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Assins & Assados

Assins & Assados

06
Out24

Chishuru - cozinha africana no centro de Londres com uma estrela Michelin

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Em Fevereiro de 2024, quando foi divulgada a atribuição das estrelas Michelin no Reino Unido, foi muito comentada a atribuição de uma estrela a dois restaurantes de comida africana, em Londres, ambos de chefs Nigerianos - o Chishuru e o Akoko. Relativamente ao Chishuru, havia ainda outra característica que o distinguia, era a primeira mulher negra a receber uma estrela Michelin no UK, e a segunda no mundo. Tudo isto despertou-me a curiosidade e o interesse por ir ao Chishuru.

A oportunidade chegou recentemente numa ida a Londres, em que tinha possibilidade de ir lá almoçar. Fui tentar marcar e, no site de reservas, diziam que não faziam marcações para uma pessoa, e até que se fosse feita marcação para uma mesa de dois lugares para uma pessoa, se teria que pagar 50 £ pelo lugar que ficava vazio. Aconselhavam a passar perto do início do serviço, pelas 12h 30m, ou então mais perto do final, pelas 13h 30m para ver se havia mesa. É uma prática que não acho simpática, mas com a qual já me deparei em vários restaurantes, e até falei dela aqui. Pus a hipótese de não ir, mas decidi seguir o conselho deles e tentar a minha sorte perto da 13h 30m. Planeei também alternativas, para o caso da sorte não estar do meu lado.

Mas a sorte estava do meu lado, cheguei, disse que não tinha marcação, perguntei se tinham mesa e disseram-me que sim, mas que teria que ir para a sala da cave, pois a do piso de entrada, com a cozinha à vista, estava cheia. Tudo bem! Levaram-me à sala da cave, que teria talvez uns 20 lugares, e... estava completamente vazia, como podem ver pela fotos que aproveitei para tirar. Contudo, disseram-me também que não me preocupasse que não ia ficar sozinha a almoçar, e entretanto chegaram mais três casais.

Curiosamente, antes de começar a escrever fui ver o site de reservas de novo, para confirmar exatamente o que dizia, e essa regra deixou de lá estar e quando se escolhe o número de pessoas, já aparece a possibilidade de marcar para uma pessoa. Há tempos tinha visto que o mesmo já acontece no The Fat Duck. A vida não deve estar fácil para os restaurantes...

 

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Era altura de aproveitar o almoço e fazer novas descobertas! O menu de almoço, que custava 45 £ incluía duas entradas, um prato principal escolhido entre três opções possíveis, e uma sobremesa. Havia a hipótese de pedir, mediante um pagamento extra, um conjunto de acompanhamentos.

 

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Perguntei qual era o prato mais diferente do habitual e sugeriram-me o Ukwa. Só queria ouvir o que me diziam, pois já tinha decidido que o ia pedir, por ser aquele que tinha mais dificuldade em imaginar e que tinha um ingrediente principal que não conhecia. Entretanto, perguntaram-me se queria uma entrada extra que tinham no dia. Não percebi o que era quando descreveram, pedi para repetirem, e voltei a não perceber. Estava ali para fazer novas descobertas, claro que queria, e sem saber o que era até se tornava mais excitante. Perguntaram-me se tinha a certeza. Disse que sim. Pedi um copo de vinho, Domaine Geschickt - One Drop 2022, disseram-me que era um vinho natural, pouco habitual, e perguntaram-me se queria mesmo. Disse que sim.  Pelos vistos o almoço ia ser mesmo uma aventura!  

Chegaram as duas entradas do menu, frescas, muito saborosas, com ingredientes diferentes do habitual. Muito boas. O vinho, fresco e com um pouco de gás, também me agradou. Em Portugal, na maioria dos restaurantes trazem a garrafa e o copo de vinho é servido na mesa, aqui é prática comum, com algumas (até agora raras) exceções, o vinho vir já servido. Foi o que aconteceu, trouxeram-no já no copo e apenas vi a garrafa em fotos quando fui pesquisar para saber um pouco mais sobre o vinho.

 

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Sinasir - Fermented rice cake with heirloom cherry tomatos, clementine & chilli dressing, bronze fennel fronds

 

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Akara - Bean fritter with okra & candied chillies, fermented rhubarb & chilli sauce

 

Comidos os dois, chegou a entrada "surpresa". Dois espetos com corações de pato grelhados. A descoberta não foi tão grande como esperava, já tinha comido algumas vezes, mas nunca tão bons como estes, rosados, suculentos e muito saborosos. Deliciosos!

 

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O prato principal chegou, com o conjunto de acompanhamentos extra que tinha pedido.

 

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Ukwa - Breadfruit seeds with kohlrabi, Jerusalem artichoke, spinach & green chilli sauce

Jollof rice, spiced courgette, heritage carrots, plantain

 

Tal como os anteriores, um prato que tinha como base um produto e um prato nigeriano. Muito interessante e saboroso...

Finalmente a sobremesa.

 

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Strawberries & cream - Utazi sorbet, macerated strawberries, plantain & brown sugar cream, peanut crumb

 

Utazi é um vegetal, umas folhas verdes, usado na Nigéria, por exemplo para fazer sopa, e que têm um gosto amargo. Aqui era usado num gelado, um sabor diferente, original, mas agradável. Os morangos, que davam o nome à sobremesa, eram apenas duas fatias. Mas, globalmente, a sobremesa era muito fresca e agradável.

A Chef Adejoké Bakare, licenciou-se em ciências biológicas na Nigéria, veio para Londres e trabalhou em várias áreas não relacionada com alimentação. No entanto, sempre se interessou por cozinha e tinha o sonho de abrir um restaurante. Em 2017 começou com um supper club, no final de 2020 Adejoké Bakare ganhou uma competição para abrir um restaurante pop-up por três meses em Brixton Village. Este teve tanto sucesso que o seu restaurante se tornou permanente, tendo fechado cerca de dois ano depois. Em Setembro de 2023, abriu uma nova versão do Chishuru no centro de Londres, em Fitzrovia, e seis meses depois ganhou uma estrela Michelin.

O almoço custou bastante mais do que as 45 £ do menu base de almoço. Com os acompanhamentos e entrada extra, o vinho e o serviço ficou por 88 £, um valor significativo. Gostei muito do que comi, tudo bastante saboroso. Uma aproximação diferente à cozinha africana que gostei de conhecer e vários ingredientes que desconhecia. Um ambiente e um serviço simpáticos e bastante descontraídos. Tanto que na página de reservas, antes de tudo o mais, tem a seguinte informação.

 

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Ficou-me contudo uma questão... Porquê uma estrela Michelin? Sei que fui ao almoço, ao jantar o preço é um pouco mais do dobro e o menu diferente. Mas os pratos que vejo no site da Michelin não são muito diferentes dos que comi. De qualquer forma, não encontrei aqui o padrão de exigência que associo à atribuição de uma estrela Michelin.  Há muito que sinto que o critério de atribuição de estrelas é diferente no UK do que é noutros países, incluindo Portugal. Até já comentei isso aqui em várias situações (por exemplo, aqui). 

 

01
Out24

Salted Egg Cereal, um chocolate único, estranho e intrigante!

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Não ia passar de hoje sem escrever. O assunto até já estava decidido. Sentei-me, com uma chávena de chá, para começar. Primeiro ia escolher as fotos... mas apeteceu-me qualquer coisa doce. No sábado tinha chegado uma caixa com quatro tabletes de chocolate que tinha comprado. Chocolates com inclusões pouco habituais - batatas fritas, chá oolong, cogumelos porcini, e ovo de pata salgado. Peguei nesta última tablete, a que tinha mais dificuldade em imaginar como seria. Depois de saborear dois quadradinhos tinha mudado de ideias sobre o tema para o post. A experiência tinha sido marcante... Provavelmente o chocolate mais estranho que já provei! 

Começando pelo princípio... Há quase sete anos li um artigo sobre uma empresa, Cocoa Runners, que vendia chocolates artesanais e que oferecia umas subscrições, em que enviavam todos os meses uma caixa com quatro tabletes diferentes, e prometiam mesmo evitar repetir.  Subscrevi no mesmo dia. 81 meses e 324 tabletes depois, não acredito que tenha havido mais de meia dúzia de repetições. Provei chocolates com cacau de todas as regiões que o produzem, trabalhado artesanalmente por chocolateiros do cinco continentes, e a minha visão do que é chocolate mudou. Também me criou um problema, tornei-me muito mais exigente e não encontro grande encanto nos chocolates que antes consumia.

Para além dos chocolates que recebo (a maioria chocolate preto e alguns de leite) raramente lhes compro mais algum. Contudo, regularmente a Cocoa Runners organiza sessões de prova e, de tempos a tempos, vou até Londres para participar numa (por exemplo, uma de chocolates portugueses Vinte Vinte). A mais recente, há poucos dias, foi uma prova de Chá e Chocolate.

 

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Envolvia analisar a combinação de três chocolates e chás previamente escolhidos, e também provar dois chocolates com inclusões de chá. Um destes, chocolate branco com matcha e sencha,  produzido em Portugal pela Feitoria do Cacau, já tinha comprado em Lisboa. O outro, chocolate negro com chá oolong, produzido pela empresa Fu Wan em Taiwan, surpreendeu-me e era absolutamente delicioso! Tanto que o quadradinho que me deram se revelou insuficiente e, logo de seguida, encomendei uma tablete, apesar de ser tão caro quanto delicioso! 12,95 £ por 50 g de chocolate. Aproveitei a oportunidade e encomendei mais três chocolates "estranhos". O de ovo de pata salgado, produzido em Singapura pela Fossa, que andava há muito adiado, foi um deles.

 

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Ingredients: Cocoa butter, milk powder, sugar, salted egg yolk, cereal, butter, curry leaves, chilli padi, sea salt

 

Eu nem gosto de chocolate branco... mas, tal como li num algures, este é um chocolate branco para quem não gosta de chocolate branco. A cor, um amarelo torrado, que faz lembrar o leite condensado cozido que fica caramelizado. O aroma era também a leite e caramelo. Quando se tocava era muito sedoso, mas quando se partia não se ouvia o "snap" característico do chocolate, era mais macio. Na boca começava a derreter e os sabores iniciais era o do leite caramelizado, com a textura cremosa resultante da manteiga de cacau, mas rapidamente se sentiam as inclusões granulosas dos cereais, da folha de caril e do chilli. O sabor ia mudado, as especiarias iam aparecendo, por vezes era até levemente picante, e o ovo começava a surgir. O final de boca era prolongado, um sabor forte a ovo, em que se sentia distintamente o aroma do enxofre.

Estranho, intrigante, único... um chocolate de tal forma complexo e potente que só dá para comer em pequenas doses. Delicioso! Mas não será um chocolate consensual, longe disso. Uma experiência nova que me marcou o dia!

 

Última foto DAQUI

12
Set24

Soufflé - as expetativas sairam gorada, mas ainda bem!

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Há dias almocei num restaurante cujo nome inclui as palavras "French Bistro", entre as entradas disponíveis havia  um Aged Comté Cheese Soufflé, White Wine & Mustard Sauce. Nem hesitei, é tão raro haver soufflés nos restaurantes! Para além do soufflé ser um dos símbolo da cozinha francesa, e estava ali para isso.

Imaginei que me serviriam um soufflé com um aspeto semelhante ao da foto aqui em cima. Leve, etéreo, saboroso. O que me serviram uns minutos depois não correspondia de todo à imagem acima.

 

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Pensei com os meus botões "é um twice-baked soufflé, podiam ter escrito no menu". Era saboroso, mas faltava-lhe a textura leve característica de um soufflé. Comi com agrado, mas ficou o desejo de comer um soufflé clássico francês.

Também ficaram várias questões na minha cabeça, nomeadamente sobre onde e quando surgiram os soufflés cozinhados duas vezes. Tenho andado à procura, e encontrei muito sobre a história dos soufflés clássicos, absolutamente nada, para além de receitas, sobre os soufflés cozinhados duas vezes. Mais, quase todas as receitas que vejo para este tipo de soufflés têm origem em países anglo-saxónicos, o que me leva a imaginar que será uma criação originária de um desses países.

Até é compreensível que me tenham servido este tipo de soufflé, podiam era ter informado, as expetativas seriam outras. Fazer um bom soufflé requer tempo, mas sobretudo um bom controle deste e da temperatura do forno, há ainda muitos detalhes que podem fazer com que o resultado final não seja o desejável. Um bom soufflé é maravilhoso, quase mágico, mas... a magia pode durar pouco! 5 a 10 minutos depois de sair do forno arrefeceu o suficiente para "ir abaixo" e deixar de ter o aspeto mágico. Foi o que aconteceu com este que me serviram há tempos num jantar. Até vi chegarem os primeiros bem altos a outras mesas, mas quando o meu chegou estava bem triste.

 

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Imagino que o French Bistro onde fui tenha uma cozinha pequena, um número muito limitado de cozinheiros, na sala só estava um empregado de mesa, e tudo isto dificultaria que o soufflé chegasse no seu ponto ótimo...

O nome deste prato corresponde ao particípio passado do verbo "souffler" (soprar). Nas minhas pesquisas, fiquei a saber que a sua origem teve lugar em França, contudo a autoria e a data do primeiro soufflé não é consensual. Há quem a atribua a Vatel, o cozinheiro do rei francês Luís XIV, na segunda metade do século XVII, outros (a maioria) consideram que a primeira receita foi desenvolvida por Vincent la Chapelle, no início do século XVIII. Mais consensual é que 100 anos mais tarde, em meados do século XIX, a técnica para os preparar foi otimizada por Marie-Antoine Carême. Nesta otimização do processo também teve influência a evolução da tecnologia dos fornos. Carême incluiu mesmo no seu livro “Le Pâtissier Royal Parisien”, publicado em 1815, várias páginas sobre a arte de fazer soufflés. Contudo, a primeira receita de soufflés foi publicada um ano antes, em 1814, por Antoine Beauvilliers, considerado responsável pelo primeiro grande restaurante de Paris, no seu livro "L’ Art du Cuisinier". A popularidade dos soufflés cresceu nos restaurantes de alta cozinha na primeira metade do século XX*, tendo posteriormente vindo a decair. O que é um facto, é que não é um prato que se adapte a longas sessões de fotos para serem publicadas nas redes sociais...

Como sobre a origem do soufflés cozinhados duas vezes, não encontrei absolutamente nada, se alguém souber alguma coisa, gostava muito que me dissesse. Recorri até ao meu amigo Hervé This, que estudou o vários fatores responsáveis pela forma como um soufflé cresce para a sua tese de doutoramento. Talvez ele soubesse. Adiantou um pouco mais, mas não me deu as respostas que gostaria de ter. Disse-me que foi um dos assuntos discutidos no 1ª Workshop de Molecular and Physical Gastronomy, em Erice, em 1992, e que o testou nas suas primeiras experiências. Que na altura havia vários chefs a fazer este tipo de soufflés, como por exemplo na Maison du Soufflé em Paris, ou no Mosimann's em Londres. Comentou também algo que já referi, e até pelas fotos se vê, que a técnica usada para os soufflés cozinhados duas vezes faz com que o resultado seja diferente do dos soufflés clássicos e se perca muito da delicadeza e da textura do soufflé clássico.

O meu primeiro encontro com os twice baked soufflés foi nos primeiros anos do século XXI, através de receitas em livros e revistas ingleses. Na altura dava regularmente aulas de cozinha na Cozinhomania do Carlos Braz Lopes, e em 2006 dei uma aula de soufflés que se podiam fazer com antecedência, em que fiz 4 soufflés. Repeti esse curso mais umas duas vezes. Na altura fazia-os bastante em casa. Não só os fazia com antecedência, como até os congelava depois da primeira cozedura, e quando queria deixava descongelar e depois cozinhava-os pela segunda vez. Aqui ficam duas das receitas que fazia.

 

Soufflés de Roquefort


Para 6 pessoas


100 g + 50 g de queijo Roquefort
250 ml de leite
2 rodelas de cebola
1 folha de louro
Noz moscada
40 g de manteiga
40 g de farinha
4 ovos
150 ml de natas
Sal e pimenta


1 - Ponha num tacho o leite, a cebola e o louro e tempere de noz moscada e pimenta moídas na altura. Leve ao lume até levantar fervura. Deixe em repouso mais uns minutos e depois passe por um passador.
2- Num tacho derreta a manteiga, junte a farinha e mexa bem até ficar uma pasta. Deixe cozer durante 1 ou 2 minutos, mexendo, mas sem deixar corar. Regue, aos poucos, com o leite mexendo sempre. Obtém um creme espesso. Tempere com sal e deixe cozer, mexendo sempre, durante uns 2 minutos.
3 - Retire o tacho do lume, deixe arrefecer levemente e, mexendo sempre, junte as gemas uma a uma. Junte então 100 g do queijo Roquefort em pedaços e mexa até que este esteja derretido e bem misturado com o creme.
4 - Bata as claras em castelo, Junte uma colher ao preparado do queijo e misture bem. Deite esta mistura sobre as restantes claras em castelo e envolva bem.
5 - Divida a mistura em tigelas individuais previamente untadas, ponha-as dentro de um tabuleiro e encha este com água a ferver até uma altura de cerca de 1 cm. Leve ao forno a 180º cerca de 20 minutos.
6 - Retire o tabuleiro do forno, retire as tigelas de dentro de água e deixe arrefecer. Quando estão quase frias, desenforme. Nesta altura se quiser tape-as com filme e guarde no frigorífico 1 ou 2 dias.
7 - Quando quiser servir. Ponha os soufflés num tabuleiro untado e ponha sobre eles um cubinho de queijo Roquefort. Leve ao forno a 180º, numa prateleira acima do meio do forno. Deixe cozinhar cerca de 30 minutos.
8 -  2 ou 3 minutos antes de terminar, deite uma colher de sopa de natas sobre cada soufflé. Sirva os soufflés imediatamente.

 

Soufflés de Espinafres


300 g de folhas espinafre limpas
75 g de manteiga
1 cebola, picada
40 g de farinha
375 ml de leite
5 gemas
6 claras
400 ml de natas (2 pacotes)
50 g de queijo Parmesão ou Gruyére, ralado
Sal, pimenta e noz-moscada


1—Ponha os espinafres, molhados, num tacho, tape e leve a lume médio cerca de 5 minutos. A meio mexa e no final os espinafres devem ficar com ar de cozidos. Deixe escorrer e arrefecer. Aperte bem com as mão para largarem toda a água possível e depois pique-os.
2—Derreta 1 colher de sopa de manteiga numa frigideira e frite nela a cebola em lume médio, mas sem deixar corar. Junte os espinafres picados, tempere de sal e pimenta e continue a mexer sobre o lume mais 2 ou 3 minutos. Deve ficar bem seco.
3—Com a manteiga restante, a farinha e o leite faça um molho béchamel. Para tal, derreta a manteiga em lume brando, junte a farinha e mexa bem até que se forme espuma à superfície, mas sem deixar corar. Regue, de uma só vez, com o leite frio e mexa bem. Deixe levantar fervura e ferver cerca de 2 minutos em lume brando, mexendo sempre. A meio da cozedura tempere de sal, pimenta e noz moscada.
4—Ponha numa tigela à parte cerca de 1/3 do molho e cubra com um pouco de natas para impedir que se forme um película à superfície quando arrefecer.
5– Deite os espinafres no molho restante, aqueça até ficar bem quente e rectifique os temperos. Fora do lume, junte as gemas uma a uma mexendo bem.
6— Bata as claras em castelo. Junte cerca de 1/4 à mistura dos espinafres ainda quente e mexa bem. Deite sobre o resto das claras e envolva até ficar homogéneo.
7—Encha a formas (individuais) bem untadas com a mistura Ponha-as num tabuleiro com cerca de 1 cm de água a ferver e leve ao forno previamente aquecido a 180º durante cerca de 20 minutos. Os soufflés devem crescer e ficar
levemente dourados. Quando arrefecerem desenforme (não se preocupe por irem abaixo). Pode guardá-los de um dia para o outro.
8 - Na altura de servir, ponha os soufflés num prato de ir ao forno. Misture as natas com o molho béchamel que reservou e leve ao lume até levantar fervura e retifique temperos. Deite o molho sobre os soufflés. Polvilhe com o queijo parmesão. Leve ao lume a 180º cerca de 15 minutos, até incharem de novo e corarem. Sirva imediatamente.

 

As minhas expetativas relativamente ao soufflé saíram goradas, mas ainda bem pois tal deu-me muito em que pensar. Mais do que isso, escrever este post deu-me uma tal vontade de comer um soufflé, que fui fazer um soufflé de peixe para o almoço.

 

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* Pelos vistos estas espumas não causaram tanta polémica como as que surgiram cerca de 50 anos depois... Até parecia que espumas eram uma coisa inexistente na cozinha...

 

1ª foto DAQUI

 

 

 

 

09
Set24

Fox Coffee - O Rei da Cachupa : Uma viagem a Cabo Verde numa mesa em Lisboa

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Há uns meses li a entrevista Tony Fox: Long live the king no site das Edições do Gosto e fiquei com vontade de ir ao Fox Coffee: O Rei da Cachupa, um restaurante que abriu em 2019. Estranhamente não há muitos restaurantes africanos em Lisboa, e pus este, de comida de Cabo Verde, que me pareceu um pouco diferente dos mais tradicionais, na minha lista de restaurantes a ir. Curiosamente Tony Fox, que tem várias atividades, incluindo trabalhar como modelo,  nasceu em Lisboa, viveu 10 anos no Reino Unido, em particular em Londres, e nunca foi a Cabo Verde. 

Na altura da entrevista fui ver onde era o restaurante, e vi que era na Rua António Pedro e, apesar de agora ao reler a entrevista ter visto que dizem que é na Praça do Chile, sem qualquer razão imaginei-o mais para o lado dos Anjos. Acabei por nunca lá ir. Quase um ano depois, ao passar na Praça do Chile, vi onde era. Uns dias depois queria jantar por ali e a escolha foi o Fox Coffee: O Rei da Cachupa.

O restaurante tem uma grande esplanada, onde jantavam algumas pessoas, mas estava fresco e decidi jantar no interior, onde não estava ninguém, mas pouco depois as mesas começaram a ficar ocupadas. Um ambiente agradável, uma decoração com motivos africanos, mas moderna e urbana.

O menu tinha uma grande variedade de cachupas, mas percebi que nem todos os dias estão todas disponíveis. Há um conjunto oferecido diariamente e depois outras que variam. Como era a primeira vez que ali ia, escolhi a mais tradicional, a Cachupa de Carne.

 

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Chegou num tachinho, acompanhada com arroz e um bom molho picante feito no restaurante. Não é um prato que eu tenha comido muitas vezes, portanto as minhas referências são limitada, mas gostei bastante. Boa comida e apresentação cuidada. 

Naquela zona, onde dantes a escolha era muito limitada, cada vez abrem mais restaurantes, e de muitas cozinhas do mundo. O que é compreensível, visto a freguesia de Arroios ser a mais multicultural do país, com pessoas de cerca de 100 nacionalidades. É verdade que os restaurantes de cozinha portuguesa mais tradicionais que ali existiam vão desaparecendo, também fazem falta,  mas alguns projetos interessantes vão surgindo. Há sempre algo a descobrir, e tenho tido experiências interessantes nas viagens à mesa que ali tenho feito. Desta vez foi o Rei da Cachupa, a que tenho muita vontade de voltar logo que possível para experimentar outras cachupas.

 

Fox Coffee: O Rei da Cachupa

Rua António Pedro 173 -177, Lisboa

 

03
Set24

Doce de Morango com Chá Earl Grey - uma delícia!

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Gosto de fazer doces de fruta, tomate, figo e morango são os meus preferidos. Tomate é um doce conforto. Era, a par da marmelada, o que em criança via a minha Mãe fazer em grande quantidade, para o ano todo para uma família de oito pessoas. O de figo é uma hábito mais recente, porque é bom e porque nalguns anos a figueira dá muitos figos.

 

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Não tenho memória de ver a minha Mãe fazê-lo, ela cristalizava-os ou secava-os e comíamo-los durante o inverno. O de morango, o meu preferido, é outra história...

Em criança vivia numa pequena vila da Beira Baixa, os morangos que comia eram basicamente os que davam alguns morangueiros plantados no quintal. Tinham que ser divididos por oito bocas, eram cortados aos pedaços e misturados com (muito) açúcar, o suco do morango com o açúcar (por vezes diluído com um nadinha de água) formava um molho delicioso. Tenho mais memórias do molho dos morangos, do que propriamente dos morangos. Aqueles morangos eram um luxo! Não havia por ali onde comprar, comíamos apenas aqueles que cresciam ali ao lado de casa. Comer morangos era uma raridade! Doce de morango? Nem pensar, não chegavam para isso. 

Muitos anos mais tarde, quando comecei a fazer doces, já tinha acesso aos quilos de morango que quisesse. Mas  doce de morango ainda soava a luxo, e comecei a fazê-lo. Às vezes compro, mas gosto mais dos meus. Sobretudo desde que compreendi os processos moleculares que ocorrem quando se faz um doce de fruta, pois começaram a ficar bem melhores.

Comecei a variar também. Para além do doce de morango simples, faço doce de morango com baunilha e doce de morango e tomate. O ano passado experimentei uma nova variante - doce de morango e chá Earl Grey. Vi a receita no livro Red Sauce Brown Sauce - A British Breakfast Odyssey de Felicity Cloake e... não descansei enquanto não o fiz.

 

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Ficou tão bom! Repeti, mas decidi fazer de memória, e fiz asneira... Juntei o açúcar aos morangos e folhas de chá logo no início. O açúcar impediu as folhas de chá de hidratarem bem e ficaram mais duras. Era óbvio que isso ia acontecer... mas não pensei... Comi todo, mas não era a mesma coisa. Os morangos acabaram e tive que esperar (ansiosamente) quase um ano para o fazer de novo. Tenho comido de vez em quando. Com pão, bolachas, scones ou panquecas, com manteiga ou clotted cream

 

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Ainda tenho alguns frascos para os próximos meses. Depois... é esperar (ansiosamente) que haja morangos de novo... 

 

 

19
Jul24

Uma refeição vegana de elevadíssima qualidade

 

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As refeições veganas continuam, pelo que me apercebo, a ser vistas como sendo de menor qualidade e menos saborosas. Na verdade, exigem pensar um prato de uma forma completamente diferente, seguindo uma abordagem que não foi contemplada na formação da generalidade dos chefs. A evolução, contudo, tem sido enorme ao longo dos últimos anos. Uma referência que me tem permitido aperceber-me de como as coisas têm mudado é o restaurante Land em Birmingham. Fui lá pela primeira vez há sete anos, voltei quase todos os anos. Há pouco mais de um ano falava aqui desta mesma evolução, mas apesar disso fui verdadeiramente surpreendida numa visita recente.

Não costumo escrever muita vezes sobre os mesmos restaurantes. Sobre o Land já escrevi alguns posts  (este é o 5º), e não estava no meus plano voltar a escrever. Contudo, numa visita recente verifiquei um enorme salto qualitativo, tive uma refeição de grande qualidade, de que destaco a originalidade e a riqueza e complexidade de sabores de cada prato. O serviço também melhorou significativamente. Assim, para mim é importante registá-la, para poder continuar a acompanhar a evolução deste restaurante a que pretendo voltar regularmente, tanto mais que a relação preço / benefício é excelente (60 £ o menu que descrevo).

O almoço começou com dois pequenos snacks, muito bons, mas que não me deixaram adivinhar o que se seguiria.

 

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Cauliflower - Gochujang - Spring Onion

Courgette - Preserved Lemon - Herbs

 

Foi com o pão, ou mais propriamente com uma manteiga vegana de sementes de abóbora fermentada, que comecei a dizer "Isto é tão bom!", frase que repeti várias vezes durante a refeição. Aquela manteiga batida tinha uma textura suave mas suculenta, e um sabor forte e amanteigado (não fosse o restaurante 100% vegano, até tinha duvidado se não era mesmo manteiga).

 

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Sourdough - Cultured Butter

 

Seguiu-se um conjunto de pratos excelentes, cada um baseado num vegetal diferente, mas todos com sabores ricos e cores fortes e atraentes. 

 

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Potato - Onion - Wild Garlic - Shimeji

 

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Courgette - Sunflower Seed - Chilli - Black Olive

 

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Tomato [Amela] - Ricotta - Basil - Linseed

 

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Aubergine - Coriander - Sesame - Lemon

 

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Chicory - Cashew - Onion - Truffle

 

Deliciosos! Seguiram-se duas sobremesa muito diferentes.

 

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Sweetcorn - Beetroot - Five Spices

 

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Banana - Calamansi - Peanut - Kasu

 

Banana em três elementos (bolo de banana, creme de banana e banana desidratada), um gelado de um produto que nunca tinha experimentado - kasu, que são borras de saqué. Um subproduto do saqué, formado pelos resíduos do arroz fermentado que são prensados, cremoso e com um sabor relacionado com o do saqué.

Para terminar, a acompanhar um bom chá vieram alguns petit-fours.

 

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White Chocolate - Matcha

White Peach - Saffron

Lemongrass - Lime - Ginger

 

Com a qualidade global do restaurante, compreende-se que este ano surja no Guia Michelin numa lista com sete restaurantes considerados "The Best Restaurants in Birmingham", uma cidade que a Michelin reconhece que  tem evoluído muito a nível gastronómico, tendo uma grande diversidade de excelentes restaurantes. Dos sete restaurantes referidos, apenas três não têm estrelas. Se a evolução continuar a este ritmo, não me admiraria se num futuro próximo o Land integrasse a equipa do estrelados.

 

1ª foto DAQUI

28
Jun24

Opheem - uma cozinha indiana criativa, moderna e sofiticada

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De entre os cerca de meia dúzia de restaurantes com uma estrela Michelin em Birmingham havia um que me despertava particular interesse - o Opheem, um restaurante indiano. As várias opiniões que fui lendo destacavam sempre o trabalho brilhante de Aktar Islam, um chef que já nasceu em Birmingham e que começou por trabalhar no restaurante indiano da família.  O Opheem abriu em 2018 e ganhou a primeira estrela no ano seguinte. Em Fevereiro deste ano foi atribuída ao Opheem a segunda estrela - tornou-se o primeiro restaurante em Birmingham com duas estrelas Michelin, e era referido por algumas pessoas como tendo a cozinha indiana mais requintada de todo o Reino Unido. Decidi que, definitivamente, tinha chegado a altura de marcar. Só consegui uma marcação para o início de Junho para o menu mais extenso, de 10 pratos.

Ao chegar ao restaurante, disseram-me que o snacks iniciais seriam servidos no bar e só depois passaria à sala para o jantar. Cheguei a um bar grande, com mesas baixas, bonito e confortável, onde algumas pessoas estavam já a ser servidas e regularmente eram levadas para a sala de jantar. Uma das paredes chamou-me a atenção, pois tinha prateleiras com livros de cozinha, a certa altura fui até lá ver. Mais de metade dos livros que ali estavam estão também nas minhas prateleiras, consultámos o mesmo, com objetivos diferentes.

 

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Trouxeram-me a carta de bebidas, tinha um conjunto de cocktails muito coerentes com o tipo de cozinha servido, em particular os snacks. Escolhi o Kaffir Lime Gimlet. Os snacks começaram a chegar, cores e sabores fortes, mas sofisticados e bem balanceados.

 

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Apple, cucumber, green chilli juice

 

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Oyster emulsion, chilli broth, coriander oil

 

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Mango tuille, chutney, burnt lettuce, chilli

 

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Apple macaron, date & onion, beef tartare, duck liver

 

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Cured sea bass, ginger, radish, mango sauce, puffed rice

 

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Curried crab crumpet, lemon gel

 

Todo muitos bons e interessantes, os meus preferidos foram a telha de manga, muito bonita e delicada, com sabores fortes que se complementavam (o avinagrado do chutney, o fumado da alface queimada, o picante do chilli) e no final a frescura das ervas que o guarneciam. Em pé de igualdade no topo das minhas preferências o macaron, um snack muito rico - a fruta, o parfait de fígado de pato, a carne, a variedade de textura... maravilhoso!

 

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Terminados os snacks vieram buscar-me para me levar à sala, grande e espaçosa, com as mesas bem afastadas, com uma iluminação impactante e ao fundo uma cozinha à vista com cerca de uma dezena de cozinheiros que vinham regularmente à sala trazer os pratos. 

Não bebo o suficiente para pedir o pairing com vinhos proposto, disse que gostava de ter dois vinhos e deixei a escolha destes ao critério do escanção. Estava curiosa com o que iria beber com uma cozinha com a características desta. O primeiro vinho a ser servido foi um riesling alemão, ácido com aromas de especiarias e fruta.

 

Horst Sauer - Trocken   2020 | Franken | Riesling

 

Para começar chegou um tandoori de borrego, para ser comido à mão, pegando no osso. Muito tenro e saboroso. Delicioso! Teria comido outro!

 

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Tabak Maas | Kashmir | Tandoori BBQ mutton rib

 

O menu que estava sobre a mesa, indicava o prato tradicional que tinha inspirado cada um dos pratos, a sua região de origem e os principais ingredientes de cada prato.

 

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Bharta | North Indian | Heritage tomatoes, dill sheeps milk

 

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Badami Korma | Persian | Orkney scallop, mooli, apple, almonds

 

Este foi o meu prato preferido, a doçura da (enorme) vieira e da amêndoa, era bem complementada com a acidez da maçã, havia também um bom contraste de texturas, tudo ligado pelo molho cremoso.

O prato seguinte, penso que é uma imagem de marca do chef, daqueles pratos que não saiem da carta, vão evoluindo, um prato de batatas cozinhadas de diferentes formas (barbecue, fritas, espuma...) e com diferentes texturas. Parecia tão simples, mas a variedade de texturas, a acidez do tamarindo, a doçura da manga e a especiarias usadas... resultavam numa explosão de sabores fortes.

 

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Aloo Tuk | Delhi | Achaari pink fir potato, mango tamarind

 

Tão fortes que foi bem-vindo o limpa palato que serviram em seguida. Uma pequena esfera, com uma camada exterior crocante (penso que manteiga de cacau) e quando quebrava libertava um líquido muito fresco com sabores doces e frutados.

 

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Carrot & passion fruit sphere

 

Tinha chegado a altura de ser servido o segundo vinho, um rosé grego complexo, com aromas de fruto vermelhos e especiarias, e alguma acidez, que acompanharia o resto da refeição.

 

Alkemi Rose  2022 | Macedonia | Xinomavro

 

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Allepy | Kerala | Cornish cod, aspargus, snake gourd, raw mango & coconut sauce

 

Depois de um prato de peixe chegou o momento do pão. Um pequeno pão, muito fofo, com um leve sabor a especiarias e com uma cobertura adocicada e pegajosa (daí a necessidade de uma toalhinha para limpar as mãos no final), uma manteiga temperada e muito bonita e, uma surpresa de que gostei muito, um pequeno copo com um saboroso caldo de borrego.

 

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Pau | Bread course

 

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Bihari | Bihar | Lamb cutlet, smoked aubergine, shami kebab, mint

 

O último prato a chegar foi uma costeleta de borrego, com uma "almôndega" de borrego picado e temperado com especiarias, e beringela fumada. A carne muito tenra e com um excelente ponto de cozedura. Ao lado serviram um pequeno tacho com arroz pilau. Gostei muito que o arroz tivesse finalmente aparecido.

 

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O jantar estava quase a terminar e serviram duas sobremesas. A primeira menos doce e de sabores lácteos e suaves.

 

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Pista | Delhi | Sheep's milk yoghurt, pistachio, green chilli

 

A segunda sobremesa era lindíssima! De manga Alphonso (uma variedade originária da India) e com as suas cores. Dentro da fina esfera de chocolate branco um creme de manga com um arroz doce, por cima uma telha muito bonita, cujo reflexo contribuía para aumentar a beleza deste prato.

 

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Aam | Ratnagiri | Alphonso mango, kheer, yuzu

 

Disseram-me que tinha chegado a hora de regressar ao bar, onde seria servido o Mithai - seleção de doces - e o chá ou café. Para beber escolhi um chá indiano, um oolong de uma região pouco conhecida, Himachal Pradesh, cultivado nos jardins de Mann no sopé dos Himalaias - o Mann hand rolled Oolong Tea 

O primeiro doce a chegar à mesa foi um canelé. Já comi alguns... nunca me encantaram. Nem sequer no seu local de origem, em Bordéus, e nem mesmo da minha padaria preferida em Birmingham, de um padeiro francês, que tudo o que tem é maravilhoso. Tinha sido a minha última tentativa e tinha desistido! 

 

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Gulab Jamun as Caneles

 

Mas aqui, inesperadamente, gostei muito. Um canelé com os sabores de um doce tradicional indiano, o gulab jamun, e com uma textura perfeita. 

Chegou depois mais um conjunto de doces, mas foi o canelé que ficou na minha memória.

 

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Uma experiência muito rica, uma outra visão da cozinha indiana, de uma cozinha indiana criativa, moderna e sofisticada. 

Entre o dia em que marquei e a data do jantar muita coisa aconteceu. Pus inclusivamente a hipótese de desistir da marcação. Ainda bem que não o fiz, um bom jantar não resolve tudo, mas contribui muito para o nosso bem estar. E este jantar sozinha era mesmo o que estava a precisar...

Como diz Aktar Islam "the one thing that binds us together, embeds our identity through good times and bad, is food".

 

20
Abr24

Caixas de receitas e a sua contribuição para aumentar a qualidade da alimentação e da vida

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Durante algum tempo a minha filha mais velha sugeria regularmente que devíamos experimentar pedir uma "Recipe Box", ou seja uma caixa com kits completos para a preparação de vários pratos. Escolhemos quantos e que pratos queremos e o tamanho das doses (número de pessoas). Depois é aguardar que entreguem uma caixa onde vêm todos os ingredientes, na quantidade exata, para cada um dos prato (em geral é suposto apenas termos sal, pimenta, óleo e pouco mais), e as fichas detalhando a forma de os preparar. Finalmente é cozinhar cada prato, leva normalmente entre 15 e 30 minuto, e comê-lo.

Dizia-lhe que sim, que havíamos de experimentar, mas com algum ceticismo, e nem via muito as vantagens. Um dia ela anunciou que tinha mandado vir uma caixa e perguntou se eu não queria ir jantar a casa dela e ajudá-la a cozinhar.

Assim foi! Nesse dia o ceticismo desvaneceu-se, percebi as enormes vantagens, e fiquei impressionada com a qualidade. Ela ficou fã e, cerca de 3 meses e 40 receitas diferentes depois, nem sequer põe a hipótese de voltar atrás.

Pensar todos os dias no jantar, depois de um dia de trabalho e com crianças, era por vezes pesado... Nessas condições, a imaginação frequentemente deixava muito a desejar, até porque na hora em que decidiam, tinham que se basear apenas no que tinham em casa. Os vegetais, sobretudo, por vezes ficavam a aguardar na gaveta do frigorífico e depois... já era tarde demais, e acabavam no lixo.

O que é que a caixa de receitas mudou?  Escolhem todas as semanas 4 ou 5 pratos de uma lista de cerca de 250 por mês, em que há coisas para todos os gostos e requisitos alimentares, inspiradas nas cozinhas de todos o canto do mundo. No início da semana chega tudo, arrumam os ingredientes de cada prato, e à hora do jantar têm apenas que pegar no saco dos ingredientes de um dos pratos e, no máximo, meia hora depois está a comida na mesa. Comida com muito mais qualidade do que a maior parte da que se pede para entrega em casa, com vegetais, carne e peixe fresco, e que eles cozinham, uma atividade de que gostam e nesta condições até é relaxante. Frequentemente a minha filha até comenta que tem aprendido muitas técnicas novas, muito simples e que dão ótimos resultados.

A escolha inicial, de entre várias opções possíveis, foi feita com base no tipo de receitas e na sua variedade, e também no preço. A empresa escolhida foi a Gousto, que numa avaliação feita este mês pelo Independent foi considerada a melhor opção de todas as caixas disponíveis.

O preço é bem inferior ao de uma entrega ao domicílio, e bem razoável, se se tiver em conta a qualidade dos ingredientes e pratos, a variedade da alimentação, a quase ausência de desperdício, a forma como a vida é facilitada, e o tempo que se poupa - em média cerca de 4 £ (5 €) por pessoa por cada generosa refeição. 

Lembro-me de há uns anos surgir uma coisa semelhante em Portugal, mas era cara e rapidamente desapareceu. Neste momento não tenho conhecimento de nada deste tipo. Aqui é bastante comum e os números impressionam - a Gousto diz que vendem mais de 5 milhões de refeições por mês.

Precisei apenas de cozinhar e comer um prato para o meu ceticismo dar lugar a algum entusiasmo. Penso que este tipo de produtos pode desempenhar um papel importante no aumentar da qualidade da alimentação e da vida de muita gente. E ainda, mas não menos importante, a incentivar as pessoas a cozinharem.

 

Foto DAQUI

15
Abr24

Que cada um coma e beba o que quiser! E que isso não seja fonte de julgamentos, conflitos e divisões.

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Sentada à mesa, em frente da janela da sala, olhava para o jardim e tomava o pequeno almoço. Estava um dia de sol, as sebes começavam a ficar mais verdes, começavam a aparecer algumas flores. Andava por ali um pequeno esquilo, visita habitual que me faz sempre sorrir. O pequeno almoço estava a saber-me bem. Um bom café e um bom pão, que ia barrando com Summer Truffle da Kinda Co.  Uma boa forma de começar o dia!

Mas, a certa altura, enquanto saboreava com prazer o que ia comendo, e observava com agrado a bonita barra do Summer Truffle salpicada de flores secas comestíveis, dei comigo a pensar nas reações fortes que aquele pequeno almoço causaria a muita gente...

A maior "heresia" era aquela barra que tinha à minha frente, uma alternativa a queijo. Tendo na família pessoas veganas, frequentemente compro produtos alternativos a queijo que possam comer. Há um ou outro dos que encontro nos supermercados que são razoáveis, mas da maior parte não gosto. Vamos experimentando alguns artesanais e gostamos muito de quase todos os da Kinda Co. Por vezes ponho-os na mesa em situações em que estão outras pessoas, não familiarizadas com estes produtos, e os comentários variam entre: "É um queijo vegano? Não, não quero provar", "Mas isto nem sabe a queijo.", "Mas porque é que querem imitar?", "Esta textura nem é de queijo.", "Isso é muito processado, deve fazer mal."... Curiosamente há queijos com muitas textura diferentes e com muitos sabores diferente. Não sabe a queijo, pois é óbvio que não, os produtos base são diferentes, neste caso é caju. Mas não é preciso saber a queijo, é uma alternativa ao queijo, um produto que se come em situações idênticas e que substitui o queijo. Se é muito processado? A base é caju moído e fermentado, tem algumas coisas adicionadas, mas nada de estranho. Nada que os distinga de muitos outros alimentos, até queijos, que essas mesmas pessoas comem. E porque é que imitam? Uma questão que surge sempre. Mas a essa já dediquei um post!

 

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No caso desta barra, a "heresia" ainda é maior - culpa do óleo de trufa que surge nos ingredientes. Nunca entendi as reações fortes (frequentemente de chefes e gastrónomos) ao óleo de trufa. Porque não ao aroma a baunilha, a morango, a laranja ou a outros produtos muito mais comummente usados? Estes estão muito mais presentes no que comemos diariamente. Devo dizer que já várias vezes googlei para tentar entender a razão para o dito horror ao óleo de trufa*. Parte do que li aplicar-se-ia a qualquer aroma das centenas usadas no que comemos e bebemos - falso, unidimenional, desonesto, são usados químicos... Tudo é formado por átomos e moléculas, tudo é formado por composto químicos. O aroma natural de um morango, do café, da baunilha, ou de qualquer outra coisa é o resultado de compostos químicos voláteis que existem nesses produtos. Mas cada aroma é o resultado de muita dezenas ou centenas de compostos, que existem em pequeníssimas quantidades e em proporções muito variáveis. Quando se cria um aroma sintético é impossível misturar todos aqueles compostos nas proporções originais. Usam-se os componentes mais característicos do aroma que se pretende reproduzir, deixa-se de fora a maior parte dos compostos, que existem em quantidades diminutas, mas que arredondam o aroma, o tornam mais complexo e mais sofisticado. Fica um aroma com muito menos dimensões. É inevitável!  Quanto aos produtos químicos usados, muitas vezes são os mesmos que são criados pela natureza, mas sintetizados em laboratórios. Mas se estiverem com o grau de pureza exigido (e devem estar) são iguais aos naturais. Se é falso, ou desonesto? Não será se ficar claro que é um aroma, e não o produto propriamente dito. 

Depois há umas justificações de tal forma elitistas que até chocam:

- O óleo de trufa altera a compreensão do sabor da trufa real.

- O problema é que se o paladar se habitua ao óleo de trufa, não se vai depois conseguir apreciar a trufa verdadeira, pode não se reconhecer o verdadeiro sabor e  pode-se pensar que as trufas são defeituosas.

- Adicionar óleo de trufa a algo não dá o mesmo gosto de trufas laminadas.

É verdade que o óleo de trufa, não é trufa. Não é mesmo! Quem já comeu sabe isso. É verdade que não substitui uma trufa. Mas é igualmente verdade que um aroma a morango não é morango, e que não substitui uns morangos. É verdade que um cubo de caldo de galinha, não dá um caldo idêntico a um caldo de galinha a sério. Mas há consumidores e ocasiões para tudo.

É também verdade que a trufas, são raras e caras. A maior parte da pessoas não comerá nunca trufas durante a sua vida. Ponho as mãos no fogo que mais de 90% das pessoas que conheço nunca provaram trufas (e a percentagem pode ser bem mais alta). Qual é o problema de comerem alguma coisa com óleo de trufa se gostarem? Eu gosto do Summer Truffle da Kinda Co. Não correm o risco de no futuro não saberem apreciar uma trufa, pois existem grandes probabilidades de nunca na vida se cruzarem com uma trufa.

Acho que as "heresias" do meu pequeno almoço se ficavam por aqui, mas as polémicas não. Porquê comer um pão que custa 5 euros se com poucas dezenas de cêntimos comprava pão? Há dias esta questão, era mesmo tema de um artigo no The Guardian - Britain' bitter bread battle: what a £5 sourdough loaf tells us about health wealth and class. Para mim a razão é porque gosto mais, me sabe bem. Opções! E nem é um gasto astronómico, um pão destes dá-me  para 4 dias. 

Quanto ao café... de vez em quando oiço alguns comentários ao preço exagerado dos café de especialidade que bebo. Não gosto dos outros. Gosto de ir descobrindo vários cafés com característica próprias, gosto do ritual de os fazer na V60. São caros, é verdade, mas uma caneca de café fica por mais ou menos (depende do café) 1 euro. E ninguém critica alguém, por beber uma bica...

Dá que pensar que o que comemos e bebemos, muitas vezes coisas simples e básicas, se torne fonte de divisão, conflito e julgamento. Que cada um coma e beba o que quiser!

 

*Alguns exemplos:

Why truffle oil stinks

Truffle Oil Is An Abomination And Should Be Avoided At All Costs. Here's Why.

11
Abr24

Depois de ler "Takeaway: Stories from a Childhood Behind the Counter", ir a um takeaway chinês nunca mais é o mesmo

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Passei todo o dia em casa, porque tinha que estar, e porque estava a chover. Passei o dia todo sentada. Não me apetecia fazer jantar, não tinha quase nada em casa e precisava de andar. Resolvi ir ao takeaway de comida chinesa onde vou de tempos a tempos buscar comida. Cheguei e, como bem se vê na foto, estava fechado: dia de folga.

Enquanto caminhava, pensei no tempo em que ir a um takeaway chinês significava apenas ir buscar comida. Uma comida frequentemente saborosa, em doses generosas e com um preço acessível. Não tinha outro significado.

 

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Desde que li o livro Takeaway: Stories from a Childhood Behind the Counterde Angela Hui, ir a um takeaway chinês passou a ter outros significados. Angela Hui é uma jornalista freelance que vive em Londres e que escreve sobre a interseção entre comida e cultura. Contudo, cresceu numa pequena localidade no País de Gales, onde os seus Pais, imigrantes que vieram de Hong Kong, tiveram durante 30 anos um takeaway de comida chinesa. Angela Hui cresceu nesse ambiente e trabalhou no takeaway da família. É um livro autobiográfico onde, para além da forma de funcionamento e do dia a dia desse espaço, Angela Hui conta várias histórias em que fala do que é ser imigrante e da sensação de não pertença a nenhum dos países, das relações familiares por vezes difíceis e tensas, de bilinguismo e das dificuldades de comunicação com o Pais que nunca dominaram completamente o inglês. Mas também fala de racismo, da sua identidade e da sua herança cultural, a que ela tenta escapar, mas que acaba por aceitar. Fala das suas tradições gastronómicas e dos rituais associados. Na sua família, e na sua cultura, a comida desempenha um papel central e por vezes é mesmo a única forma usada para expressar emoções, Angela Hui inclui mesmo no livro algumas receitas dos pratos com mais significado para ela. 

 

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Um livro acerca de comida, cultura alimentar, mas também identidade, família e dinâmica familiares, relações sociais... um livro com passagens divertidas, outras tensas e duras, e outras ainda que nos fazem sorrir com carinho. A verdade é que depois de ler o livro, entrar num takeaway chinês nunca mais é o mesmo. As inúmeras novas facetas que associamos, fazem com que olhemos estes pequenos espaços, tão comuns no Reino Unido, de forma muito diferente. Com que lhes associemos uma componente humana e muitas outras camadas de significados, que nos obrigam a refletir, mas também a sentir e saborear aquela comida de uma forma diferente.

Curiosamente, num mundo cada vez mais globalizado, noto que, apesar do que se diz, os hábitos alimentares característicos de cada país e cultura ainda têm um peso muito grande. Isso reflete-se na forma como os imigrantes adaptam e vendem comida no países que os acolhem. No Reino Unido estes takeaways, todos muito semelhantes, existem por todo o lado, e abrem em geral só a partir do fim da tarde. Em França existem os traiteurs asiatiques, um modelo completamente diferente. Em Portugal nenhum dos dois, a presença é sobretudo de restaurantes. Toda esta adaptação é muito interessante!

Para terminar, aqui fica um artigo da Angela Hui para o The Guardian, que dá uma ideia do que é o livro - Scalding oil, racist prank calls and endless "lid duty": growing up in a Chinese restaurant.

 

 

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