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15
Jan23

Eu fui ao NOMA. Não sou rica. Não pretendia ser Rainha Por Um Dia.

NOMA.jpg

(o primeiro prato do meu jantar, há muito tempo, no NOMA)

 

cinzento.jpg

 

O NOMA vai fechar daqui a 2 anos, mas na última semana não se falou de outra coisa. Tudo tem um princípio e um fim, pode haver mil razões que não vou discutir.

Contudo, curiosamente, no dia em que soube que o NOMA ia fechar estava a ler o último livro do Heston Blumenthal, Is this a Cookbook?,  em que ele diz:

What was I chasing? Recognition? Affirmation? A sense of self-worth? I don't know. Yet. (I'm still a work-in-progress.) Increasingly, though, I became unsatisfied with the search of perfection. It seemed like a creative cul-de-sac - for me at least - and I realised I needed to change my relationship with food and cooking. Was I a chef, with all the baggage that entails, or, when it came down to it, was I simply a human who cooks because cooking is my way of connecting with other people and sharing my beliefs? A lot of those beliefs remained largely unexplored. Perhaps it was time to do something about that.

Lembrei-me do NOMA. Pensei:  Quem sabe é apenas a altura de mudarem a relação com a comida e a cozinha. É humano que o seja.

Mas as razões só eles as poderão dizer. Se quiserem. Não ia escrever nada sobre este assunto, não tinha nada para dizer. Li algumas coisas, especulações que poderão até corresponder a parte da realidade, mas são bem mais simplistas, suponho que as motivações sejam complexas e com várias camadas.

Porque é que escrevi afinal? Porque o artigo do Miguel Esteves Cardoso no último Fugas - Umas palavrinhas enlutadas por ocasião da morte do Noma - me deixou desconfortável. Nem vou procurar muitas palavras novas... a sensação foi semelhante à que já tive, em tempos, devido a outros comentários.

Fiquei chocada e triste ao ler o artigo do Miguel Esteve Cardoso, não por causa das suas preferências gastronómicas, pois cada um está no direito de gostar do que gosta e do que o faz feliz, e de escolher os restaurantes que quer.

Agora dizer:

Restaurantes como o Noma são essencialmente saloios. Alimentam – a palavra está singularmente mal empregada – o sonho de ser Rainha Por Um Dia.

Parece-me uma atitude profundamente primária. Não é sério, revela uma falta de reflexão sobre a gastronomia em geral e as várias aproximações possíveis.

Não tem também sentido dizer:

Um bom restaurante é aquele onde se quer almoçar todos os dias.

Um restaurante onde se quer almoçar todos os dias, pode (e deve) ser ótimo, mas o NOMA é outra coisa. É comparar alhos com bugalhos.

Já agora, se o Miguel Esteves Cardoso diz que nunca foi ao NOMA, como afirma com tanta certeza que outros  Não foram mais vezes ao Noma porque a própria comida não se aguenta mais do que uma vez ou outra. ?   

É verdade que:

Redzepi cobrava centenas de euros aos clientes, mas dependia do trabalho de estagiários que trabalhavam de borla.

Já aqui tenho abordado este assunto diversas vezes. Mas muitos o fazem, quase todos os restaurantes a este nível o fazem, ou fizeram, não é uma característica do NOMA. Merece discussão, que tem havido, e felizmente esta situação começa a mudar.

A relação de cada um de nós com o que come, as expetativas que tem, o que valoriza... são diferentes. Válidos em todos os casos. Também por isso, este tipo de classificação do NOMA e dos clientes do NOMA não é admissível e é demagógico.

Também o é a forma como Miguel Esteves Cardoso discute o preço de uma refeição no NOMA. Claro que é bem mais do que se paga no restaurante onde se almoça todos os dias. Mas o que nos oferecem também é bem diferente, com várias componentes para além da que oferece o restaurante onde se almoça todos os dias. Só vai quem quer.

Eu não sou rica e fui ao NOMA. Não pretendia ser rainha por um dia. Queria conhecer um trabalho que tanto influenciou a gastronomia a nível mundial, perceber, poder falar com conhecimento de causa. Tudo isto até era mais importante do que o prazer físico, a importância de comer uma boa refeição. Mas esse também fez parte da minha experiência, gostei muito do que comi, mais (porque o que sentimos é determinado por mais do que o que está no prato) gostei da experiência global. Saí com vontade de voltar, e se fosse mais perto seguramente teria voltado. 

Para terminar, mais uma referência a Heston Blumenthal (do seu último livro) e uma questão.

Increasingly, I've come to see cooking in terms of quantum perpective - which, for me, at its most basic, means everything we do can be viewed in an infinite number of ways: how we experience it is determined by what perspective we choose.

As perspectivas são infinitas, será que tem algum significado classificar as dos outros (com base na nossa)? 

 

 

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