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Assins & Assados

Assins & Assados

29
Mai18

Fazer vinho sem nunca ver uvas

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Vi-os pela primeira vez há quase 30 anos, quando também estive um ano por aqui. Continuam nas prateleiras os kits para fazer vinho. Há-os para todos os tamanhos e gostos e todo o equipamento necessário também.

 

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A primeira tendência foi torcer o nariz... depois pensei que até podia ser uma experiência engraçada. Fazer o próprio vinho, sentir a  curiosidade de ver o resultado, de beber algo que fez quase desde o princípio, porque as uvas, essas nunca lhes pôs a vista em cima... Não será o melhor vinho (questiono-me como será...), mas será uma experiência interessante. 

 

E se a escolha for fazer cerveja, as variedades disponíveis são mesmo muitas...

 

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Ocupações bem engraçadas...

 

 

26
Mai18

Um ALIMENTO especial!

 

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Quando a Patrícia Gabriel nos recebe para um dos seus eventos ALIMENTO é sempre especial. Alimenta-nos o corpo, mas também a alma. A entrega da Patrícia em tudo o que nos oferece é grande, o que prepara é único, e é impossível não ficarmos encantados, com a beleza, com as texturas e os sabores pouco habituais.

 

Recentemente fui convidada pela Patrícia para um almoço, eu e outras três amigas dela, porque nos queria oferecer um ALIMENTO especial, porque queria conversar connosco sobre ele, e para afinar detalhes, pois a Patrícia pretende breve começar a disponibilizar esta experiência a quem dela quiser usufruir. Em grupo muito pequenos, pois só há mesmo espaço para quatro pessoas.

 

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Sobre a mesa esperavam-nos umas favinhas cruas maravilhosas.

 

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No início, tal como já é habitual, somos recebidos com água, mas de uma forma original. Neste caso, a inspiração foi o Verão no Alentejo:

Estradas, Retas

Bermas longas e desbastadas
É funcho e terra seca

À praia tufos de Codium

À mão o mar.

 

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Uma cerveja com tremoços ao pôr do sol, foi a inspiração do momento seguinte. As cores, os sabores, o aroma da mangerona... 

 

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A refeição ia começar, e como sempre numa casa portuguesa... 

 

Gesto primeiro, refogado

 

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Com ele chegou o vinho que acompanharia os pratos seguintes  - Humus Curtimenta 2016 - um vinho maravilhoso!

 

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O caldo verde tem servido de inspiração em muitos momentos de eventos (aqui e aqui) da Patrícia Gabriel. Todos maravilhosos, mas desta vez excedeu-se... mesmo! Um prato magnífico, complexo, um momento comovente.

 

Vertical

Couve

Galega

 

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Nos eventos da Patrícia Gabriel, que traduzem sempre as suas vivências e memórias, o bacalhau está sempre presente.  Também desta vez isso aconteceu.

 

Talvez a esponja seja a nuvem que secou no mar

 

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Dois pratos de um nível tão elevado, que apelavam tanto às nossas memórias de sabores, belíssimos e tão surpreendentes... era preciso algo que nos obrigasse a fazer um reset antes de passar ao prato seguinte.

 

Lavarmos as mãos, foi uma opção excelente, até porque toda a encenação nos envolveu. O fortune cookie (de maçã) que se seguiu, além de delicioso, trazia uma mensagem que nos fez conversar e até discutir se tinha sido escrito na máquina que estava ali por perto. Claro que sim... não notam aqui que o papel não está liso...

 

água-às-mãos e jasmim

 

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fortune cookie

uma palavra só

 

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Reset concluído... Foi altura de servir o segundo vinho, que acompanhou os pratos seguintes - Alfrocheiro Vinhas Velhas 2013.

 

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A xerovia pertence ao reino animal

Serra da Estrela

 

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Em vez do saleiro, ali ao lado estava uma taça com alga cabelo de velha para polvilharmos o prato, numa alusão ao penedo Cabeça da Velha em São Romão.

 

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Dias de caça
num bolso maçãs bravo esmolfe
no outro rebuçados de mel

 

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Tanto o prato de xerovia como o de perdiz estavam excelentes, com detalhes que os tornavam únicos. No caso da perdiz as maçãs foram assadas no terraço ali ao lado, nas brasas, numa daquelas braseiras antigas. A pele da perdiz, muito estaladiça, estava  sobre esteva, o cheiro que fica dos dias de caça.

 

Chegou a hora de adoçar a boca e chegaram também as sopas de leite com doce de cascas de tangerina, algodão doce, pão de ló rico e nêsperas, e no final com uma espuma de mel de urze e alfazema.

 

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Mas não acabou por aqui, vieram os petit-fours.  Goiabada com queijo da ilha das Flores, chocolate branco com alface do mar, ovos moles com pinhão e folha de ouro, massa dos pastéis de Tentugal. Deliciosos!

 

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Mas a refeição não podia terminar sem um digestivo - salicórnia infusionada com aguardente e limão galego.

 

Que nem um cheirinho

 

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Para mim com um chá verde, Gorreana, 70º, 2 minutos. É que a Patrícia Gabriel viveu nos Açores.

 

Uma experiência única! Uma abordagem diferente da cozinha. Um ALIMENTO especial!

 

 

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Filigrana de Refogado

Outras formas de pensar cozinha. Outras formas de falar de cozinha.

 

1ª Foto de Herberto Smith

22
Mai18

Leite de Camela e Tâmaras

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Eu sei que vivemos na época do local... também gosto, e acho que se deve valorizar o que é local. Mas também gosto muito do que vem de outras paragens. Não provei o leite de camela, mas foi a primeira vez que o vi a vender assim.

 

Na mesma loja, do lado de fora, estavam uns frutos do tamanho de ameixas. Suspeitámos o que eram, mas fomos confirmar. Tâmaras frescas.  Foi a primeira vez que as vi, trouxemos umas e provámos. Gostei mesmo muito! Fez-me lembrar uma pêra rija, mas com um aroma diferente.

 

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Caixas de tâmaras secas havia muitas. Está a decorrer o Ramadão e tradicionalmente o jejum quebra-se com tâmaras.

 

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Viva a diversidade! Adoro a possibilidade de ter acesso a todas estas coisas de outras culturas e de outras paragens deste mundo.

 

 

21
Mai18

Algas da Costa Portuguesa - Tertúlia Gastronómica

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A Associação de Cozinheiros Profissionais de Portugal (ACPP) organiza, desde maio de 2016, na última 5ª feira de cada mês, Tertúlias Gastronómicas abordando temas diversos. São geralmente moderadas por Virgílio Gomes, e há mais dois convidados que trabalham em áreas relacionadas com o tema. O tema da que decorreu no mês Abril foi  "Algas da Costa Portuguesa" e os convidados foram  Tiago Feio (Restaurante Leopold) e Bruno Moreira Leite (FCT / UNL).

 

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A primeira apresentação foi de Bruno Moreira Leite, cuja dissertação de mestrado em Ciências Gastronómicas foi sobre este assunto e que está neste momento a iniciar o seu doutoramento. Também pertence à equipa do projecto Alga4Food cujo objectivo é desenvolver processos de conservação de algas que optimizem as suas propriedades organoléticas, e desenvolver novos produtos alimentares com algas e estratégias para a introdução destas na dieta dos portugueses.

 

A apresentação do Bruno Leite começou uma pitada de biologia para caracterizar algas e sobretudo as que seriam objeto da apresentação, as macroalgas.

 

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Seguiu-se uma pitada de história, e em particular a relacionada com o consumo de algas.

 

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Inevitável era uma pitada de gastronomia, com exemplos de algumas utilizações de algas.

 

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Falou também da diversidade de características, em termos de aspeto, textura e sabor de algumas macroalgas, e em particular sobre o aroma de cada uma e as suas semelhanças com outros produtos. Um trabalho que tem vindo a fazer para desenvolver estratégias para a sua introdução na dieta, que permitam mais facilmente a sua aceitação. Distribuiu algumas pelos participantes para que pudessem cheirar, e até provar.

 

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Seguiu-se uma pitada de ciência, em que falou do trabalho de identificação e recolha, de técnicas de conservação a explorar, da identificação de compostos de aroma (importantes para avaliar a eficácia dos processos de conservação e para definir estratégias para a sua utilização), de nutrientes, oligoelementos e umami. 

 

 

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Falou finalmente da forma como toda esta informação pode ser utilizada em inovação culinária e apresentou alguns produtos e receituário que tem vindo a desenvolver.

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Uma boa apresentação em que o Bruno conseguiu condensar muita informação em cerca de meia hora e a conseguiu transmitir de forma muito clara. Uma informação muito rica, já que o Bruno após uma formação inicial em economia e gestão, fez formação em culinária e durante vários anos trabalhou em restaurantes e dando formação, tendo inclusivamente tido um restaurante seu no Rio de Janeiro. Veio depois fazer o mestrado em Ciências Gastronómicas, onde adquiriu uma formação científica que lhe permite abordar os temas de gastronomia de uma forma diferente e nalguns aspetos mais aprofundada.

 

Seguiu-se a apresentação do Tiago Feio em que este falou da utilização de algas na sua cozinha, da sua aceitação por parte das pessoas que vão ao seu restaurante e ainda fez e deu a provar o seu Tártaro de Algas.

 

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Uma excelente sessão para um público muito interessado e em que foi transmitida informação importante sobre um dos alimentos identificados como um dos alimentos do futuro, devido às suas características nutricionais e também ao facto do baixo impacto que o seu cultivo tem no ambiente.

 

 

Todas as imagens (excepto a 1ª e das últimas fotos) são de slides do Bruno Moreira Leite.

 

 

19
Mai18

Prado - os nossos produtos e sabores em propostas originais

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Lembro-me do António Galapito, ainda como estagiário, no Bacchus de Nuno Mendes em Londres. Foi em Julho de 2008, deveria ter uns 17 anos. Entretanto, ele continuou por Londres e eu fui ao The Corner Room, ao Viajante e à Taberna do Mercado onde esteve, e fomo-nos cruzando por lá. Em 2013, estava no The Corner Room e foi falar aos alunos do mestrado em Ciências Gastronómicas do trabalho que faziam e do processo de desenvolvimento dos produtos. Recentemente, com 26 anos, voltou para Lisboa e abriu o Prado, onde fui há algumas semanas.  

 

Um espaço bonito e acolhedor. Um menu baseado em ingredientes nacionais e sazonais. Para acompanhar, vinhos exclusivamente orgânicos, biodinâmicos e naturais. No dia em que fui o menu tinha 16 propostas de pratos salgados, e sugeriam que fossem partilhados.

 

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Pão de trigo Barbela, Prado - Gleba; Manteiga fresca de cabra, sal fumado e alface do mar; Gordura de porco preto batida, alho e louro

 

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 Berbigão, acelgas, coentros e pão frito

 

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 Sarrajão, funcho, cedrat e codium

 

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 Couve-coração, massa de pimentão e trigo sarraceno

 

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 Cavala, salsa e vinagrete de alface do mar

 

E no final destes pratos o António Galapito trouxe-nos um que não estava na carta:

 

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 Lúcio perca, azedas e pimentão fumado

 

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Gelado de bolota, cevada e dulse

 

Não sendo uma cozinha tradicional, reconhecemos produtos e, sobretudo, sabores com que nos identificamos, mas em combinações muito originais. Os pratos em geral estavam todos muito bons, se tivesse que destacar um, seria a couve coração com massa de pimentão e trigo sarraceno - muito diferente, mas muito familiar. É interessante quando tal acontece. Não me entusiasmou tanto a sobremesa.

 

Nalguns momentos fez-me lembrar o Viajante, o que não é de estranhar, visto que o António Galapito foi chefe executivo do Viajante. Mas as propostas são diferentes, até porque o local e os produtos são diferentes.

 

Quanto ao preço, achei muito aceitável, os pratos que pedimos e mais uma garrafa de vinho, para duas pessoas, andou pelos 64 euros. Na situação atual em Lisboa, achei bastante razoável tendo em conta a qualidade dos produtos e a originalidade da proposta.

 

Não será um restaurante que agrade a todos, mas não é suposto que assim seja numa cozinha com estas característica. Propostas numa linha muito contemporânea, com uma abordagem à cozinha portuguesa com influências nórdicas. Penso muitas vezes como esta aproximação evoluirá, o que ficará quando a "moda", inevitavelmente, passar. Mas certamente ficarão aspetos importantes, descoberta de novo produtos, combinações e técnicas. A ver vamos!

 

Um espaço simpático, com um bom serviço de mesa, onde fiquei com vontade de voltar.

 

 

Restaurante Prato

Travessa das Pedras Negras, 2  - Lisboa

 

 

 

1º Foto DAQUI

17
Mai18

Sangue na Guelra - #COOKTIVISM (Parte II)

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Depois das sessões da manhã seguiu-se o almoço, preparado pelos chefes Luís Gaspar (Sala de Corte), Manuel Liebaut (LOCO), Maurício Vale (SOI) e pelo chefe pasteleiro Carlos Fernandes. Para acompanhar vinhos do  Esporão  e cerveja Estrella Damm. Pratos variados e que proporcionaram uma boa refeição.

 

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A sessão da tarde começou com Rita Sá, Fisheries Officer da WWF em Portugal e membro da Associação Natureza Portugal, que falou dos impactos da pesca não sustentável nos mares, na vida humana e na natureza. Falou de trabalho que têm feito com pescadores,  e ainda do Guia WWF para Consumo de Pescado, cuja versão impressa foi distribuída durante o simpósio.

 

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Seguiu-se Douglas McMaster, do restaurante SILO em Brighton, UK, considerado o Best Ethical Restaurant 2016 nos Observer Food Awards. Uma apresentação um pouco na linha da da manhã por Bo Songavisa e Dylan Jones. Falou do desperdício alimentar e de como casualmente, na Austrália, tinha deixado a carreira em restaurantes de topo para se envolver num projecto em que o objetivo era não ter sequer caixote de lixo no restaurante, e de como isso mudou o seu percurso. O seu lema é o Respeito - pelo ambiente, pela forma como os alimentos são produzidos, pela alimentação fornecida ao corpo. Trabalha para reduzir o desperdício total do restaurante, sendo o mobiliário, loiças... feitos, sempre que possível, reciclando despedícios. Os pratos são feitos a partir de sacos de plástico, as mesas do restaurante foram carteiras de escola... Trabalham agora num projeto de produzir cerâmica com pó do vidro das garrafas. Ficou-me a frase Waste is a failure of the imagination. Pus-me as mesmas questões que tinha posto de manhã. O restaurante entrou para a minha lista de restaurantes a visitar e farei os possíveis por lá ir um dia destes.

 

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 O menu é também projetado, para minimizar o desperdício.

 

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O dia terminou com Alex Atala, chef do D.O.M., São Paulo e mentor do Instituto ATÁ que, segundo o seu manifesto, trabalha  para "aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir e o produzir da natureza; agir em toda a cadeia de valor, com o propósito de fortalecer os territórios a partir da sua biodiversidade, agrodiversidade e sociodiversidade, para garantir alimento bom para toda a gente".  Falou da sua evolução como cozinheiro, disse que como cozinheiro o seu principal compromisso é fazer comida deliciosa, e que só depois de o conseguir pode dar mais passos. Que depois de muito trabalho e deste ser reconhecido, pôde então dedicar-se à intervenção para que pequenos produtores, artesãos e comunidades se estruturem e sejam remunerados de forma justa. Falou de trabalho feito com o Instituto ATÁ. O carisma e o entusiasmo de Atala prenderam o público desta apresentação muito rica de conteúdo.

 

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Foi um dia muito rico. Parabéns à Ana Músico e ao Paulo Barata pela organização.

 

16
Mai18

Sangue na Guelra - #COOKTIVISM (Parte I)

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Em 1997, no 1º Forum Ciência Viva, José Mariano Gago disse "Experimentar é confrontar o pensamento com a realidade... não basta apenas assistir aos resultados espectaculares de uma ciência mas acima de tudo apreendê-la, pensá-la e relacioná-la com o real". Esta frase marcou-me e fez-me reflectir muito sobre a forma e os objetivos das sessões de divulgação de ciência que sempre gostei de fazer. Mas não só sobre isso, porque o mesmo tipo de raciocínio pode ser estendido a outras áreas, com é o caso da cozinha. 

 

Não há evento, seja do que for, que não tenha sessões de show-cooking. Muitas das reuniões e congressos na área da gastronomia são constituídos quase exclusivamente, ou maioritariamente, por apresentações de cozinheiros. Cada vez com pratos mais espectaculares, mas cada vez se sai de lá (sobretudo as pessoas menos envolvidas na área) a entender menos  o que fizeram, como fizeram, e que técnicas usaram. Por vezes comparo com o 1º Congresso de Cozinheiros, onde tudo era menos espectáculo, mas tudo era mais explicado e discutido. Agora é bem diferente. Muitas vezes saio a pensar que o modelo tem que mudar, que está esgotado. Que todo aquele espectáculo, apesar de ser agradável de se ver e do interesse de muitos, sabe a pouco. Frequentemente é mesmo só o espectáculo, pois a informação transmitida é pobre e por vezes, quando pretendem ir mais longe, com erros de fundo. Fico com a sensação de que é preciso dar um salto, que o poder do espectáculo acaba por minar um maior aprofundamento e uma abordagem mais sólida. Também com a sensação de que a intervenção de outras pessoas ligadas à alimentação, mas noutras áreas que não na produção, é cada vez mais importante.

 

Um evento sobre cozinha sem sessões de show cooking, sem se falar de uma única receita é pouco comum. Mas aconteceu recentemente - o Symposium 2018 - Sangue na Guelra, organizado pela Ana Músico e Paulo Barata da Amuse Bouche, e dedicado a  debater temas como identidade, sustentabilidade e activismo gastronómico. Felizmente estava em Lisboa, e felizmente à última da hora decidi ir, porque gostei muito.

 

Começou de manhã e quando chegámos, antes de entrarmos na sala, esperava-nos um pequeno almoço, doces, pão, fruta, café. Não sei já dizer quem produziu o que nos ofereceram, a não ser o pão. No final tive a sorte de me oferecerem dois e me darem um cartão da Micro Padaria - Produção Artesanal, com uma loja na Graça, na Rua Angelina Vidal, que hei-de visitar.

 

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Gosto mesmo muito da ideia de começar com o pequeno almoço. Mas a forma como funcionou pode ser melhorada, para tornar a experiência mais agradável e com uma oferta um pouco mais variada e completa.

 

A primeira sessão foi com Francisco Sarmento, representante da FAO em Portugal, que na sua apresentação "Alimentação: juntando a fome com a vontade de comer", falou dos desafios do sistema alimentar actual e do direito a uma alimentação adequada. Mostrou que um mundo em que a fartura e variedade de alimentos, e em que por vezes o desperdício é grande, é a realidade apenas para alguns, porque para outros a experiência é bem diferente, e cerca de 10% das famílias em Portugal experimentaram insegurança alimentar em 2016. Valores que chocam, que são quase um murro no estômago. Informação que nos faz pensar e perspectivar as coisas de outro modo. Valores que mostram que é necessário um sistema alimentar mais sustentável.

 

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Seguiu-se Alfredo Sendim, da Herdade do Freio do Meio, que falou de uma forma diferente de viver e praticar a agricultura - a Agroecologia. De um outro tipo de relação entre produtores e consumidores em que estes desempenham um papel integrante no processo de produção, são como que parceiros. Uma visão que permite criar novos vínculos ao alimento e combater contra a "desvinculação da alimentação com a comunidade, a família, o prazer, a espiritualidade, o mundo natural envolvente, a cultura e a identidade territorial" um dos problemas referidos na apresentação anterior.

 

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Os responsáveis pela apresentação seguinte, Bo Songvisava e Dylan Jones, vieram de muito longe, da Tailândia onde têm o seu restaurante Bo.Lan. Um restaurante em que pretendem reduzir a pegada ecológica, respeitar e promover a biodiversidade alimentar, preservar a herança culinária, a cozinha e as práticas tradicionais, utilizar essencialmente produtos orgânicos, procurando estabelecer laços com os pequenos produtores.

 

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Pretendem contudo ir mais além, e procurar soluções alternativas para outros problemas cada vez mais prementes,  como reduzir a quantidade de plásticos usada no restaurante e o respetivo lixo, lidar com o lixo orgânico, não só reutilizando de forma diferente na sua cozinha coisas que de outra forma seriam desperdício, mas também para outras aplicações, como por exemplo rações para os animais  ou para sabões e para aromatizar o ambiente. Trouxeram inclusivamente exemplos.

 

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Falaram dos projectos futuros, variados e ambiciosos.

 

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Mas falaram também dos problemas e desafios associados.

 

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Gostei da apresentação, a Bo é uma excelente comunicadora, e a paixão e o entusiasmo que ambos demonstraram envolveram toda a plateia. Levam este tipo de activismo a um ponto pouco comum. Fiquei a pensar na viabilidade de pôr tudo aquilo em prática num restaurante. É importante que desenvolvam estratégias e que se abra o caminho, e nisto o seu trabalho é decisivo, mas parece-me impossível um restaurante aplicar por si só tudo o que referiram. Muitas das coisas poderão, contudo, dar origem a novos negócios que funcionarão em paralelo com os restaurantes.

 

A manhã terminou com Alexandra Forbes, jornalista de gastronomia e co-fundadora, com a ONG Gastromotiva e o chef Massimo Botura, do Refettorio Gastromotiva - um restaurante escola em que se aproveitam excedentes alimentares para, num espaço muito agradável,  servir refeições à população carenciada do Rio de Janeiro.  Um projeto que foi inaugurado durante os Jogos Olímpicos de 2016 e que promove a transformação social através da comida.

 

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Uma manhã muito variada e rica. Muita food for thoughts, como se diz por aqui. Mas mais houve à tarde e breve contarei...

 

 

1ª e ultima imagens DAQUI

 

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