Pastéis de Tentúgal – o fascinante engenho humano e a ajuda do glúten
Acho fascinante como o engenho e arte humana conseguiram transformar ingredientes básicos em produtos extremamente delicados e sofisticados. Ao comer um Pastel de Tentúgal é impossível não pensar nisto. A finíssima e delicada massa são fascinantes!
Segundo Virgílio Gomes no seu livro "Doces da nossa vida" pensa-se que o processo de produção desta massa foi ensinada pelos mouros que por cá passaram, já que é semelhante à massa usada para doces em todo o Magrebe e até na Turquia.
Em Tentúgal, eles foram inicialmente produzidos no Convento de Nossa Senhora da Natividade, fundado em 1565 e que era habitado pela Ordem das Carmelitas de Portugal. Ainda segundo Virgílio Gomes, as primeiras freiras que habitaram este convento vieram do Convento da Esperança em Beja, e possivelmente foram elas que trouxeram as bases para a doçaria que aqui se desenvolveu e que deu origem aos Pastéis de Tentúgal.
A curiosidade sobre a forma de os produzir levou-nos (a mim e a um grupo de alunos do mestrado em Ciências Gastronómicas) até Tentúgal, onde a pastelaria Pousadinha aceitou receber-nos e deixar-nos assistir a todo o processo de produção dos pastéis.
Começámos por ver preparar a massa, para a qual se usa apenas farinha de trigo e água. Para as quantidades necessárias, a experiência e sensibilidade de quem a faz é a medida usada. A massa é amassada, antigamente à mão, agora já não. O objectivo é obter uma massa bem lisa e elástica, e para tal é importante que a rede de glúten se forme adequadamente. Sendo depois deixada a descansar.
Segue-se depois o processo de esticar a massa. A rede de glúten formada dá à massa as características necessárias para, quando trabalhada por mãos experientes, com paciência e delicadeza, ser estendida até se obter uma enorme folha finíssima sem qualquer rasgão.
O processo é levado a cabo em salas com estrados que cobrem quase todo o chão, e que estão cobertos com panos brancos.
Mais tarde, depois de ter secado um pouco, e aqui também a experiência dita o ponto certo, para que a massa não fique demasiado quebradiça, nem os pedaços se agarrem uns aos outros, a massa é cortada em forma de meia lua.
Feita a massa, o passo seguinte é recheá-la com um doce de ovos confeccionado com os ovos moles. Há no entanto algumas variações em que o recheio tem também amêndoa ou amêndoa e gila.
As folhas de massa são delicadamente pinceladas com manteiga derretida, o processo é feito usando uma pena de perú, depois o recheio colocado e os pastéis enrolados. Os pastéis tradicionais, com a forma de palitos, são recheados apenas com doce de ovos. Os pastéis em forma de meia lua e com seis cristas, o formato original, são recheados, na pastelaria Pousadinha, com doce de ovos e amêndoa. E, finalmente, os pastéis em forma de trouxa, uma inovação mais recente, são recheados com doce de ovos com amêncoa e gila.
O passo seguinte é a a cozedura no forno até que a massa fique bem estaladiça e douradinha. Depois a criatividade faz com que sejam apresentados de formas variadas.
Uma visita excelente e extremamente interessante. É importante que este conhecimento não se perca e, portanto, envolver gente jovem neste trabalho.
Para além dos Pastéis de Tentúgal, pudemos ainda testemunhar a variedade e qualidade de doces, pães e salgados, produzidos na Pousadinha.
A Pousadinha - Rua da Doçaria Conventual, 776 - Tentúgal