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Assins & Assados

Assins & Assados

15
Nov25

The Sparkling Sake Brewery e a beleza da impermanência

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Na minha relação com o mundo e com a vida as experiências e os conhecimentos gastronómicos ocupam um lugar de peso. Mais importante do que comer algo muito bom, ou ter uma boa refeição, é expandir os meus conhecimentos e complementar a minha "base de dados" de experiências e memórias gastronómicas. Assim, experimentar uma coisa nova, e sobretudo se desconhecia a sua existência, é sempre uma oportunidade que abraço com grande entusiasmo.

Foi, portanto, com grande satisfação que há umas semanas participei numa prova de espumantes de sake no Blow Water, num pequeno restaurante com cozinha de Hong Kong que frequento muito regularmente. A sessão a que fui incluía o almoço e um copo de um espumante de sake, com a possibilidade de provar um outro.

 

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Os espumantes, da The Sparkling Sake Brewery,  foram apresentados por Naoki Toyota, que os produz em Inglaterra, perto de Cambridge, sendo a sua produtora a única no mundo que se dedica exclusivamente à produção de espumantes de sake. Tudo começou em 2018 quando Naoki, que nasceu em Kyoto, mas vivia em Inglaterra, decidiu experimentar fazer espumantes de sake em casa. O resultado deixou-o de tal forma satisfeito, que pensou começar a produzi-los no Japão e trazê-los depois para o Reino Unido. Contudo, depressa compreendeu que com os custos, os requisitos e a logística envolvidos, não era viável, mas a ideia ficou a amadurecer. Um dia, ao jantar sushi num reconhecido restaurante japonês em Londres, tomou consciência que o que lhe era servido resultava de uma combinação de tradição e inovação. Ou seja, o arroz usado era produzido no Japão e o peixe provinha de águas europeias, sendo os conhecimentos do chef essenciais para os combinar de forma harmoniosa e obter excelentes resultados. Esta reflexão levou-o a considerar fazer algo idêntico, combinando o arroz e os conhecimentos tradicionais japoneses com as características e beleza da natureza no Reino Unido, para produzir o seu espumante de sake.

Após tomar esta decisão foi para o Japão para aprender a forma tradicional de produzir sake com um produtor experiente e reconhecido pela qualidade do que produzia. Voltou para o Reino Unido em 2020 decidido a meter mãos à obra e iniciar a sua produção própria. Em Outubro de 2021 saiu o seu primeiro Classic AWA, produzido usando as competências e conhecimentos adquiridos no Japão e seguindo um processo que envolve desde a lavagem do arroz à produção do koji, à fermentação inicial, à fermentação secundária e ao degorgement manual. Atualmente, produz não só este espumante como um outro, de estilo tradicional japonês, conhecido por Nigori, turvo e com uma textura mais cremosa. Para o Nigori AWA,  o processo de produção é idêntico ao do Classic, até à fermentação secundária na garrafa, mas não é feito o degorgement. Curiosamente, antes de ser servido a garrafa deve ser suavemente invertida algumas vezes para misturar uniformemente os sedimentos do arroz que conferem complexidade e cremosidade.

Foram estes dois espumantes de sake que provei. Comecei pelo Classic, e o primeiro impacto foi descobrir a sua suavidade, as bolhas finas e os aromas frutados, e depois apreciar a sua delicadeza e complexidade. Quanto ao  Nigori, tinha uma textura mais cremosa, um leve amargor e notas de umami. Dois espumantes com características diferentes, mas muito bons. Tão bons e únicos que, como referiu Naoki, os seus clientes são essencialmente restaurantes com estrelas Michelin.

Tanto o Classic AWA como o Nigori AWA são lançados anualmente em quatro lotes sazonais para refletir os ritmos da natureza. De facto, Naoki realça que o seu trabalho é inspirado por um princípio fundamental da estética japonesa, o de captar e expressar a beleza da impermanência. Ou seja, por uma celebração dos momentos transitórios e em constante mudança da natureza.

Curiosamente, ao ver o site da The Sparkling Sake Brewery para escrever este post descobri que apesar de ter sido a primeira vez que provei os espumantes de sake, já tinha muito provavelmente comido cerca de um ano e meio antes borras dos seus espumantes, o sake kasu. Este subproduto da produção de sake, é rico em nutrientes e muito apreciado na cozinha japonesa pelos seus benefícios para a saúde e sabor umami intenso. Tanto que eles para além do espumante também vendem o kasu, e dizem mesmo que é muito apreciado por chefs, tanto para pratos principais como para sobremesas. Ora, como aqui relatei, comi em tempos uma sobremesa no restaurante Land em que um dos componente era precisamente um gelado de kasu. As voltas que o mundo dá!

 

Imagens do Instagram do Blow Water

04
Nov25

Um mau serviço de sala pode estragar tudo

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Há umas semanas tive uma reunião até tarde e deixaram-me perto de uma zona com vários restaurantes, eram quase oito horas, estava cansada e decidi jantar por ali antes de ir para casa. Entrei num restaurante, fiz o pedido, e enquanto não vinha fui lendo. Estava distraída, mas a certa altura reparei que muita gente que tinha chegado depois de mim tinha comida, e eu nem comida nem nada para beber, nem sequer água. Perguntei, ao empregado a quem tinha feito o pedido, se a minha comida ainda demorava. Respondeu-me: Já devia cá estar. Foi ver e disse-me que por qualquer razão o meu pedido não tinha entrado no sistema. Eventualmente ele esqueceu-se... pode acontecer. Mas o restaurante era pequeno e eu estive 40 minutos sentada numa mesa sem nada para comer ou beber e ninguém reparou. 

Disse-lhe que tinham passado 40 minutos e não ia esperar mais, que me ia embora. Não houve um pedido de desculpa, nem uma tentativa de me compensar de alguma forma. Não é desejável que estas coisas aconteçam, mas se acontecem, há que saber lidar com elas... 

A comida até pode ser ótima, se calhar o empregado até já lá não está, mas não vou voltar.

 

Uns dias depois fui a outro restaurante sobre o qual tinha lido algumas coisas que me despertaram curiosidade para experimentar. Tinha lido sobre uma entrada que tinha dois componentes, um deles pouco habitual. Pedi-a, quando chegou faltava esse componente pouco habitual, que tinha sido a razão do meu pedido. Referi o que faltava, disseram que tinha acabado e trouxeram-me outra coisa para o substituir. Comi, mas fiquei desconsolada, até porque a qualidade do componente que chegou inicialmente era fraquinha.

Como tinha estado indecisa entre essa entrada e uma outra, que na descrição tinha três componentes, pedi essa outra. Chegou apenas o componente principal. Referi que faltava o resto, a empregada nem se tinha apercebido que era suposto haver mais do que o que me tinham trazido. Disse-lhe que assim não queria.

Veio o chefe de sala, expliquei a situação. Disse-lhe que não podem ter uma carta com uma descrição dos pratos, trazer só parte do que lá está, e nem avisarem as pessoas. Disse-me que tiveram muita gente ao almoço e essas coisas tinham acabado. Aqui para nós, nada que não pudesse ser reposto se houvesse vontade para o fazer, mas isso já é outro assunto que não discuti. Disse-lhe que compreendia, mas que se dão uma carta com uma descrição dos pratos e se não podem oferecer o que lá está, que devem dizer ao cliente. Disse-me, com uma nota de enfado: Já percebi.

Depois, ainda tentou compensar, mandar arranjar uma caixa com umas coisas para eu levar para casa, e até convidar-me para jantar no dia seguinte. O jantar já estava estragado, a atitude inicial e o "Já percebi" tinham também contribuído. Agradeci e disse que não aceitava, que só queria que me tivessem avisado inicialmente.

As entradas até poderia ser ótimas com todos os elementos. Os empregados até podem mudar.  Mas eu não vou voltar, apesar da curiosidade que tinha de conhecer o restaurante.

Em qualquer dos restaurantes o preço de uma refeição anda pelos 30 euros, no mínimo. Deveriam ter mais cuidado com o serviço de sala, valorizar esse trabalho e dar formação a quem o faz. Coisas destas contribuem para dar cabo de um projeto. Podem sair bem caras!

 

12
Out25

É preciso, e urgente, ir mais vezes a restaurantes de cozinhas étnicas! Precisamos de um mundo melhor!

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Foram publicados recentemente os resultados de um estudo feito no Reino Unido, por investigadores das Universidades de Birmingham e de Munique, sobre o relação entre a frequência de restaurantes de cozinhas étnicas por nacionais do país e a sua aceitação relativamente aos imigrantes. O artigo Breaking Bread: Investigating the Role of Ethnic Food in Potentiating Outgroup Tolerance, de que um do autores é português, relata conclusões interessantes e refere que o envolvimento com comidas étnicas pode atuar como um meio culturalmente acessível através do qual os membros dos grupos maioritários e minoritários constroem familiaridade, apreciação mútua e espaços sociais partilhados. Chegam mesmo a dizer que a incorporação da degustação de comida étnica em currículos educativos multiculturais, a concessão de subsídios ou incentivos fiscais para empresas alimentares geridas por migrantes ou a promoção de festivais de comida étnica são iniciativas que podem promover a coesão comunitária e fazer parte de políticas e estratégias de integração.

O aumento da imigração para países ocidentais nos últimos anos, em geral de pessoas provenientes de culturas diferentes e com as quais os nacionais desses países não estão familiarizados, tem levado a que quem chega seja visto como uma ameaça económica e cultural, e contribuído para aumentar o voto em quem defende políticas anti- imigrantes. Investigação que tem sido feita sobre este assunto tem mostrado que um maior interação entre os dois grupos resulta numa diminuição dos sentimentos anti-imigrantes. Contudo, nem sempre é fácil ou há condições para estabelecer esta interação.

Os autores do estudo que refiro colocaram como hipótese que a frequência de restaurantes de cozinhas étnicas (definidas como cozinhas tradicionais não nativas introduzidas num país de acolhimento por comunidades migrantes), seria uma forma de estabelecer esta interação. Mais do que isso, a escolha ativa de frequentar os restaurantes, e consequentemente estabelecer essa interação partiria do grupo natural do país e,  portanto, seria feita de forma voluntária e com o objetivo de viver momentos de qualidade e prazerosos. Ir comer a estes restaurantes funcionaria assim como uma ponte cultural, ligando pessoas de diferentes etnias e culturas.

Frequentar restaurantes étnicos é uma atividade comum a pessoas de diferentes meios sociais, educacionais e económicos, já que alguns deles são relativamente acessíveis.  Por esta razão, o efeito da interação que ocorre, em geral amigável e positiva, pode atingir uma parte significativa da população e resultaria na redução dos sentimentos de ameaça e insegurança relativamente aos imigrantes.

A recolha de informação ocorreu através de uma questionário online, em que o estudo era apresentado como visando obter um panorama geral sobre atividades de lazer, gostos culturais, dinâmicas de grupo e opinião pública no Reino Unido. Os resultados demonstraram que tanto o prazer, como o consumo frequente de cozinhas étnicas, estão significativamente associados a um menor sentimento anti-imigrante e a um menor apoio a políticas restritivas de imigração. 

É preciso, e urgente, ir mais vezes a restaurantes de cozinhas de outras culturas! Precisamos de um mundo melhor!

 

Leyva, R., Ramos, M. D. S., & Sakshaug, J. (2025). Breaking Bread: Investigating the Role of Ethnic Food in Potentiating Outgroup Tolerance. Sage Open15(3). 

https://doi.org/10.1177/21582440251378940 

 

28
Set25

Books for Cooks - um marco na minha vida

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Este verão, nos dias que passei em Londres, andei por alguns lugares que tiveram muito significado para mim, mas onde não ia há muito tempo. Um deles, a livraria de livros sobre comida e cozinha Books for Cooks, em Notting Hill, numa transversal de Portobello Road, que abriu em 1983. Fui lá pela primeira vez há mais de 30 anos, e há pelo menos uns 10 que lá não ia. Nem sequer sabia se ainda estava aberta. Quando comecei a ir, Eric Treuille, um cozinheiro francês que vivia em Londres, e que é autor de alguns livros de cozinha que tenho, trabalhava lá. Mais tarde, em 2001, ele e Rosie Kindersley tornaram-se proprietários, e ao fim de 25 anos mantêm a livraria.

Uma livraria que era sempre muito movimentada, com um espaço de cozinha ao fundo, onde havia aulas, cozinhavam também pratos de livros que estavam nas prateleiras, e onde se podia comer. As prateleiras cheias de livros do chão ao teto, o sofá vermelho onde me sentei muitas vezes a ver livros, o cheiro a comida, e os livros que regularmente editavam com as receitas preferidas que cozinhavam ou desenvolviam no espaço de cozinha, são coisas que me vêm à cabeça quando penso na Books for Cooks.

 

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Fiquei feliz por ver que a livraria lá estava com o aspeto habitual. Senti a falta do movimento de antigamente, grande parte do tempo estive só eu na livraria, e as pessoas que entraram entretanto não compraram nada. O sofá vermelho continuava, mas era outro e mais pequeno. As prateleiras tinham bem menos livros, muitas delas tinham louças com a indicação de que não eram para venda. Procurei os livros que publicavam, adorava ter comprado mais uns para a minha coleção, tenho do 1 (de 1995) ao 9 (de 2009), mas não vi nenhum. Não cheirava a comida, a cozinha lá estava, mas ninguém a cozinhar. Uma pessoa perguntou se já não cozinhavam, disseram que sim, mas que era altura de férias e que o Eric estava em França.

 

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Ia lá de ano a ano, uma vez o Eric perguntou-me se ia sempre a Londres na Páscoa. Fiquei meio desconcertada  com a pergunta, não a entendi bem. Então ele disse que eu lá tinha estado na Páscoa do ano anterior, nem eu me lembrava... Quando ia sozinha perguntava-me pela família. Era bom chegar a uma livraria em Londres, onde pensava que ninguém que conhecia, e ver que afinal não era bem assim. Fazia-me sentir que, de certa forma, fazia parte... Por tudo isto, senti também a falta do Eric, para mim um pouco a alma da livraria.

Estive a ver os livros, e até alguns detalhes engraçados... E claro que saí de lá com alguns livros...

 

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Do outro lado da rua a The Spice Shop, com pequenos sacos com as mais variadas especiarias. Entrei e tive quase a sensação que o tempo não tinha passado, nada mudou ali no últimos 15 ou 20 anos. Claro que saí de lá com uns saquinhos de especiarias...

 

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Tudo muda, é inevitável, a forma como vivemos e compramos mudou muito. Mas foi tão bom ver ali aqueles espaços, resistindo a tudo isto. Espaços que foram importantes do meu passado, e onde tive acesso a muitas coisas que me permitiram conhecer mais e evoluir.  Hei-de voltar numa altura que não seja de férias...

 

08
Set25

Lisboeta - Sabores, Nostalgia e Conforto

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Londres é uma cidade de que gosto muito e aonde, durante muitos anos, ia frequentemente. No período em que a minha filha mais velha lá estudou ia lá duas a três vezes por ano. Nos últimos tempos, apesar de estar grandes períodos no UK, vou lá muito pouco, e quando isso acontece vou de manhã e regresso ao fim do dia, pois a viagem de comboio é pouco mais de uma hora e os hotéis são muito caros.  Mas passar só o dia é diferente de lá estar por um período mais longo, e durante as férias deste ano decidir lá passar três dias. Foi bom, soube-me bem, deu para viver ao meu ritmo e sem grandes planos, e andar um bocado ao sabor do acaso e de decisões de momento, uma coisa de que gostava muito quando lá ia com frequência.

Tinha, contudo, algumas coisas planeadas e uma delas era uma refeição no Lisboeta do Chefe Nuno Mendes onde ainda não tinha ido. Fui a muitos dos outros restaurantes que teve em Londres. Comecei pelo Bacchus em 2007 e 2008, seguiu-se o Viajante em 2010 e 2011, o The Corner Room em 2013 e a Taberna do Mercado em 2015, mas depois disso não aconteceu ir a nenhum dos outros restaurantes de Nuno Mendes, nem em Londres, nem em Portugal. 

Tentei marcar online, mas a marcação não correu bem... Não me dava oportunidade de marcar ao almoço, o que eu preferia, e ao jantar só ao balcão, e eu não gosto nada de balcões. Marcar só para uma pessoa tem destas coisas... quando tentava para duas já conseguia mesa. Não marquei! Decidi que tentaria a minha sorte, e num dos dias passei à hora de almoço. Foi fácil... estavam poucas meses ocupadas quando cheguei, mas durante o almoço a sala no 1º andar foi-se compondo, e ao balcão nem havia ninguém.

Soube-me bem chegar e, logo ao perguntar se teriam mesa, a pessoa que me recebeu ter identificado que eu era portuguesa e a conversa ter passado para português. O empregado que me levou à mesa, e acompanhou de forma muito simpática a minha refeição, também era português. Às vezes sabe bem falar português nestas situações... é necessariamente uma interação diferente.

Os quadros, com fotos a preto e branco, que via da minha mesa também me provocaram uma certa nostalgia. Uma esplanada no Terreiro do Paço, um homem à porta de uma tasca com um saco de caracóis, e a Açucena Veloso que conheci no Peixe em Lisboa.

Pedi muitas coisas, tinha vivido bem com menos, mas estava com fome e apetecia-me provar diversos pratos. Gostei da carta de vinhos, exclusivamente com vinhos portugueses, com exceção de alguns champagnes. Acompanhei a refeição com Niepoort X Lisboeta - Amigos, Branco 2020, um vinho criado por Dirk Niepoort em colaboração com Nuno Mendes.

Comecei com uma entrada, leve, deliciosa e como sabor do mar.

 

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White Crab Tartlet with lemon and tagetes

 

A entrada que se seguiu não considerei ser tão bem conseguida, achei o recheio um pouco pesado e que não deixava transparecer a frescura e sabor característicos do Bulhão Pato.

 

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Empada - ‘bulhão pato’ mushroom and turnip pie

 

Seguiram-se mais dois pratos.

 

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Mushroom Açorda, sourdough broth and a slow cooked egg

 

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Nuno’s Bacalhau à Brás confit cod, caramelised onions, egg and shoestring fries

 

Gostei da interpretação do Bacalhau à Brás, um prato muito rico, um dos elementos cremoso, com sabor a ovo, mas o bacalhau confitado em lascas e as batatas muito estaladiças e finas introduziam um bom contraste de texturas.  Quanto à Açorda... se me falam numa açorda, imediatamente me remetem para o conforto da sua textura cremosa. Ali o pão estava na forma de uma fatia. Era um prato muito bom e saboroso, delicioso mesmo! Mas tinham-me prometido uma açorda... só esta expectativa fez com que não me enchesse completamente as medidas.

Para terminar,  a sobremesa que foi acompanhada com um chá, da  Chá Camélia, produzido em Portugal por Nina Gruntkowski e  Dirk Niepoort.

 

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Abade de Priscos - pork fat custard with a port caramel

 

Mais um vez aqui as expetativas... as texturas... criaram um momento de estranheza. Um Abade de Priscos para mim vive muito daquela textura de um gel muito rico e denso, de o sentir na boca, o esmagar com a língua contra o céu da boca e, de vez em quando, de o fazer passar por entre os dentes. Aqui o pudim era batido, era um creme. Primeiro estranhei, depois abstraí-me da ideia de que era um Abade de Priscos e desfrutei de uma sobremesa muito rica e saborosa.

Mas este assunto das texturas fez-me pensar... pensar sobretudo no que nos marca em cada prato. Isso pode ser diferente de uma pessoa para outra. Fez-me pensar que nestas situações, que envolvem interpretações por quem cria o prato,  por vezes temos que nos abstrair do que nos marca no prato original. Não estamos ali para o comer, mas para conhecer e desfrutar do trabalho e criatividade de um chefe que foi inspirado por esse prato.  É importante, e bom, conseguir fazê-lo, introduz uma nova dimensão, uma nova componente na apreciação e interpretação do prato.

Por tudo o que descrevi, gostei muito do almoço,  não só pelo que comi, mas também porque teve componentes de nostalgia e conforto muito boas.  Infelizmente é uma experiência que não vou poder repetir, pois uns dias depois Nuno Mendes informou que o restaurante em Londres vai fechar. Quem sabe reencontrarei a cozinha de Nuno Mendes agora em Portugal. Mas a cozinha portuguesa vai continuar presente no mesmo espaço que o Lisboeta ocupou, desta vez pelas mão do Chefe Leandro Carreira que ali vai abrir o Luso. Já em tempos visitei um dos seus projetos em Londres e será certamente uma opção para uma refeição numa próxima visita a esta cidade.

 

 

 

14
Ago25

Óleo de Sementes de Abóbora - uma descoberta deliciosa!

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Numa visita ao mercado de Ljubljana, e querendo trazer alguma coisa que não conhecesse, comprei óleo de sementes de abóbora.

 

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De facto, quando o comprei, não sabia nada sobre este óleo, mas depois de o provar fiquei com interesse em descobrir e aprender mais.

Quando, já em casa, deitei um pouco num prato, fiquei surpreendida por ser bastante espesso e com uma cor escura.

 

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Provei-o com pão,  senti um sabor forte e complexo, em que as sementes são muito evidentes, com uma presença mais forte até do que se sente ao comê-las, penso que por serem torradas antes da extração. Tenho-o comido com um bom pão e também a temperar saladas, a que junto sempre umas sementes de abóbora. Delicioso! Tenho é que o poupar... só tenho 100 ml.

É um produto usado em países da Europa Central e de Leste e são-lhe até atibuídos vários benefícios par a saúde. O óleo usado na Eslovénia, certificado com Indicação Geográfica Protegida, provém principalmente da região de  Štajerska  (Baixa Estíria). Para extrair o óleo que comprei, as sementes de abóbora são limpas e moídas, adiciona-se-lhes água com sal, e aplica-se um tratamento térmico em que as semente torram, quando se atinge o ponto desejado, aplica-se pressão às sementes moídas e quentes para extrair o óleo. Também há óleo produzido por extração a frio, em que as sementes não são torradas, este é mais leve e com um sabor mais suave.

É um óleo caro, 100 ml custaram 9 euros. Compreende-se, pois para obter 1 litro de óleo são precisos 3 kg de sementes de abóbora. É um óleo que não é usado para cozinhar, apenas para temperar saladas ou outros pratos, comer com pão, ou até deitar sobre gelados, o que penso experimentar em breve. 

Uma boa descoberta, um óleo delicioso!

 

10
Ago25

Coincidências!

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Há dias, ao ver um post que aqui publiquei em 2024, reparei nas fotos dos pratos e numa coincidência. Um ano e meio depois tinha comido dois pratos idênticos aos referidos naquele post. 

 

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Biqueirão

(Taberna os Papagaios - 2024)

 

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Marinated anchovy fillet in lemon, garlic and chilli oil

(Beer Gonzo - 2025)

 

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Tutano

(Taberna os Papagaios - 2024)

 

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Roasted Beef Bone Marrow

(Sear Grill House - 2025)

 

Não são pratos muito comuns e, tanto uns como os outros, comi-os em restaurantes dos bairros onde vivo, mas uns em Portugal e outros no Reino Unido, países com culturas gastronómicas muito diversas. 

Viva a diversidade e as coincidências!  Souberam-me todos maravilhosamente bem!

 

06
Ago25

JAZ by Ana Roš - um almoço excelente

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A Chef Ana Roš é conhecida pelo seu trabalho no restaurante Hiša Franko, a cerca de duas horas de Ljubljana, que tem 3 estrelas Michelin e oferece uma cozinha criativa muito característica, baseada em ingredientes e tradições locais e eslovenos. Contudo, no final de 2023 abriu o restaurante JAZ by Ana Roš no centro de Ljubljana, no AS Boutique Hotel, que é chefiado por Alex Iacoviello que anteriormente trabalhou no Hiša Franko. O JAZ não é um restaurante de fine dining, mas um espaço descontraído, próprio para o convívio à mesa, com uma oferta gastronómica simples, mas baseada nos produtos sazonais e da região, em que se revive a tradição. Ao almoço oferece um menu curto e económico. Ao jantar tem um menu mais extenso, e com pratos mais complexos. 

Por razões várias, só foi possível ir almoçar ao JAZ no último dia em que estive em Ljubljana. Entrámos no restaurante através de uma zona pedonal onde existem vários restaurantes. Na entrada, um detalhe engraçado, um xilofone e instruções para tocarmos para chamar a atenção e nos virem receber.

 

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Um espaço amplo, bonito e elegante, onde fomos recebidos com muita simpatia e um sorriso rasgado. Aliás, o serviço foi sempre descontraído, mas muito competente, o que resultou numa interação muito agradável.

 

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O menu no dia em que estivemos no restaurante era:

 

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Escolhi o menu de 4 pratos, como a generalidade das pessoas na mesa. Acompanhámos a refeição com um vinho Esloveno, o Zelèn da adega Pasji Rep no vale de Vipava. Este é um vinho emblemático desta adega que recuperou a casta Zelèn, nativa daquele vale, que quase tinha desaparecido. Um vinho branco, aromático e elegante. 

Estava um dia muito quente, optei por entradas frias. 

 

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Thinly sliced english roast beef with herbs - sunflower seeds coated with tomato powder, sourdough bread from Pekarna Ana 

 

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Chilled green summer soup

 

Dois pratos muito bons. O prato de rosbife, é também um dos pratos da carta do jantar, e é um tributo ao original Hisa Franko, um restaurante popular onde Franko Kramar o  servia. O pão que o acompanhava era de uma padaria de Ana Roš no centro de Ljubljana. A sopa fria, muito saborosa, disseram-nos que com todas as ervas que havia no mercado, e com pequenos cubos de melão.

O prato seguinte era inspirado num prato tradicional da região de Friuli Venezia Giulia no nordeste de Itália, o Toc' in Braide - uma polenta com um molho de queijo. Um prato muitíssimo saboroso e com uma variedade de texturas. Delicioso! 

 

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Toc' in braide, green beans

 

Para terminar, uma tarte de ruibarbo com morangos. Uma massa que se desfazia, um recheio com um bom equilíbrio entre o doce e o ácido. 

 

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Fuit tart

 

Uma excelente refeição. A mais barata das que comi na descoberta da cozinha contemporânea Eslovena, e aquela de que mais gostei. Uma cozinha muito madura e séria, um grande domínio das técnicas, que resulta em pratos muito saborosos e elegantes. Pena só ter podido ir no último dia, senão tinha certamente voltado para um jantar. 

 

 

31
Jul25

À Descoberta da Cozinha Eslovena Contemporânea

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Não tenho nada contra atum com molho ponzu, ou com dashi, no caso até estavam bons. Mas confesso que quando os serviram pensei: "Por favor! Isto não!".

Estava na Eslovénia, em Ljubljana, tinha ido a uma reunião e, com colegas de outros países, ou numa das refeições sozinha, aproveitei para conhecer a cozinha Eslovena criativa. Curiosamente (ou nem tanto, ajuda a selecionar os restaurantes), os 4 restaurantes a que fui eram aconselhados pelo Guia Michelin. Todos muito diferentes, em termos de preço, de espaços e ambientes, e de propostas gastronómicas. Um deles destacou-se e merece uma referência em separado. 

O primeiro, o JB Restavracija, abriu em 1992, pelo chef Janez Bratovž, considerado o pai da cozinha eslovena moderna, sendo o seu filho Tomaž Bratovž quem chefia agora a cozinha. Um espaço grande, elegante e clássico, bom serviço. Mas, a nossa mesa era a única ocupada nessa noite. Talvez por isso, talvez pelas características do espaço, talvez até pelo que comi, fiquei com a sensação que era preciso alguma reformulação, tanto do espaço, como da oferta gastronómica.

Foi-nos servido um menu de 7 momentos (Menu Tomaž - 90 €). Um dos primeiros pratos era:

  

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Tuna - Dashi - Sumac - Wasabi 

 

Estava bom. Mas, para ser sincera, eu não queria aquilo! Era muito fora de contexto... Não tinha nada a ver com o local em que estava. 

Felizmente também nos serviram o prato aconselhado no Guia Michelin: "Don’t miss the iconic JB ravioli, the restaurant’s signature dish, filled with pistachio and cheese and served with foie gras and veal jus."

 

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JB Raviol

 

Se comi bem? Comi. Se fiquei encantada? Não. Achei caro, e que havia alguma falta de coerência nos pratos servidos, particularmente relativamente ao prato principal, a que faltava a delicadeza que caracterizava o resto do menu. 

 

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Codfish - Potatoes - Tomatoes

 

Numa outra refeição fui ao Georgie Bistro, do chef Gregor Jelnikar. Um ambiente muito mais descontraído, uma sala cheia, um serviço menos cuidado e eficiente. Havia a possibilidade de pedir à carta ou um menu, que seria seleccionado no dia pelo chefe, com 5, 7 ou 9 pratos. Escolhi o menu de 5 pratos (59 €).

Quando me trouxeram o primeiro prato, pensei "Outra vez não!". Mas, ele ali estava, um atum com molho ponzu. O trigo sarraceno dava-lhe alguma graça e contexto... mas não chegava.

 

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Tuna Fillet - Buckwheat - Cucumber - Ponzu 

 

Quando me trouxeram o segundo prato. Eu até me contorci, do atum, passei ao borrego com... molho ponzu! Como era possível? Num menu de 5 pratos!!! O chefe não estava a acertar... ou tinha que despachar aquilo...

 

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Lamb Tataki - Wild Garlic - Mushroom 

 

Depois de dois pratos quase iguais e completamente fora de contexto, chegou o prato que tinha visto referido como sendo o mais característico do restaurante. Inspirado no prato italiano Cacio e Pepe (spaghetti com queijo e pimenta preta), neste caso o spaghetti é substituído por tiras de nabo que são desidratadas e depois re-hidratadas. A substituir o Pecorino Romano, o queijo usado, o Jamar, tem um sabor intenso e característico, que resulta de ser maturado em grutas cársticas com um ambiente húmido. É produzido no extremo leste da região italiana de Friuli-Venezia Giulia, junto à fronteira com a Eslovénia, uma região em que é falado tanto o esloveno como o italiano. Estava curiosa, sobretudo tinha alguma originalidade, e achei  um prato interessante.

 

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Turnip "Cacio e Pepe"

 

Chegou o prato principal, de veado e acompanhado de um dumpling de beterraba inspirado nos tradicionais dumplings eslovenos. Era interessante e  bom... mas, o aspeto e textura da carne fez-me lembrar os dois primeiros pratos, dois erros de casting, e os três juntos não faziam sentido. Decididamente um menu muito mal construído.

 

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Venison - Beetroot Dumpling - Blackcurrant

 

Quando fiz o pedido, disse que gostava de beber um copo de vinho branco. Já estava a comer e nada de me darem vinho a escolher. Pedi para escolher um vinho. O empregado de mesa respondeu-me com uma pergunta "Não posso ser eu a escolher?", meio incrédula, disse que sim, que podia... Eu até nem percebo nada de vinhos Eslovenos, porque não? Mas não é simpático... podia ter feito o mesmo perguntando se eu gostaria que me aconselhasse um vinho.

A terceira refeição foi no Gostilna na Gradu, no Castelo de Ljubljana. Foi um jantar de grupo, marcado pela organização da reunião, tinha um menu fechado, mas verifiquei que todos os pratos servidos eram pratos da carta. Propostas saborosas e diversificadas e, sobretudo, nada com ponzu ou dashi...

Ficaram-me na memória duas das entradas.

 

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Octopus - Tomato Salsa - Black Olive Powder - Potato Ice cream - Parsley Oil

 

Uma entrada fria interessante, gostei particularmente do gelado de batata, penso que nunca tinha comido e achei muito bom, com um forte e bem distinto sabor a batata. O prato seguinte era muito bonito e saboroso.

 

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Cuttlefish Pasta filled with Smoked Trout - Fennel Cream - Horseradish Foam - Pickled Dill

 

Refeições interessantes, particularmente os pratos mais influenciados pelos produtos e cozinha local. Não sou defensora do km 0, mas esta obsessão com os sabores asiáticos, quase sem nenhuma adaptação dos pratos, não acho uma via particularmente interessante. Nada contra usar técnicas e até ingredientes, mas num contexto mais local ou mais autoral. Eu gosto de  conseguir relacionar o que como com o local em que estou e a sua cultura gastronómica (a não ser que escolha ir a um restaurante de cozinha de outro país...) e, se possível, com as vivências e personalidade de quem cria os pratos. Estes têm que ter história e alma, têm que fazer sentido no contexto em que estão. Atum cru com dashi ou ponzu não fazem de todo sentido naquele contexto...

 

 

28
Jul25

Umamificar é importante!

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Courgette | Lemon Koji | Chilli Crunch

 

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Penso que é consensual afirmar que o que comemos desempenha um papel fundamental para atingir um bom nível de saúde e a desejável sustentabilidade ambiental do planeta em que vivemos. É também consensual afirmar que o que comemos está a ameaçar tanto a saúde humana quanto a Terra. Complicado... mesmo muito! 

A única conclusão possível é que é necessário, e urgente, fazer uma transformação radical da forma como comemos. Se isto não é fácil a nível individual, fazê-lo a nível global, com uma população crescente, com culturas, hábitos, disponibilidades e necessidades muito diversas, ainda é mais complicado.

A Comissão EAT-Lancet de 2019, que reuniu 37 cientistas, de 16 países, especialistas em áreas relevantes, estudou este assunto e propôs diretivas e metas científicas globais para se alcançar uma dieta saudável proveniente de sistemas alimentares sustentáveis (pode ser consultado AQUI um resumo do relatório final). É aí referido que a humanidade nunca mudou radicalmente o sistema alimentar à escala e velocidade que a comissão julga necessários, e que tal exige trabalho árduo, vontade política e recursos suficientes.

As conclusões indicam que uma dieta saudável e sustentável, deve ser rica em alimentos de origem vegetal e incluir poucos alimentos de origem animal, cereais refinados e açúcares. Indicam mesmo metas a atingir, nomeadamente 300 g de vegetais e 200 g de frutas por dia, valores muito superiores aos habitualmente consumidos.

A grande maioria das pessoas tem dificuldade em aumentar de forma tão significativa o consumo de vegetais e em reduzir o de carne, em consequência de uma variedade de barreiras de natureza psicológica, fisiológica, social e cultural. De facto, a evolução humana foi impulsionada nos últimos dois milénios pelo consumo de carne e pelo desejo pelo gosto umami. 

Olle Mouritsen, um químico-físico dinamarquês que, a par com o trabalho no âmbito biofísica molecular, se tem dedicado a estudar a gastrofísica do gosto e das sensações na boca, macroalgas, cefalópodes e vegetais, refletiu sobre estes assunto e publicou algumas destas reflexões. Nomeadamente os artigos The solution to sustainable eating is not a one way street , Design and ‘umamification’ of vegetable dishes for sustainable eating e o livro Plant- Forward: Cuisine basic concepts and practical applications. Curiosamente, durante a preparação deste livro veio a Portugal, e tive o gosto de o acompanhar nas visitas a produtores e chefes.

Nestes trabalhos, Mouritsen considera que o caminho para consumir mais alimentos de origem vegetal está repleto de obstáculos causados pela biologia vegetal e por elementos-chave da evolução humana. Refere que as plantas, por não conseguirem fugir, desenvolveram sistemas de defesa com substâncias amargas e por vezes venenosas, para evitarem ser comidas por animais herbívoros. Por outro lado, os tecidos vegetais (caules, folhas e raízes) não têm um gosto doce, uma vez que os seus açúcares estão ligados entre si, formando hidratos de carbono que não são doces. Para além disto, por não possuírem tecidos musculares, têm também uma menor capacidade de contribuir com o gosto umami. Em contraste, os frutos maduros devem ser consumidos para a reprodução das plantas e, por isso, são macios, doces, com aromas atraentes, e alguns deles, como o tomate, têm o gosto umami. 

Ora, os gostos doce e umami, são os que mais agradam aos humanos já que o doce é um sinal de açúcares e, portanto, de calorias, o que é bom para a sobrevivência, e o umami é um sinal de proteínas e de uma boa nutrição. Por outro lado, o amargo é um sinal de toxicidade e de algo que deve ser evitado.

Uma forma de tornar os vegetais mais interessantes, segundo Mouritsen, seria utiliza o conhecimento científico e competências culinárias para conceber e "umamificar" pratos de vegetais, para que fiquem mais deliciosos em termos de sabor e sensação na boca. Ou seja, propõe combinar a ciência e as artes culinárias, na busca de soluções para promover uma transição verde seguindo as recomendações da Comissão EAT-Lancet.

Considera que uma via possível e interessante é enriquecer o sabor dos pratos pela adição a alimentos vegetais crus ou pouco processados de substâncias umami e kokumi (estas são substâncias que modificam os sabores básicos, a complexidade ou a sensação na boca, quando adicionadas aos alimentos, embora não apresentem sabor nas concentrações em que geralmente estão presentes). Isto pode ser feito, por exemplo, utilizando condimentos e molhos. Enquanto que o umami é um gosto básico bem conhecido nos queijos curados, tomate maduro, carnes curadas, fungos e produtos marinhos, as substâncias kokumi surgem no alho, levedura, vieiras, molho de peixe, molho de soja, pasta de camarão, queijo e até cerveja. 

Refere que uma das formas mais poderosas de conferir umami e kokumi envolve alimentos marinhos, como macroalgas, peixes, mariscos e cefalópodes, particularmente na forma fermentada. Um benefício desta opção é a sua contribuição com nutrientes essenciais que as plantas não possuem (por exemplo, ácidos gordos super-insaturados e vitamina B12). Outra opção é a fermentação, que permite transformar vegetais de forma a conferir-lhes compostos doces,  umami e kokumi, através da decomposição das suas proteínas e hidratos de carbono.

 

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No artigo Design and ‘umamification’ of vegetable dishes for sustainable eating apresenta uma extensa lista de possibilidades para tornar os vegetais mais saborosos e introduzir texturas atraentes, e explica a contribuição de cada um, termina com alguns exemplos de aplicações.

 

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Refere, por exemplo, opções de origem animal que funcionariam como condimentos (entre outros, anchovas, bacon, presunto, polvo, lula, molho de peixe, katsuobushi), de origem vegetal (cebolas, alhos, alcaparras, molho de soja, cogumelos, água de cozer batatas, tomate), de microorganismos (koji, levedura nutricional ou Marmite), assim como o uso de temperos como citrinos, piri-piri, gengibre...

 

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É fundamental desenvolver estratégias para a introdução de mais vegetais na dieta, e todas as contribuições são importantes, porque mesmo sabendo que uma dieta com mais vegetais é mais saudável e sustentável, para que os hábitos mudem e se mantenham a longo prazo, é preciso que os pratos sejam bons e compatíveis com a cultura alimentar e as preferências gustativas dos consumidores.

 

1ª Foto - Prato do restaurante Land em Birmingham em que estas técnicas foram aplicadas.

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