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Há muito que queria voltar ao Sála do João Sá. Fui lá algumas vezes na altura em que abriu, mas estive uns anos sem voltar. Tentei marcar umas vezes, mas com pouca antecedência, e nunca consegui. Finalmente planeei bem as coisas e num sábado recente almocei na primeira mesa que se vê na foto acima.
O mesmo espaço simples, mas acolhedor e elegante, com detalhes que lhe dão personalidade, com a cozinha à vista e a porta diretamente para a rua. Contudo, a comida oferecida mudou muito. Apesar de em visitas anteriores ter gostado bastante, o nível da cozinha do João Sá agora é outro, reflete uma maior maturidade, que justifica a estrela Michelin atribuída ao restaurante há cerca de um ano. Optei pelo menu "À procura de nova texturas" um menu que o João Sá diz traduzir a sua visão de Lisboa, que considera ter uma culinária vibrante resultante da influência das viagens, de que era ponto de partido e chegada, e de quem chegou vindo de outras paragens. Assim, todos os sabores do mundo que confluíram em Lisboa, bem como a ligação de Portugal com o mar, e em particular o Oceano Atlântico, influenciaram este menu.
Ao chegar serviram-me um caldo, inspirado no caldo verde. Se visualmente não era possível relacioná-los, o sabor denunciava a fonte de inspiração. Um sabor conforto que preparava para a aventura que se seguiu.
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Caldo verde, Óleo de Algas, Pimentão Fumado
Foi então servida uma sequência de pequenos pratos caracterizados por uma apresentação muito cuidada, sabores fortes, texturas variadas e muito bem trabalhadas.
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Berbigão na Caruma
Gosto muito de berbigão, este tinha um sabor levemente fumado, e o caviar contribuía com uma componente salgada, um reforço do umami, e o seu sabor complexo, que elevavam o berbigão para outro nível.
No início serviram-me um Champagne, mas os pratos seguintes foram acompanhados por vinho branco, o Insula - Arinto dos Açores, 2018.
Trouxeram em seguida uma misteriosa caixa com o logo do restaurante. Lá dentro um pequeno snack, uma muamba de galinha servida entre duas folhas crocantes de pele de galinha desidratada.
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Muamba de Galinha
A gamba que se seguiu era lindíssima, visualmente e em termos de sabor, sendo servida entre duas placas crocantes, cujo formato lembrava algas, mas com um sabor a pimentão.
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Moqueca de Gamba
O mar também estava presente no prato seguinte.
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Ostra, Caldo de Cebola, Gotas de Cavala
Esta sequência de pratos foi interrompida por um momento mais terra a terra e com características bem diferentes. Um corte bem vindo, que preparou os sentidos para poder desfrutar bem da complexidade de todo o resto do menu.
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Pão, Manteiga Caramelizada, Azeite Metáfora de Trás-os-Montes.
Seguiram-se dois pratos de marisco deliciosos. Um primeiro refletia influências de sabor de outras paragens, sendo o umami da santola complementado e intensificado com o das ovas. No segundo, o sabor do marisco era complementado com notas doces do caramelo e da castanha.
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Santola, Caril Goês, Harissa
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Lavagante, Caramelo, Castanha
Depois de tanto "mar" chegou a altura da "terra", num prato delicioso de cogumelos. Curiosamente um ingrediente também com alto teor de umami. Em japonês a palavra umami significa delícia. E por muitas e variadas razões estes pratos eram deliciosos.
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Fricassé de Cogumelos, Morilles, Trufa Preta
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Cuscos, Coentrada, Bivalves
O prato de cuscos é visualmente muito impactante. Tanto que é um dos pratos referidos no texto que surge no Guia Michelin sobre o Sála. Referem-no como sendo um prato tecnicamente simples, mas tremendamente visual e saboroso que os encantou pela sua forma de combinar os cuscos, que ficam completamente verdes, com o mar. A mim também me encantou.
Com os pratos seguintes bebi um vinho do Douro, o Indie Xisto tinto, 2021. Com ele chegou um prato mais arriscado, uma caldeirada de enguias. Gostei muito! O sabor da caldeirada é um sabor muito nosso.
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Enguia, Caldeirada, Alho Negro
Era possível vir um prato ainda mais delicioso? Ele aí estava, imponente e um luxo!
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Robalo, Espargos Verdes, Caviar
O último prato salgado era visualmente mais estranho e difícil de identificar. Mas o sabor denunciava-o, era um arroz de polvo com algas.
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Polvo, Algas, Arroz
Tinha chegado a hora das sobremesas. Na primeira, um gelado com um ingrediente pouco comum, a calabaceira, também conhecida por baobá. Um ingrediente que, tal como outros sabores em pratos anteriores, reflete as origens angolanas do João Sá e as suas memórias de sabores. Acompanhava-o um pequeno recipiente com pedaços da polpa da calabaceira, para nos podermos familiarizar com ela se assim o desejássemos.
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Calabaceira | Mangericão |Lima
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Tomilho | Azeite | Brioche
Com o chá chegaram alguns petit fours, mas o serviço estava a terminar e o João Sá veio à mesa e ficámos a conversar algum tempo. Nem me lembrei da foto. Mas valeu a pena, é que a conversa foi quase tão boa como o almoço.
Impressionante o funcionamento da cozinha mesmo ali ao lado, tudo corre de forma calma e eficiente. Um bom serviço de sala é fundamental para uma boa experiência, e o do Sála foi muito bom e muito simpático.
A cozinha do João Sá evoluiu muito, sente-se uma grande maturidade. Reflete muito as suas memórias de sabores, e as nossas também, e gostei muito disso. A comida é central para a identidade, individual e do grupo, e é interessante pensar no que define as características de uma cozinha de um dado país / cultura. É um assunto complexo! Não é necessariamente a componente visual, nem os ingredientes, embora estes possam também ser importantes. Mas há notas de sabor que funcionam como marcadores, referidas num artigo de Claude Fischer, de que falei num outro post, como "princípios do sabor", e que são complexos olfativos e gustativos típicos de uma determinada culinária. É sobretudo isso que na cozinha do João Sá define a identidade e o local, uma cozinha que só pode estar ali, que é única.
SÁLA - Rua dos Bacalhoeiros, 103 - Lisboa
1ª foto do site do restaurante