir ao Le Bleu - Fish Bar do Kiko Martins. Gosto dos espaços dos restaurantes do Kiko, sempre muito bonitos e em estreita relação com o que o restaurante oferece. Gosto em geral do que como. Como "conheci" o Kiko quando da sua viagem com a Maria pelo mundo, que fui acompanhando sempre através do site que tinham, viagem que de certa forma inspirou os conceitos de alguns restaurantes, compreendo a diversidade e acho-a coerente com o seu percurso de vida. Relativamente ao Le Bleu, tinha visto fotos e lido alguns artigo. Neles o Kiko dizia que no Le Bleu tinha feito tudo diferente do que, como cozinheiro, tinha feito até aí, e que esse tinha sido um processo muito estimulante.

Numa ida recente a Lisboa marquei um almoço. Cheguei a um espaço em Campo de Ourique mais pequeno do que tinha imaginado pelas fotos, mas cheio de luz e muito agradável. Ao olhar para a carta tudo parecia muito atraente e, como gosto de experimentar muitas coisas, até porque tão depressa não ia poder voltar, resolvemos ficar pelas entradas.

Para começar, um cocktail, uma versão modificada do Negroni Bianco, com uma enorme bolha por cima, que quando lhe tocávamos com a boca se desvanecia. Com ele chegou um amuse-bouche com uma base gelada coberta com cavala marinada.

 

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Adoro os couverts dos restaurantes do Kiko, são sempre bons, muito diversificados, únicos e, sobretudo, variam completamente de restaurante para restaurante. Este era brilhante!

 

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Brioche folhado, Gougère de Comté, Torradas de baguete, Manteiga com flor de sal, Dip de Anchovas e Espargos

 

Tudo era ótimo, mas aqueles espargos com o dip de anchovas eram maravilhosos! Mas não dispensava de todo o brioche folhado e os gougères.

Chegou depois uma sequência de entradas, bonitas, irreverentes, divertidas e sobretudo muito saborosas.

 

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"Nigiri" de Lírio e Marshmallow
 
 
Inspirado no nigiri japonês, mas em que o arroz é substituído por uma base, com a textura de um marshmallow, feita com um dashi. Lindo, inesperado e delicioso.

 

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Ostras da Ria Formosa

 

O sabor a mar da ostra, um creme de ostras levemente picante e uma casca comestível.

 

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"Sanduíche" de Barriga de Atum
 
 
Um "pão" que não era pão, mas uma espuma desidratada, com a textura de um suspiro, mas com sabor a algas e mar. Um recheio cremoso de barriga de atum, ovo de codorniz cozido, e alface. Come-se e suspira-se por mais...

 

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Gamba do Algarve com Tapioca Crocante
 
A gamba sobre um dado de tapioca (inspiração brasileira, do país onde o Kiko nasceu e onde viveu os primeiros anos) e coberta com uma divertida espinha crocante.
 

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"Bacalhau à Brás"

 

Mas isto é Bacalhau à Brás? Onde? Não é o clássico, nem era suposto (até estão lá as aspas). É uma homenagem do Kiko a esse prato maravilhoso. Mas este é igualmente maravilhoso, com a batata, o bacalhau, a gema de ovo e a azeitona com texturas e formas diferentes. Aquela gema, cozida a baixa temperatura, cremosa, que surgiu em vários couverts do Kiko é tão boa! (Algumas vezes não resisti a pedir um reforço.) 

Para acabar a sequência de entradas, nada mais apropriado para fazer a transição para as sobremesas...

 

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"Pastel de Nata" de Enguia
 
 
Para o tornar ainda melhor... bastava polvilhá-lo com o pó de alcaparras que o acompanhava.

Pelo meio desta sequência, ainda trouxeram uma nova entrada que estavam a desenvolver para provarmos. Uma pequena bola, que fazia lembrar uma Bola de Berlim, mas em que a parte da massa era relativamente fina, com um recheio de santola (acho...). Aprovado!

 

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Tinha chegado a hora das sobremesas.

 

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Carpaccio de Fruta e Gelado de Iogurte
 
 
Fresca e boa, na mesa ralavam sobre o carpaccio um bloco gelado de iogurte.
 

Mas a que me encheu mesmo as medidas foi a seguinte. Tão inesperada e única. Deliciosa!

 

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Mousse de Crème Fraîche e Granizado de Romã

 

O nome não deixava prever... O véu que cobre a sobremesa é um fino gel de espargos brancos e, misturado com a romã, estão pequenos cubos de espargos brancos. Uma sobremesa que até pode nem ser consensual, mas de que gostei tanto que não a esquecerei.

Ficaram os pratos principais por provar, mas valeu a pena, e este até é um bom motivo para voltar logo que possível. Vi-os passar para outras mesas e despertaram-me o interesse e o apetite.

O Kiko quis fazer o que nunca tinha feito, e fez muito bem em fazê-lo, e o que fez é muito bom! Ele diz que foi estimulante. Foi uma refeição que também me estimulou. Bons produtos, excelentes (não me venham falar do produto...).  Muita criatividade, muito bom domínio das técnicas, resultados com muita qualidade e a preços muito razoáveis. A isto ainda se junta a irreverência e o sentido de humor. Estava a precisar de tudo isto!

Parabéns ao Kiko, parabéns a toda a equipa!

 

Le Bleu - Rua Saraiva de Carvalho, nº 131, Lisboa

 

1ª Foto do Site do Le Bleu

 

 

 

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