O tempo não volta para trás...
Pela zona da Alameda Afonso Henriques muito tem mudado nos últimos anos. Lembro-me de haver vários restaurantes e tasquinhas de cozinha portuguesa, restaurantes de bairro, muitos desapareceram, no seu lugar apareceu uma diversidade de restaurantes nepaleses, paquistaneses e de outras cozinhas. Alguns deles relativamente concorridos, outros nem tanto. Sabores diferentes, que se adivinham passando na rua, que estão ali para serem provados.
Lembro-me bem do mercado de Arroios ser bastante concorrido, hoje está apenas meio ocupado. Ainda tem boas bancas, mas é um pouco desolador ver tanto espaço vazio. Por outro lado, nas lojas exteriores, que pouco tinham, nada que me tenha ficado na memória, há agora vários restaurantes e lojas interessantes. À volta dele apareceram outros, tornou-se uma área agradável e onde há bastante escolha e muito movimento.
Há dias li o post La Cocina Cambiante de las Ciudades do blog Diario del Gourmet de Provincias y del Perro Gastrónomo em que Jorge Guitián fazia uma reflexão sobre estas mudanças que ocorrem nas cidades, sobre algo idêntico ao que descrevi que presenciou em Madrid. O post, que vale a pena ler, termina assim:
Como decía más arriba, al principio pensé en ello como un problema, como una pérdida de identidad. Hoy lo veo como una ventaja, como un reflejo de la sociedad y una manera de normalizar la existencia de diferentes perfiles de habitantes, como una oportunidad para romper tabúes y para deshacernos de tópicos; para convencernos de que el futuro es eso y nos enriquece a todos. Y ha empezado a hacerlo por el panorama gastronómico, que es gracias a esta realidad, más rico, más diverso y más interesante porque suma cosas que no han venido a ocupar el sitio de nada ni nacen con vocación de ghetto sino que se añaden a la oferta y la hacen más variada.
Também o vejo assim. É pena ver desaparecer restaurantes que nos acompanharam durante décadas, sente-se como uma perda. Mas o mundo muda e há que desfrutar dessa mudança, lamentá-la não resolve nada.
Uns dias depois li no Público a coluna de Miguel Esteves Cardoso, Viva Maria Aparício! e lembrei-me novamente desta situação. Referia uma entrevista a uma vendedora de frutos e legumes do mercado da Ribeira publicada na Time Out, em que ela dizia que a situação atual é bem diferente do mercado movimentado do passado, e que o que o que agora vende mal dá para as despesas.
Miguel Esteves Cardoso terminava assim:
É uma delícia ouvir a verdadeira voz de Lisboa, de queixume, saudade e reivindicação. Que volte imediatamente o estacionamento para os automóveis! Que volte o Mercado da Ribeira onde havia dezenas de peixeiras em alegre concorrência e um andar inteiro cheio de uma variedade estonteante de azeitonas e tremoços! Abaixo o TimeOut Market!
Mas o que é um facto é que o queixume e a saudade nada resolvem. O que é um facto é que neste momento um mercado da Ribeira cheio de "peixeiras em alegre concorrência e um andar inteiro cheio de uma variedade estonteante de azeitonas e tremoços!" é uma verdadeira utopia. O mundo mudou, não há clientes para este mercado, que até só funcionaria de manhã.
O Time Out Market não é o meu local de eleição, mas é o local de eleição de muita gente. Aquele espaço foi recuperado, é agora movimentado e vivo. Sempre! Ainda há uma zona de mercado em que a sensação que tenho quando lá entro é idêntica à que tenho quando entro no mercado de Arroios. E não é o Time Out Market o culpado da falta de venda de frutas, legumes e peixe no mercado. Simplesmente a forma de funcionamento do mercado é cada vez menos compatível com a forma como vivemos.
O mundo mudou! E vai continuar a mudar, quer nos queixemos ou tenhamos saudades, e resistirmos não o impede. As coisas à nossa volta inevitavelmente refletem essa mudança. O que é importante é compreender a mudança, ver os aspetos positivos e desfrutar dela, porque o tempo não volta para trás.
1ª Foto DAQUI
3ª Foto DAQUI