Leite sintético - prós e contras de um produto que poderemos consumir num futuro próximo
Todos os dias nos chegam sinais de que a forma como nos alimentamos está a mudar, e que mudanças drásticas virão no futuro. Todos vamos entendendo que elas são inevitáveis com uma população mundial a aumentar e com a crise climática. Na sequência do post sobre desperdício de leite, faz sentido abordar a produção de leite sintético. Este já não é apenas uma produto do futuro, ele está aí, mas ainda sem capacidade de competir com a produção tradicional de leite.
Em dezembro de 1931, num texto que escreveu para a Strand Magazine, intitulado Fifty Years Hence (que vale a pena ler e refletir um pouco sobre o que é dito), Winston Churchill, refere como o conhecimento científico foi decisivo ao longo dos anos para permitir que milhões de pessoa pudessem ter uma vida mais segura, variada, cheia de esperança e escolhas, e também sobre a evolução que previa para as cinco décadas seguinte. Nesse texto dizia:
Os micróbios, que atualmente convertem o azoto do ar nas proteínas que permitem aos animais viverem, serão usados e postos a trabalhar sob condições controladas, da mesma forma que a levedura de padeiro o é agora. Serão desenvolvidas novas linhagens de micróbios que farão uma parte considerável dos nossos processos químicos em nosso benefício. […] Escaparemos do absurdo de criar uma galinha inteira para comer o peito ou a asa, cultivando essas partes separadamente em meio adequado. Naturalmente, os alimentos sintéticos também serão usados no futuro. Nem os prazeres da mesa precisam ser banidos. […] Os novos alimentos serão, desde o início, praticamente indistinguíveis dos produtos naturais, e quaisquer mudanças serão tão graduais que escaparão à observação.
Já passaram 90 anos, ainda não estamos bem aí, mas quase, a carne cultivada está a ser desenvolvida, e o equivalente a carne picada ou frango para nuggets, já é uma realidade, a preço cada vez mais razoáveis, mas ainda sem possibilidade de ser comercializada em larga escala e de forma competitiva. Mas lá se chegará a médio prazo. No caso do leite sintético é mais fácil do que no da carne, pois não há os problemas de textura e construção de tecidos… da carne.
A produção de leite sintético, não requer vacas ou outros animais, mas este tem uma composição bioquímica semelhante à do leite animal e terá sabor, aspeto e textura semelhantes também. É produzido usando uma tecnologia denominada fermentação de precisão em que os micro-organismos produzem proteínas idênticas às do leite (proteínas do soro e caseína). Estudos realizados demonstraram que estas são as principais responsáveis pelas características de sabor e textura do leite, assim como pelas propriedades que permitem a produção de uma vasta gama de lacticínios. Posteriormente as proteínas produzidas no processo de fermentação são misturadas com água e são adicionados minerais, gordura, açúcar (não necessariamente a lactose, o que permite o seu consumo por intolerantes à lactose) e aromas.
Já são produzidas proteínas numa escala relativamente grande, que são usadas nos EUA para produção de gelados e leite, ou queijo mozzarella. Na Austrália também já é produzido leite sintético por este processo. Espera-se que, em menos de uma década, o leite sintético fique mais barato que o leite de origem animal e possa ser consumido por si só, ou utilizado pela indústria alimentar.
As vantagens são muitas, este leite, não recorrendo a nada de origem animal, é compatível com uma grande variedade de opções alimentares, e não envolve problemas éticos relacionados com o sofrimento dos animais. Por outro lado, a pegada ambiental é bem menor, pois evita-se o problema da libertação de metano pelas vacas, assim como o da produção de alimentos para elas, portanto libertando terras para outras produções, e havendo menor consumo de água. Acredito que, destes pontos de vista, terá também vantagens relativamente às inúmeras bebidas à base de vegetais que têm vindo a substituir o leite para muitos consumidores. Tendo em conta que 80% da população mundial consome regularmente lacticínios, o impacto pode ser grande.
Tem ainda um efeito importante, tendo proteínas idênticas às do leite, e portanto com a mesma funcionalidade, permitirá manter as tradições de muitos países, por exemplo as da produção de queijo, apesar da transição para dietas baseadas em plantas.
Mas, não há rosas sem espinhos, e nesta transição os espinhos também são muitos… vai ter um impacto grande na produção de lacticínios. Ainda há um caminho relativamente longo a percorrer, que vai precisar de grandes investimentos, pesquisa e construção de infra-estruturas para produção, até que possa ser uma alternativa aos produtos tradicionais em larga escala. Mas é um processo que certamente ocorrerá e que terá grande impacto nos produtores de leite tradicionais. As grandes empresas de lacticínios, prevendo a importância desta tecnologia no futuro, começam a investir neste tipo de investigação e no futuro iniciarão certamente a produção de leite sintético de forma a fornecer os seus mercados. Não que a produção tradicional de leite vá desaparecer completamente, mas certamente a escala será menor e os processos de produção também menos intensivos, e o leite produzido será considerado um produto premium.
Hoje estes produtos ainda causam estranheza a muita gente. Até alguma rejeição. Mas, como também dizia W. Churchill no tal artigo:
Todos nós aceitamos as conveniências e facilidades modernas à medida que nos são oferecidas, sem sermos gratos ou conscientemente mais felizes. Mas simplesmente não poderíamos viver sem elas.
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2ª Foto DAQUI