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Assins & Assados

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24
Mar25

Marmalade, um doce (para adultos) de que tem que se aprender a gostar

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Quando me perguntam se com a torrada que pedi para o pequeno almoço quero "jam or marmalade?", em geral peço marmalade, porque em Roma se deve ser romano... Mas há dias em que para amargo já basta o de alguns acontecimentos que não podemos controlar, nesses dias preciso de algo mais suave, e fico-me por um doce de morango ou framboesa.

A palavra marmalade, lembra a nossa marmelada, e o que tenho lido é mais ou menos unânime atribuindo a esta a origem da palavra inglesa. No entanto, são bem diferentes, a marmelada é um delicioso doce sólido de marmelo, a marmalade é um doce de laranja amarga, tipo geleia espessa mas, em geral, com pedaços de casca da laranja em suspensão. Será também delicioso para alguns mas, talvez por não ser da minha criação, ainda estou a aprender a achá-lo delicioso. Para já é uma experiência interessante, é exótico, e algo que me apetece entender e descobrir melhor.

Mas voltando ao nome, dizem que há registos, do final do século XV, da chegada a Inglaterra e à Escócia de caixas de marmelada portuguesa. Diz-se até que nessa época seriam atribuídas ao marmelo propriedades curativas e seria até consumida como medicamento. Começou então a ser feito no século XVII um produto semelhante, mas usando laranjas, com uma consistência sólida, idêntica à da marmelada. Penso que não exclusivamente com laranjas amargas. Diz-se que no final do século XVIII James Keiller comprou um carregamento de laranjas de um navio português que se tinha abrigado de um temporal no porto de Dundee, na Escócia, e que as estava a vender a um preço baixo. Aparentemente, só depois de as ter comprado se apercebeu de que eram laranjas demasiado amargas e não dava para serem comidas como fruta. Deu-as à sua mãe que as transformou em doce, e possivelmente foi ela que inovou e introduziu a marmalade com uma consistência diferente, que permitia ser barrada.

Por essa época o que se comia ao pequeno almoço estava a sofrer alterações, em vez de ser uma caneca de cerveja com uma torrada a boiar, com a introdução recente do chá em Inglaterra e na Escócia, cada vez era mais popular um chá com uma torrada e, entre outras coisas, a marmalade começou a ser usada para barrar as torradas e a ser cada vez mais consumida. Assim, a família Keiller acabou por ser a primeira a produzir industrialmente e comercializar a marmalade, na sua fábrica de Dundee. Negócio este que cresceu e se estendeu para outras zonas, sendo na segunda metade do século XIX os maiores produtores mundiais de marmalade. Estima-se que em meados do século XIX produzissem cerca 1,5 milhões de potes de marmalade Keiller por ano. As empresas Keiller fecharam por volta de 1992, havendo outros produtores, e sendo um doce popular noutros países para além do Reino Unido, como é o caso, por exemplo, dos EUA, Escandinávia, Alemanha, Japão e Índia.

Não me parece que seja um doce muito apreciado por crianças, é amargo demais e, de facto, dizem que o seu consumo está em declínio, sobretudo entre os jovens. Quando questionado (por Felicity Cloake para o seu livro Red Sauce Brown Sauce - A British Breakfast Odyssey), sobre este assunto, Martin Grant da empresa Mackays, uma das principais empresas produtoras de marmalade, diz que não é objetivo deles atrair consumidores entre a população jovem, que quando o gosto se começa a desenvolver e a amadurecer e se começa a apreciar vinho, café e queijo, então aí está-se preparado para apreciar marmalade e se tornam fãs para toda a vida. Também desenvolvem as suas próprias preferências, pois o pedaços de casca de laranja em suspensão na geleia, podem ir desde pequenas partículas da casca moída até fatias mais ou menos espessas. Há umas marmalades mais ou menos inofensivas, outras têm uma personalidade mais forte, direi até mais amarga. 

O principais ingredientes são os mesmos para todas as marmalades, laranjas (em geral) amargas, açúcar, água, e um pouco de sumo de limão para que o pH seja adequado para que a pectina das laranjas (e da que é por vezes adicionada) desempenhe o seu papel na perfeição, para além da técnica e sensibilidade de quem a produz. Contudo, a algumas são adicionados outros produtos que as aromatizam, whisky, rum, champanhe ou especiarias são comuns. Estas versões são sobretudo preferidas por pessoas para quem o consumo de marmalade não é um hábito bem estabelecido. O meu caso...

Há algum tempo que compro a marmalade que consumo de uma produção artesanal da zona onde vivo, a Springfield Kitchen. Uma pequena empresa de um casal, que em 2004 começou a cultivar o seu novo jardim, e dado que a produção de vegetais e frutas começou a ser elevada, ofereciam a vizinhos e amigos, mas em 2013 decidiram fazer doces e chutneys para uma feira de Natal e a partir daí aumentou a produção. Vendem sobretudo em feiras e em pequenas lojas independentes.

Gosto muito da Seville Orange Marmalade with Cardamom & Saffron, uma ideia dada por uma companheira de viagem, originária de Mumbai (Bombaim), numa visita que fizeram a Goa em 2023. Tem um sabor exótico, complexo e sofisticado.

 

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Como por vezes não está disponível, alterno-a com a Spiced Orange Marmalade with Rum, que já tinha acabado qundo me lembrei de a fotografar.

 

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Provo-as sempre com a torrada com manteiga e marmalade, ou apenas com marmalade, para confirmar o que Heston Blumenthal refere na introdução da receita Sardines on Toast Sorbet (um prato excelente e que me deixou memórias inesquecíveis) do seu livro The Fat Duck Cookbook, em que diz que a marmalade de laranja que contém pedaços de fruta se for servida em tostas sem manteiga tem um sabor mais forte do que se as tostas forem barradas antes com manteiga. Confirmo sempre, e noto-o não só relativamente ao sabor a laranja, mas também ao das especiarias.

Estas diferenças culturais relacionadas com o consumo de alimentos são verdadeiramente interessantes. E embora haja evoluções, estou firmemente convencida que a tradição ainda tem um peso muito grande no consumo em cada região. No entanto, as alterações climáticas também vão ter um papel importante na mudança dos hábitos de consumo. Por exemplo, no caso das laranjas amargas, as laranjas de Sevilha de agricultura biológica poderão  caminhar para a extinção no próximo século se o número de explorações agrícolas continuar a desaparecer, as alterações climáticas afectarem as culturas, e as doenças dizimarem as árvores.

 

1ª Foto DAQUI

 

 

19
Mar25

Portugália - 100 anos!

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A primeira vez que fui à Portugália, na Almirante Reis, foi com o meu Pai, tinha 10 anos. Cada vez que lá entro olho para a mesa em que nos sentámos dessa vez. Há quase nove anos relembrei essa visita AQUI. Hoje é dia do Pai, e ao lembrar o meu (que acho que teve muita influência no meu gosto pela comida e por comer), lembrei-me que recentemente fui almoçar à Portugália e, ao olhar para a dita mesa, recordei essa primeira visita. Tudo isto me deu vontade de escrever hoje sobre a Portugália.

A Portugália é um restaurante que para mim representa mais do que apenas a comida que serve, é um restaurante que ocasionalmente frequento há muitas décadas, e a que tenho alguma ligação emocional. Recentemente, para comemorar o centenário desta cervejaria, fizeram obras e introduziram algumas mudanças. Sei que as alterações foram muito pensadas, que consultaram pessoas da área da gastronomia e clientes. Que tiveram em conta opiniões sobre o que foi feito na Trindade que, do meu ponto de vista,  teve alguns aspetos menos conseguidos.

Estava curiosa sobre o que aconteceria com a Portugália. Estive lá em Agosto e voltei este mês. As primeiras impressões foram boas. Penso que, sem ser descaracterizado, o espaço ficou mais bonito, mais atual e com mais dignidade.

 

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Das duas vezes muitas mesas ocupadas, o mesmo tipo de clientes, quase todos portugueses, que frequentavam habitualmente este espaço. Caras que vão mudando, mas um serviço de sala que continua eficiente e simpático. Nesta nova fase, continuo a sentir-me na Portugália, "em casa", e (ainda mais) confortável.

O menu mantém todos os pratos que os habituais clientes da Portugália procuram, só notei a falta dos rissóis de camarão. Continua a haver a introdução de novas opções (como acontece há já alguns anos) muito baseadas em pratos tradicionais, e que diversificam opções e atraem outros públicos. Houve mesmo a introdução de uma opção vegetariana (Cogumelos à Brás) e outra vegana (Burguer). O preços são razoáveis.

 

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As minhas escolhas recaem em geral no que está mais relacionado com as minhas memórias das muitas refeições que aqui tive, os croquetes com mostarda, um prato de camarões ou percebes, os bifes, e quase sempre o Pudim Flan a que chamam "o clássico" e que ocupa o primeiro lugar na lista de sobremesas.

A Portugália envelheceu bem. 100 anos é uma bela idade! Que viva por muito mais anos e nos proporcione este ambiente, e esta oferta tão portuguesa (ou lisboeta) e com que tanto nos identificamos.

 

 

 

06
Mar25

Sardinhas em Sheffield

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Há exatamente 34 anos estava a fazer um pós-doutoramento na Universidade de Leeds, estava integrada no projeto "Design Racional de Moléculas Envolvidas em Situações de Reconhecimento Molecular", que estava a arrancar. O projeto era liderado por uma investigadora que vivia em Sheffield. No ano em que trabalhei no projeto, e nos anos que se seguiram, em que mantive alguma colaboração, Sheffield era uma cidade frequentemente referida. Nunca tinha ido a Sheffield, durante o ano de pós-doutoramento não fui lá (apesar da viagem de comboio durar menos de 1 hora), posteriormente também nunca visitei a cidade. Não tinha nenhuma imagem de Sheffield. Recentemente, andava a precisar de uns dias de descanso, olhei para o mapa do UK para escolher onde poderia ir passar um fim de semana, e Sheffield foi a escolha. Uma cidade não demasiado longe, não demasiado grande ou pequena, hotéis com preços razoáveis, e alguns restaurantes que poderiam ser interessantes.

 

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Depois de um passeio por Kelham Island, outrora a zona de produção da indústria de cutelaria e aço de Sheffield, a que agora zonas residenciais, pubs, cafés, lojas e restaurantes independentes deram uma nova vida, fui almoçar a um dos restaurantes que me tinha parecido interessante, o Native, um restaurante cuja oferta se centra em peixe e mariscos. Tinha lido algumas coisas sobre o restaurante e achei interessante que fosse de uma empresa que comercializa peixe, a J H Mann Fishmongers, uma empresa fundada em 1921 e que durante quase 100 anos pertenceu à mesma família. Christian Szurko, chefe de cozinha e dono atual da empresa, trabalhava em Sheffiled e, em 2005, decidiu ficar com a empresa e empenhar-se em continuar a manter o nível de qualidade e excelência dos produtos. Depois da pandemia decidiram que a empresa, para além do comércio de peixe,  tivesse também um restaurante, e em 2021 o Native abriu tendo com linha de orientação o seguinte: “Os produtos do mar devem ser frescos, honestos e tão dinâmicos quanto as águas de onde vêm”.

 

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Uma decoração atraente, com um cozinha aberta, vestígios de um ambiente  industrial com paredes de tijolos à vista, aço exposto e tetos altos, complementados com um conjunto de quadro com cores fortes e móveis de madeira. Há um menu regular com propostas mais ou menos clássicas, e outro com uma oferta que vai variando e é apresentado num quadro, com pratos mais criativos. 

 

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No quadro apareciam umas Grilled Sardines - Puntarelle, Anchovy, Chilli and Preserved Lemons, associo sempre sardinhas a uma certa nostalgia, e outras formas de as apresentar deixam-me sempre curiosa. Não fazia a menor ideia do que era puntarelle, uma pesquisa rápida e fiquei a saber que era um tipo de chicória. Mais, que era usada numa salada tradicional italiana com anchova, alho, azeite, vinagre e sal, suspeitei que de certa forma esta poderia ter inspirado o acompanhamento das sardinhas. Estava decidido! Apetecia-me o sabor a mar das ostras, e não resisti à focaccia com óleo de lagosta e óleo de algas.

 

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Produtos frescos e muito bem tratados. Interessante a foccacia com os dois óleos com aromas marinhos. Mas o melhor foram as sardinha. O conforto do seu sabor característico, um excelente ponto de cozedura que as deixava com uma textura muito agradável, o exotismo do tempero, e um acompanhamento fresco e saboroso, resultaram num excelente prato.

Apeteceu-me experimentar outra coisa e a escolha recaiu no Mussel Crumpet - Mussels, Garlic Butter, Monks Beard. 

 

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Um prato muito guloso, e um pouco mais pesado também, com o crumpet bem ensopado com a manteiga de alho. A monk's beard  (Salsola Soda) uma planta halófita, um pouco crocante e com um sabor herbáceo, semelhante a espinafre, e levemente salgado, contrastava com a riqueza do prato e complementava-o muito bem.

Seguiu-se uma tarde no centro da cidade.

 

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No fim do dia já tinha uma imagem, e até sabores, de Sheffield.

 

 

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