La Passion de Doudin Bouffant - um filme em que a comida é a principal forma de expressão
Já vi comentários ao filme La Passion de Dodin Bouffant (nome original ) que o consideravam um dos melhores filmes já feitos sobre comida, um dos que melhor transmite a arte e a componente sensorial da cozinha. Não sei se é dos melhores, estas classificações têm sempre algo de arbitrário, o que sei é que o vi há dias e gostei muito.
O filme, cujo nome no UK é The Taste of Things, e em Portugal, onde deverá estrear a 16 de Maio, é O Sabor da Vida, é protagonizado por Juliette Binoche (Eugénie) e Benoît Magimel (Dodin Bouffant), e dirigido por Tran Anh Hung, francês de origem vietnamita, que com este filme ganhou o prémio do melhor realizador no Festival de Cannes de 2023.
O filme passa-se quase completamente na cozinha, sala de jantar e jardim da casa onde vivem Dodin e a sua cozinheira Eugénie no final do século XIX. Ambos partilham uma paixão profunda pela cozinha, e também um amor sereno, sem ansiedades ou inseguranças, um pelo outro. A comida e a sua preparação são uma forma de o exprimirem.
As imagens são de uma grande beleza, e quase nos fazem sentir os aromas e sabores daqueles pratos. A câmara foca-se essencialmente, e de forma muito sedutora, na preparação da comida, no tempo e nos gestos envolvidos. O Chef Pierre Gagnaire foi o consultor e, inclusivamente, aparece brevemente no filme. Com ele foram decididos os pratos da época a cozinhar, e os atores treinados para que os gestos fossem fidedignos.
Para que tudo fosse tão rigoroso quanto possível, Pierre Gagnaire cozinhou todos os pratos e o processo foi filmado. Desta forma, os atores puderam ver e aprender as técnicas, as atitudes e os gestos necessários. O Chef Michel Nave, braço direito de Pierre Gagnaire durante mais de 40 anos, esteve sempre presente durante as filmagens para garantir que tudo era feito com precisão.
Ser centrado na cozinha, o ritmo, a envolvência e a serenidade do filme, assim como a beleza da imagens, foram razões importantes para ter gostado muito. Mas a isto juntam-se referências a aspetos da história da cozinha, Escoffier e Carême por exemplo, à cozinha francesa da época, a curiosidades como, por exemplo, comerem ortolanas com o guardanapo sobre a cabeça... Houve, contudo, uma referência, um pouco fora do contexto, e que poderá passar despercebida a muita gente, que me fez sorrir.
No final de um jantar de Dodin com um grupo de amigos é servida uma Omelette Norvégienne. Dodin comenta que é uma sobremesa científica, que o merengue, sendo uma espuma, isola e o gelado se mantém frio. Eu sorri, sabia quem indiretamente estava por detrás daquilo... Um detalhe de que, muito possivelmente, só eu me apercebi naquele cinema... É especial! Cheguei a casa e enviei um email a um amigo comum, meu e do Pierre Gagnaire. Disse-lhe que tinha ido ver o filme e, naquela altura, me tinha lembrado dele, pois tinha quase a certeza que ele estava na origem do comentário. Ele respondeu no dia seguinte, disse que de facto ele e o Pierre Gagnaire tinham falado várias vezes daquele assunto.
Um filme belíssimo em que a comida é a principal forma de expressão, um filme que vale a pena ver.
1ª imagem DAQUI
2ª imagem DAQUI
3ª e 4ª imagens DAQUI